Menos de um ano depois de assumir o Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello está deixando a pasta.
Foram dias de especulação até o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciar na noite de segunda-feira (15/3) que Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, será o novo ministro.
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Os dois se encontraram hoje em Brasília. "A conversa foi excelente, já o conhecia há alguns anos", disse o presidente.
"Tem tudo no meu entender para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo que o Pazuello fez até hoje."
Será o quarto ministro da Saúde do país — e a terceira troca feita por Bolsonaro — durante a pandemia de covid-19.
Em uma coletiva de imprensa realizada pouco antes do anúncio, Pazuello reconheceu que poderia deixar o governo, mas deixou claro que não seria por questão de saúde ou vontade própria, como chegou a ser especulado.
"Não estou doente. Não pedi para sair", afirmou o ministro. "Pedir para ir embora não é da minha característica. Isso não é uma brincadeira, isso é sério. Não pedi nem vou pedir (para ir embora)."
Ele também demonstrou deferência a Bolsonaro. "O cargo é do presidente da República. Existe essa possibilidade desde o dia em que entrei."
Pazuello assumiu interinamente em maio do ano passado, quando o oncologista Nelson Teich deixou a pasta. Ele foi confirmado no cargo há seis meses.
Teich, por sua vez, chegou ao ministério no vácuo deixado pelo médico e ex-deputado federal Henrique Mandetta (PMDB).
Os dois saíram do governo por divergências com Bolsonaro sobre a condução do combate à pandemia. Mas com Pazuello foi diferente.
No tempo em que ficou à frente da Saúde, ele sempre se mostrou alinhado com o presidente (ao menos, em público).
Isso não impediu que fosse desautorizado por Bolsonaro, ou que tivesse sua competência questionada depois das falhas cometidas pela sua pasta.
Estes são alguns dos principais acontecimentos que marcaram a gestão de Pazuello no Ministério da Saúde, como a BBC News Brasil mostra a seguir.
Defesa de medicamentos sem eficácia comprovada para covid-19
Pazuello colocou em prática o discurso de Bolsonaro em defesa de alguns medicamentos contra covid-19.
Esse sempre foi um dos tópicos mais caros para o presidente, que diversas vezes recomendou o uso de hidroxicloroquina e ivermectina, entre outras drogas que a ciência ainda não comprovou que funcionam contra essa doença.
O Ministério da Saúde lançou em maio do ano passado, já na gestão de Pazuello, um protocolo que prevê o uso de cloroquina quando aparecerem os primeiros sintomas.
Um aplicativo lançado pela pasta, o TrateCov, recomendava que as pessoas tomassem ivermectina e cloroquina, mesmo se fosse só uma suspeita.
Em uma coletiva de imprensa em 21 de julho, no Rio Grande do Sul, Pazuello citou esses mesmos dois medicamentos ao defender que "o tratamento ideal é o tratamento precoce".
"O médico é soberano, vai dizer o que é mais adequado para cada um. Receba ou compre, tome os medicamentos e se Deus quiser, você vai ficar bom", afirmou o general.
Conforme esses medicamentos foram sendo desacreditados, seu discurso mudou. Em janeiro, o ministro disse que não tinha orientado os pacientes a buscar o tratamento precoce e, sim, o atendimento precoce.
"Não confundam atendimento precoce com que remédio tomar", disse ele.
"Nós incentivamos e orientamos que a pessoa doente procure imediatamente um médico. Que o médico faça o diagnóstico. Esse é o atendimento precoce."
Em fevereiro, o Ministério Público do Distrito Federal abriu um inquérito para investigar se Pazuello cometeu improbidade administrativa no combate à pandemia por comprar estes medicamentos, entre outros motivos.
Desautorizado por Bolsonaro
Pazuello havia sido confirmado no cargo há pouco mais de um mês quando sofreu seu primeiro grande revés com Bolsonaro em público.
Em 20 de outubro, o então ministro da Saúde anunciou a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.
O desenvolvimento deste imunizante pelo Butanan tinha sido colocado como uma das prioridades do governador paulista, João Doria (PSDB).
Doria, um adversário político de Bolsonaro, vinha ganhando projeção nacional com isso e aproveitando a iniciativa para se diferenciar do presidente, seu ex-aliado e possível rival nas eleições do ano que vem.
Bolsonaro resistia a liberar verbas para comprar a CoronaVac. Dizia que não faria isso antes de ela ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Também questionava se não havia "outros interesses" por trás do seu desenvolvimento, sem ser muito claro sobre isso.
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Por estes motivos, foi uma surpresa quando Pazuello anunciou que o governo federal havia aceitado adquirir o imunizante. O ex-ministro chegou a dizer que a CoronaVac era "a vacina do Brasil".
Mas, no dia seguinte, logo cedo, Bolsonaro desautorizou seu ministro da Saúde com um post em uma rede social.
"A vacina chinesa de João Doria, qualquer vacina antes de ser disponibilizada à população, deve ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Minha decisão é a de não adquirir a referida vacina", disse.
Falta de oxigênio no Amazonas
Em janeiro, o mundo assistiu estarrecido enquanto Manaus enfrentava o segundo colapso do seu sistema de saúde por causa da pandemia. Mas, desta vez, a crise foi ainda mais grave.
Os hospitais estavam superlotados como antes, mas, além de leitos, faltavam cilindros de oxigênio. Mesmo depois de conseguirem ser internados, os pacientes estavam morrendo asfixiados.
Um inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) investiga se houve uma omissão de Pazuello.
A princípio, a Advocacia-Geral da União informou que o Ministério da Saúde foi informado do problema pela empresa White Martins, que fornece oxigênio para o Amazonas, em 8 de janeiro.
Mas o governo Bolsonaro corrigiu depois a informação e disse que o ministro foi informado só no dia 17.
Isso contradiz o próprio Pazuello, que disse à imprensa que havia sido notificado no dia 8. O general depois mudou sua versão e disse que não havia sido alertado pela empresa, mas pelo governo do Amazonas.
O Ministério Público afirma que o ministério mandou os primeiros cilindros de oxigênio ao Amazonas apenas no dia 12. Pazuello diz que fez isso no dia 8.
Em depoimento no início de fevereiro ao STF, o agora ex-ministro da Saúde negou ter sido omisso e disse que agiu quando soube da crise.
Com sua saída de do cargo, a investigação sairá do STF e irá para a primeira instância.
Vacina no 'dia D, hora H'
Em 11 de janeiro, durante visita a Manaus, Pazuello foi cobrado sobre os prazos do plano nacional de vacinação contra covid-19. Até então, o governo federal não havia anunciado quando teria início a imunização.
"A vacina vai começar no dia D, na hora H, no Brasil", disse Pazuello, emendando que isso ocorreria "a partir do terceiro ou quarto dia" depois de a Anvisa autorizar o uso de um imunizante.
A Anvisa deu permissão para uso emergencial da CoronaVac e da vacina de Oxford no dia 17 do mesmo mês. Pazuello cumpriu a promessa que havia feito dias antes e programou o início da vacinação para três dias depois.
Guerra com Doria
Pressionado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que começou a vacinação em seu Estado no próprio dia 17 de janeiro — com direito a dose inaugural administrada diante da imprensa —, Pazuello adiantou o começo da campanha nacional para o dia 18.
O general criticou o governador paulista e disse que ele agiu "em desacordo com a lei" por não ter esperado o início oficial do plano
"Poderíamos num ato simbólico ou numa jogada de marketing iniciar a primeira dose em uma pessoa, mas em respeito a todos os governadores, prefeitos e todos os brasileiros, o Ministério da Saúde não fará isso", disse Pazuello.
Doria não demorou em rebater. "Lamento, ministro Eduardo Pazuello, que o senhor, como ministro da Saúde, que deveria estar grato à Anvisa e a São Paulo, que temos uma vacina, use o tempo para protestar contra isso. É inacreditável uma situação como essa no Brasil. Aqui lutamos pela vida, e Brasília luta pelo quê?"
Falta de vacinas
Pazuello foi muito cobrado nas suas últimas semanas no ministério pelo ritmo lento da vacinação no país. Até agora, só 4,7% da população foi imunizada.
Por diversas vezes, o ex-ministro teve de reduzir a previsão da quantidade de doses que seriam entregues e se justificou dizendo que o problema foi da falta de matéria-prima, que precisa ser importada ao menos por enquanto.
Mas seus críticos destacam que o Ministério da Saúde cometeu uma série de erros na preparação para a vacinação.
Como não ter dado apoio à CoronaVac, ou não ter feito mais acordos para ter um leque mais amplo de vacinas em vez de apostar em uma única opção, a de Oxford.
A falta de vacinas já levou muitas cidades a paralisarem a imunização.
Vacinas do Amapá foram parar no Amazonas
Em 24 de fevereiro, um lote de mais 78 mil doses da vacina de Oxford chegaram ao Amapá.
Era para ser uma excelente notícia, mas o problema é que a maioria dessas doses — 76 mil para ser mais exato — não deveriam ter sido mandadas para lá.
O próprio Ministério da Saúde admitiu que fez confusão com a entrega e teve de levar as doses para seu destino certo, o Amazonas, que esperava há dois pelo envio das vacinas, que tinha sido prometido para 22 de fevereiro.
O Estado foi um dos mais arrasados pela covid-19 desde o começo da pandemia. Enquanto isso, na capital do Amapá, Macapá, a vacinação estava suspensa por falta de doses desde o dia 20.
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