“Menina veste rosa, menino veste azul”.
A declaração da hoje senadora Damares Alves (Republicanos-DF) logo que foi empossada como ministra das Mulheres e Direitos Humanos, em janeiro de 2019, pautou a atuação do governo de Jair Bolsonaro (PL) no campo da diversidade.
Melhor dizendo: marcou o desmonte das políticas de diversidade do período.
O chefe de Damares foi o mesmo presidente que na campanha de 2022 dizia: "O que nós queremos é que o Joãozinho seja Joãozinho a vida toda. A Mariazinha seja Maria a vida toda, que constitua família, que seu caráter não seja deturpado em sala de aula".
A derrota em 2022 foi uma derrota ao desmonte das políticas anti-LGBTQIA+, certo?
Mais ou menos.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Observatório de Sexualidade e Política (SPW), revela que a gestão Bolsonaro conseguiu deixar raízes profundas nas chamadas políticas “antigênero” e que até hoje não foram removidas.
O levantamento, intitulado "Ruinologia: Uma Cartografia da Política Antigênero no Governo Bolsonaro (2019-2022)", mostra um desmonte de décadas de avanços em defesa da igualdade de gênero.
Sob o pretexto de combater a "ideologia de gênero", o governo anterior prometia “proteger” crianças e adolescentes a partir da valorização da "família convencional". Quem não obedecesse a norma era enquadrado em uma política que prometia "proteger e não promover" a diversidade.
Em 2021, por exemplo, o ministério de Damares lançou um Manual de Taxonomia de Direitos Humanos que, em sua primeira versão, classificava a "orientação sexual/'ideologia de gênero'" como motivação para violação de direitos.
Em fóruns diversos o bolsonarismo ajudou a propagar ideias ultraconservadoras, como a defesa do "homeschooling" e a patologização de identidades trans.
Essa manobra, segundo os pesquisadores, transformou o termo "ideologia de gênero" em um "instrumento parajudicial de perseguição estatal arbitrária contra servidores públicos", como professores.
Após a posse de Lula, em 2023, a palavra “gênero” seguiu demonizada em documentos oficiais.
Mais do que isso, a gestão petista não mexeu em um grande vespeiro criado pelo antecessor: a perseguição institucionalizada do Disque 100.
Embora uma decisão do STF em 2022 tenha forçado a retirada da expressão “ideologia de gênero”, o Disque 100 passou a ignorar "orientação sexual" e "identidade de gênero" como motivações específicas de crimes contra grupos sociais vulneráveis.
A situação, de acordo com a pesquisa, persiste na gestão atual.
Diretora do SPW, a ativista e pesquisadora Sonia Corrêa afirma que, passados três anos do final do governo Bolsonaro, os resíduos dessa perseguição não desapareceram. “Eles continuam presentes e não foram debelados porque não houve um esforço significativo para isso. O Disque 100, por exemplo: até hoje o termo ‘gênero’ não existe no manual para descrever motivação de violação de direitos humanos ou de violência. O termo usado é ‘sexo biológico’. Assim sendo, ‘identidade de gênero’ como motivação para violência e violações de direitos de pessoa trans continua abolida, da mesma forma que as categorias consagradas homofobia e transfobia. É o que se pode chamar de herança maldita.”
O relatório completo da pesquisa e outros estudos sobre sexualidade e política estão disponíveis no novo site da SPW .
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG