
“A vida é linda, mas se desgasta”.
Foi o que disse José Mujica ao anunciar, em 2024, que havia sido diagnosticado com um câncer de esfôfago em estágio avançado.
“A questão é recomeçar a cada vez que cair e, se houver raiva, transformá-la em esperança”, completou.
Ele começava ali a encarar a morte próxima, confirmada nesta terça-feira (13), com a mesma postura com que encarou a vida. Não era bem a assimilação da derrota. Mas a consciência de que dessa vida pouco se leva – a não ser o que realmente importa.
Ele tinha 89 anos.
Antes e após ser eleito presidente – e completar a jornada de heroi que já foi perseguido, alvejado a tiros e detido – ele manteve uma rotina sem luxos.
Parte do salário como chefe do Executivo uruguaio, por exemplo, foi doada a um plano de habitação social.
E, mesmo com todos os motoristas à disposição, ele seguiu circulando por aí com um velho Fusca azul que se tornou sua marca registrada. Para que mais que isso?, costumava dizer.
Não era um falso voto de pobreza. Era ele em estado bruto, como atestam todos os que o visitavam em sua residência em um sítio no bairro operário de Rincón del Cerro, em Montevidéu, e eram recebidos para um café – que ele mesmo passava. Mujica, durante os anos de presidente, entre 2010 e 2015, se recusou a morar no palácio oficial.
Não à toa Mujica era conhecido como o "presidente mais pobre do mundo”.
O despojamento era uma marca do ex-presidente tanto quanto a coerência. O que não o impediu de se tornar popular, e uma referência, entre os mais jovens e até opositores, a quem ele defendia o respeito. “É preciso aprender que o fundamento da democracia é o respeito aos que pensam diferente", costuma repetir.
Foi dessa maneira que ele aprovou avanços sobre o aborto, a regulamentar e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Nas redes sociais, o que não faltam são lições deixadas por ele em vida – em vídeos não sobre vencer na vida e nas eleições, mas como encarar as agruras inevitáveis de um mundo modulado para destroçar corpos transformados em força de trabalho.
A análise dele sobre as injustiças do mundo são tão claras (e simples) quanto precisas. E essa derrota ele não aceitou assimilar. Havia gente ainda passando fome em seu país.
Mujica passou a vida dizendo que a humanidade precisa trabalhar menos, ter mais tempo livre e ser mais pé no chão.
E morreu com noção rara da finitude humana --essa sim uma luta da qual ninguém vence.
A morte, dizia ele, “é uma senhora de quem não gostamos, e que não queremos, mas que inevitavelmente vai chegar em algum momento”.
Mujica ensinou que, nestas horas, é preciso nos resignar. “Todos os seres vivos são feitos para lutar pela vida: desde uma erva daninha, um sapo e até nós. Chega-se à conclusão de que isso serve para dar sabor à vida, pois, como dizia o velho Aristóteles: tudo o que a natureza faz é bem feito."
Fica como último ensinamento de quem ainda tem tanto a ensinar.