
É uma norma básica, nos manuais de marketing político, o convívio de versões distintas e conflitantes na mesma figura pública.
Ora o líder carismático é invencível (imbrochável?), guia de um povo eleito, e nada o detém.
Ora é “fraquinho”, perseguido e acuado por gente grande, poderosa e mais forte que ele.
Os figurinos se alternam a depender da freguesia.
Diante de Alexandre de Moraes, nesta terça-feira (10), Jair Bolsonaro (PL) optou pela versão humilde.
Ela pede licença, chama o magistrado de senhor, admite (e pede desculpa pelos) exageros, expõe limitações e, mais do que tudo, se vende como vítima de uma grande conspiração.
O ex-presidente e seus advogados sabem que ele entrou em campo com placar desfavorável após o testemunho avassalador do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que colocou o ex-chefe no centro da trama golpista.
Na véspera, o tenente-coronel confirmou que Bolsonaro não só viu como editou a minuta que previa até a prisão de ministros do STF para melar as eleições e permanecer no poder.
Estranhamente, ninguém tocou nem viu nem soube da existência da tal minuta entre os réus interrogados antes e depois do ex-presidente.
Mas a minuta existiu, e foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça que mal assumiu a Secretaria de Segurança do Distrito Federal e já saiu de férias enquanto a bomba golpista explodia em Brasília em 8 de janeiro de 2023. Tudo uma grande coincidência, segundo Anderson Torres, o quarto réu a ser ouvido.
Torres e Bolsonaro tinham as digitais do documento, e ambos sabiam que era difícil limpar a cena do crime diante do tribunal.
A estratégia, para Bolsonaro, era falar com o público externo de uma audiência transmitida ao vivo e gerar o maior número de cortes possível para convencer os fãs de que, na sua versão acuada, ele tentou fazer de tudo para salvar o Brasil dos poderosos – alguns diante dele na “inquisição” – e foi alvejado em pleno voo.
Por isso passou mais tempo descrevendo supostos feitos de sua administração, e forçando a comparação com o atual governo (só faltou mandar um “e o Lula?”) do que explicando decentemente por que passou os últimos dois meses como presidente trancafiado com os chefes militares.
A estratégia era essa, mas não há garantias de que funcionou.
Na ânsia de salvar a própria pele, Bolsonaro se desvencilhou dos manifestantes radicalizados (por ele, diga-se) que pediam intervenção militar nas ruas e em frente dos quarteis. Chamou-os de malucos. Alguns estão presos pela causa. Parece ingratidão – e é.
Bolsonaro também atirou contra o próprio pé ao trazer para o tribunal a versão tiozão da festa e convidar, na brincadeira, o algoz Alexandre de Moraes a compor sua chapa para as eleições de 2026.
A piada serviu para quebrar o gelo – e também para reforçar a fama de líder que grita, xinga e ameaça em cima do carro de som, mas flerta e afina para o inimigo quando entra em zona de conforto.
Bolsonaro negou (quase) tudo o que a Procuradoria Geral da República apontou contra ele na denúncia.
Menos que se reuniu com os oficiais das Forças Armadas após a derrota nas urnas que tanto atacou – por mais esforços para dizer que só queria aperfeiçoar o sistema eletrônico de votação, como outros já o fizeram.
Bolsonaro atribuiu a necessidade de companhia dos fardados ao vazio da solidão e da tristeza dos momentos pós-derrota.
É a versão fraquinha e vitimizada buscando compreensão – do público, não dos juízes.
Há muitos dispostos a acreditar nessa faceta. Moraes, que poderia estar morto se o plano vingasse, não parece ser um deles.
A encenação, ainda assim, tem seu efeito.
Para Bolsonaro, é importante manter mobilizada uma base popular capaz de eleger um aliado em 2026. Muitos estão na pista. E prometem premiá-lo com um indulto caso seja preso pela trama golpista.
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG