
Depois de dois anos, Hamas e Israel parecem agora perto, mais perto do que nunca, de um cessar-fogo definitivo.
A última etapa do armistício era a liberação de reféns de lado a lado. Dos mais de 70 sequestrados pelo grupo palestino desde 7 de outubro de 2023, 20 voltaram vivos para casa. Tel Aviv também libertou os prisioneiros sob seus domínios.
Com isso, abre-se o caminho para o restabelecimento de uma certa “normalidade” no Oriente Médio. As aspas aqui não são por acaso.
Benjamin Netanyahu não abandonou as armas porque acordou num belo dia consciente do massacre que cometeu contra uma população inteira, a maioria civis, que nada tinham com a guerra.
Aceitou a rendição do inimigo porque não tinha mais o que destruir. E, tanto para ele quanto para os Estados Unidos, sócios da empreitada, primeiro com Joe Biden, depois com Donald Trump, as consequências da pressão interna e internacional começavam a pesar demais.
Países da Europa, puxados pelo Reino Unido, já não mediam palavras para dizer que aquilo não era uma guerra, mas um massacre.
Lula, em seu discurso na ONU, colocou o dedo na ferida ao dizer que o mundo assistia em tempo real ao desaparecimento de uma população inteira. O nome disso é genocídio, e é preciso ser dito.
Não sobrou pedra sobre pedra na região até então governada pelo Hamas. A estimativa oficial é que 67 mil pessoas morreram e outras 170 mil saíram feridas dos bombardeios israelenses. Quantos hospitais são necessários para receber 170 mil pessoas? Ainda mais quando os próprios hospitais são alvos da artilharia. Em quantos cemitérios cabem 67 mil novos corpos em apenas dois anos?
Na lista de mortos e feridos estão médicos e jornalistas que estavam no caminho dos ataques indiscriminados que tentaram, com bombas e fechamento de vias, asfixiar a faixa de Gaza. Quem não morreu nos ataques, morreu de fome.
Não viu quem não quis.
Trump agora bate no peito para dizer que foi ele o responsável por articular a paz entre um país armado pelas potências estrangeiras e outro que não é sequer oficialmente reconhecido como Estado.
Ele afirmou em um discurso no parlamento israelense que em oito meses acabou com oito guerras. Não é verdade. Em todos os conflitos, o papel dos norte-americanos era estimular o massacre até que um dos lados – o que não interessava a Washington – ficasse de joelhos e aceitasse qualquer acordo.
O do Hamas foi deixar o poder e abrir mão da reconstrução.
É uma mina de dinheiro que agora começa a movimentar organizações de ajuda internacional e grandes empreiteiras, como sempre. A birra dos europeus é que, dessa vez, corriam risco de ficar de fora da festa. Ficarão?
Trump, há poucos meses, deixou claro o que pretendia na região: criar, em parceria com os agressores, um resort na costa oriental do Mar Mediterrâneo. Sem o Hamas, tem agora caminho livre até a praia. Daqui alguns meses saberemos se este é mais um empreendimento de sucesso da família Trump.
Após o anúncio de cessar-fogo, multidões puderam voltar para suas “casas”. A fila desesperada, no dia seguinte, para receber alimentos é uma das imagens mais fortes que o mundo já produziu em anos recentes. De novo: não viu quem não quis. E é mesmo difícil de ver.
As “casas” aqui também levam aspas. Elas não existem mais. Famílias, amigos, vizinhos e conhecidos foram destroçados. Voltar como? Para onde?
Os senhores da guerra podem se abraçar como quiserem. As mãos deles (e as costas parabenizadas com tapinhas) estão cheias de sangue. As feridas não vão fechar tão cedo.
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG