O presidente Lula durante discurso na ONU
Reprodução/ONU
O presidente Lula durante discurso na ONU


Lula falou na cara.

Diante de Donald Trump, o presidente brasileiro abriu a Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira (23), para levar ao mundo o que tem falado dia sim, outro também, ao público interno. 

Quem acompanha a posição dele em relação a temas como o genocídio em Gaza e os ataques da extrema direita -- os Estados Unidos à frente -- aos organismos multilaterais, como a própria ONU (mas também a Organização Mundial do Comércio e da Saúde), não viu surpresas na fala.

A dúvida era só em relação ao tom.

E ela se desfez no minuto 1, quando Lula deixou claro aos anfitriões que não era hora de celebração. 

O presidente desenhou aos líderes globais o paralelo “evidente” entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia. Falou isso com conhecimento de causa: à revelia de organizações como a OMC, Trump usa um pretexto político para aplicar sanções econômicas ao Brasil e ao resto do mundo. Isso porque, no caso brasileiro, ele não gostou de saber que seus embaixadores por aqui – os "falsos patriotas" citados por Lula no discurso – foram condenados na Justiça por atentarem contra a democracia -- e agora a economia -- do próprio país.

O presidente disse que o Planeta assiste à consolidação de uma “desordem internacional” que atenta contra a soberania por meio de “sanções arbitrárias” e “intervenções unilaterais” – a regra, segundo ele, do jogo agora.

Aqui ele tirou da extrema-direita brasileira o monopólio de defensores da pátria. São eles, afinal, que deslifam com a bandeira de quem hoje tenta asfixiar econonomicamente o país.

Dali em diante sobrou pra todo mundo: para Jair Bolsonaro, citado indiretamente como artífice de uma tentativa de golpe de Estado, os grupos armamentistas, as nações europeias que se negam a pagar pela redução das emissões de carbono, e também para quem se omite diante das guerras e da escalada autoritária.

O governo israelense também foi lembrado no discurso.

E também as big techs, citadas como "oligarcas" que exploram o medo e monetizam o ódio com a ajuda dos “falsos profetas”.

Aqui a linguagem da diplomacia incorporou uma passagem bíblica.

Está em Mateus, capítulo 7, versículo 15: “Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm até vós vestidos de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes.”

Lula entendeu que essa guerra não será ganha (só) com a razão. Não enquanto grupos autoritários usarem o nome de Deus como salvo-conduto para a destruição (ou o Apocalipse, para os que creem).

Estava cassado assim o discurso messiânico dos extremistas.

Na sequência, Lula afirmou que a “democracia também se mede pela capacidade de proteger as famílias e a infância”, grupos sociais vulneráveis diante do apetite das plataformas digitais, talvez o alvo principal do discurso – e a razão por trás de todos os ataques de Trump ao Brasil. “A internet não pode ser uma ‘terra sem lei’. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis. Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual”.

Lula disse que “ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia”.

O recado era direto e indireto. E deixou  uma pergunta subentendida: quem são mesmos os defensores das famílias?

A menção a Deus, na última frase (“Que Deus nos abençoe a todos”), não era por acaso. Era o jogo jogado no epicentro das negociações diplomáticas, e do chamado à razão, para consertar as maluquices dos degredados filhos de Eva. Estes não são tempos normais, conforme avisou o Luiz Inácio.

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG

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