Bolsonaro temia
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Bolsonaro temia "escuta" em tornozeleira eletrônica, diz deputada

A tentativa desesperada de violar, com “ferro de solda”, a tornozeleira eletrônica, estopim para o pedido de prisão preventiva de Jair Bolsonaro (PL), confirmada agora pelo STF por unanimidade, quebrou um dos últimos alicerces do mito que durante anos sustentou a imagem pública do ex-presidente.

O capitão reformado ganhou visibilidade performando uma masculinidade que, segundo a nova direita global, estava em xeque diante da cartilha esquerdista. Neste balaio estavam expressões de gênero e diversidade, linguagem neutra, desconstrução de um ideal masculino e familiar que ele prometia revigorar com muita testosterona, coragem e seriedade. Bolsonaro se armou para essa guerra (cultural) sob o lema de Deus, pátria e família. O slogan era levantado por quem não sabia rezar um rosário, batia continência para a bandeira dos EUA e que, como pai e marido, era um ótimo consumidor de leite condensado.

Ainda assim a balela colou.

Na cabeça da turma que caiu na conversa, o problema do Brasil era uma suposta “frouxidão” com que o campo progressista, mais aberto ao mundo novo, encarava seus conflitos. A promessa era instalar um governo linha-dura no combate à corrupção, à criminalidade e ao politicamente correto. E tirar de cena restrições contra o que ele nomeava como um Brasil grande, potente, seguro e forte. Por exemplo, as normas ambientais que, de acordo com essa lógica, atrapalhariam os homens de verdade interessados apenas em trabalhar, produzir e alimentar um país inteiro. O trator bolsonarista colheu assim uma safra inteira de votos nos rincões que se sentiam desprestigiados pelos moderninhos desconstruídos da cidade grande.

Mais tarde essa mesma linguagem foi usada no enfrentamento da pandemia. Bolsonaro batia no peito para dizer que só os fracos, sem histórico de atleta como ele, morreriam caso fossem contaminados. E garantia que ficar em casa com medo de uma “gripezinha” era sintoma de um desvirtuamento moral.

A certa altura ele chegou a questionar até quando as vítimas da Covid-19 iriam chorar pelos seus mortos.

Quem conhecia a trajetória do presidente que saiu do baixo clero da Câmara dos Vereadores do Rio para posar de messias da nação, sem trocadilho com o segundo nome, sabia que as convicções ali eram mais elásticas do que o discurso fazia crer. As rachadinhas, a tentativa de venda das joias sauditas, a confusão de bens públicos com interesses privados (“meu Exército”, “meu sistema de informação”, etc) e a relação com os filhos e as ex-companheiras já eram razões para arranhar o quadro de bom pai de família, sério e trabalhador, que ele tentava botar nas paredes das melhores casas do ramo. A produção nula como parlamentar também.

“Temos que deixar de ser um país de maricas”, disse ele, no auge da crise sanitária. 

No ápice, Bolsonaro arrancava suspeitos de outros eleitores iludidos da própria virilidade ao dizer que a geração atual era “Todinho, Nutella” e precisava de correção. 

Era isso o que o homem “imbrochável”, como se declarava, tinha a apresentar como plataforma política.

Bolsonaro usava o lusco-fusco de um país que se voltou contra a própria cultura, seus intelectuais e a imprensa livre para alongar os contornos de uma sombra manejada. O mito aqui se assemelhava ao mito da caverna de Platão.

Bolsonaro é um homem medroso.

No futuro, sua aversão à vacina pode ser explicada pelo medo da agulha, como uma criança de quatro anos que chora no colo da mãe ao entrar no hospital.

O ex-presidente tinha medo de perder a eleição e passar a faixa a um rival. Tanto que deixou de governar e mobilizou uma tropa, literalmente, para seguir no poder e se ver livre da responsabilidade pelos crimes que cometeu.

Roubar voto também é corrupção, seu Jair. Usar ministros, auxiliares, ajudantes-de-ordens, equipamento, tempo e estrutura pública para uma aventura pessoal também.

Foi por isso que ele foi condenado, mesmo engolindo durante o interrogatório toda a pompa de quem batia no peito para, entre os seus, chamar ministro do STF de “canalha” e avisar que não obedeceria ordem judicial alguma. Aquele radical afinou ao dizer, para o mesmo ministro, Alexandre de Moraes, que gostaria que ele fosse seu candidato a vice em 2026.

Mesmo depois de condenado, Bolsonaro teve a chance de encarar o destino com alguma dignidade. (A turma dele chamaria de hombridade). Poderia seguir batendo no peito e na tecla de uma suposta perseguição política e judicial sem mostrar medo do que o esperava. A História é um pêndulo, e sua sorte poderia mudar caso um aliado fosse eleito presidente daqui a menos de um ano. Nunca se sabe.

Mas Bolsonaro não parece entender de História. Nem a que confunde violência com “pulso firme” nos tempos da ditadura – que ele tanto defende – nem a que é escrita agora e contará o seu ocaso daqui uns anos.

Nada disso estava na conta quando ele tentou violar a tornozeleira eletrônica logo que seu filho Flávio Bolsonaro convocou uma vigília na frente da casa onde cumpria prisão domiciliar.

Apoiadores podem dizer que Lula (PT), quando teve a prisão decretada, teve direito a uma oração antes de se entregar, em 2018. Mas os tempos eram outros. Basta lembrar como a Polícia Federal foi recebida quando tentou cumprir um mandado de prisão contra Roberto Jefferson, um exemplo de liderança política fanatizada pelo bolsonarismo e que mostrou os dentes, em suas versões miniaturizadas, em 8 de janeiro de 2023.

Não se sabe o que Bolsonaro teria feito se tivesse aprendido alguma coisa no curso de solda que ele jura ter feito antes de chegar à Presidência. Provavelmente teria quebrado a tornozeleira para se refugiar em alguma embaixada amiga. Ou tentaria escapar pela porta dos fundos como alguns aliados quando se viram encrencados pela própria violência que ajudaram a espalhar.

Bolsonaro fugiria como um rato. Mas nem isso conseguiu.

Agora, foge da própria responsabilidade ao dizer que tudo era culpa do remédio para a ansiedade e das vozes de sua cabeça que o levaram a desconfiar da própria tornozeleira. De duas uma. Ou o Brasil foi governado durante quatro anos por um sujeito que ouve vozes de aparelhos eletrônicos ou por um mitômano profissional. Ou pelos dois, o que é mais provável.

Nenhum deles cabe na versão do homem “imbrochável” que ria da suposta sensibilidade alheia. Bolsonaro era só o menino inseguro do fundo da sala rindo dos defeitos dos colegas para que ninguém reparasse em sua própria fragilidade.

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG

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