A cantora Preta Gil
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A cantora Preta Gil

Poderia ser uma dessas postagens anônimas de rede social, mas foi dito no púlpito de uma igreja em Campina Grande, a segunda maior cidade da Paraíba.

“Gilberto Gil fez uma oração aos orixás. Cadê o poder desses orixás, que não ressuscitou Preta Gil?”, perguntou o padre Danilo César aos fieis da Paróquia São José. “Pois é. E tem gente católica que pede a essas forças ocultas… Eu só queria que o diabo viesse e levasse”, completou o sacerdote.

Em tempos de comunicação digital (a missa foi transmitida ao vivo), a fala viralizou e chegou até a família Gil, que agora pede uma indenização de R$ 370 mil por danos morais. O processo corre na na Justiça do Rio de Janeiro, de  acordo com o colunista do jornal “O Globo” Lauro Jardim. É pouco.

A fala do pároco não ofende só a inteligência – afinal de contas, não há registro de católicos (ou protestantes ou budistas ou hinduístas) quem tenham rezado por um ente querido e doente e que tenha conseguido a proeza da vida eterna.

O problema da homilia é outro. É o deboche que orienta a pregação. O mesmo padre disse aos fiéis que religiões de matriz africana são como “forças ocultas”. O nome disso é racismo religioso.

Em 2022, a ONG instituição Ilê Omolu Oxum e a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) divulgaram uma pesquisa feita com 255 pais e mães de santo em todo o país naquele ano. E mostrou que 60% dos terreiros sofreram pelo menos um ataque nos dois anos anteriores. Além disso, 80% dos líderes entrevistados relataram que pessoas de suas comunidades já sofreram algum tipo de violência. 

A homilia do padre Danilo César autoriza esse tipo de agressão.

O artigo 5º da Constituição brasileira assegura a liberdade de consciência e crença e protege a manifestação de todas as religiões. A Lei nº 7.716/1989, por sua vez, classifica como crime a discriminação religiosa –o que inclui ataques contra religiões afro-brasileiras. Outras leis, como o Estatuto da Igualdade Racial, preveem medidas para combater o preconceito contra as religiões de matriz africana.

Gil e a companheira, Flora Gil, assinam a ação junto com os filhos Nara, Marília, Bela, Maria, Bem e José. O neto Francisco Gil, filho de Preta, também é signatário.

Unida, a família pede uma retratação pública do padre – que ainda não se manifestou.

Será uma vitória póstuma dedicada a Preta Gil após anos lutando contra um câncer.

Que Deus (e os santos, e Buda, e os orixás e quem mais olhar para esse mundo) tenha piedade desse padre. A Justiça humana certamente não terá. Nem deve.

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG

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