Entenda a lei sobre joias que levou Jair Bolsonaro à PF

Desde 2016, o TCU determina que bens recebidos pelo presidente em exercício pertencem à União; portaria de 2018, usada pela defesa, não teria validade legal

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil - 29.06.2023
Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) depõe hoje (31) à Polícia Federal

Nesta quinta-feira (31), Jair Bolsonaro (PL),  sua esposa, Michelle, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e mais cinco pessoas envolvidas no caso das joias  prestam depoimento simultaneamente à Polícia Federal (PF).

A defesa do ex-presidente, após analisar a lei que rege o recebimento de presente à União, indicou que pediria a devolução das joias, sob o entendimento de que, na verdade, não seriam do acervo público, mas sim do acervo pessoal de Bolsonaro.

"As joias foram entregues ao TCU há alguns meses, por iniciativa da defesa, para demonstrar que jamais houve a intenção de Bolsonaro de se apropriar que algo que não lhe pertencia", disse o advogado Paulo Cunha Bueno a Folha de S. Paulo.

Lei classifica "itens personalíssimos"

Desde 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) determina que bens recebidos pelo presidente em exercício de chefes de Estado pertencem à União. Por conta dessa decisão, Lula (PT)  e a ex-presidente Dilma Rousseff  tiveram que devolver 471 presentes, até então permitidos e incorporados aos seus respectivos acervos pessoais.

No entanto, a lei estipula duas exceções: o presidente em exercício pode reter os presentes quando são de "natureza personalíssima", ou quando são de "consumo imediato".

O TCU cita como itens personalíssimos medalhas personalizadas, e como itens de consumo bonés, camisas e camisetas, gravata, chinelos e perfumes. Joias não pertencem a terminologia dos itens "personalíssimos". 

Foto: Reprodução
Bolsonaro, Michelle e demais de sua comitiva visitam o caixão da Rainha


Cronologia da lei

1991: O presidente Fernando Collor de Mello sanciona a lei 8.394/1991, que trata da preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República. Essa lei não cita presentes, e só menciona o acervo documental do chefe do Executivo. 

2002: O então presidente Fernando Henrique Cardoso assina um decreto (4.344/2002) que regulamenta a lei de 1991. Nele, cita "presentes" pela primeira vez: são considerados da União "os documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo por ocasião das 'visitas oficiais' ou 'viagens de Estado' do presidente da República ao exterior ou de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil".

2016: O TCU determina a incorporação ao patrimônio da União de todos os documentos e presentes recebidos pelos presidentes a partir da publicação do decreto de 2002, excluindo apenas os itens de natureza personalíssima ou de consumo próprio. Até então, a interpretação vigente era a de que os bens recebidos fora da cerimônia de troca de presentes eram do acervo pessoal.

2018: Sob o governo de Michel Temer (MDB), o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Ronaldo Fonseca, assina uma portaria que classifica joias, semijoias e bijuterias como bens de natureza personalíssima. No entanto, devido a decisão anterior do TCU de 2016, a medida não teria validade legal.

É essa a portaria utilizada para defender o ex-presidente. Contudo, o próprio Fonseca alegou, em entrevista ao The Intercept Brasil em 24 de agosto de 2023, que as joias recebidas por Jair Bolsonaro "jamais" poderiam ser enquadradas nessa portaria.


"A portaria não diz isso. Quando a portaria diz joias, semijoias e bijuterias, é preciso olhar o contexto. Fala de roupa de cama, artigos de escritório... Eu acho que a interpretação deve ser dada pelo contexto", afirmou.

Portaria revogada no governo Bolsonaro

Em outubro de 2021, o governo Bolsonaro tentou trazer de maneira ilegal ao país um colar, relógio e um par de brincos de diamantes, avaliados em cerca de R$ 5 milhões.

Essas joias foram um presente saudita ao então presidente do Brasil e a respectiva primeira-dama, mas foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo. Outra caixa de joias, porém, passou pela alfândega sem declaração e foi entregue ao ex-presidente. 

Em novembro do mesmo ano, o então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, Mario Fernandes, publica uma portaria que revoga a de 2018. Dessa vez, menciona como presentes apenas bens museológicos recebidos em cerimônias protocolares.

Investigação atual

Sob esse contexto, Mauro Cid, em junho de 2022, viaja aos Estados Unidos para vender os relógios entregues de presente ao ex-presidente.

A PF alega que ele se deslocou até a sede da loja Precision Watches, na cidade de Willow Grove, na Pensilvânia, e concretizou a venda do Rolex e do Patek Philippe pelo valor de US$ 68 mil (cerca de R$ 332 mil).

Em março de 2023, o TCU abre investigação para apurar irregularidades no recebimento das joias e, em abril, Frederick Wassef,  advogado próximo a família Bolsonaro – notabilizado no caso das rachadinhas com  Fabrício Queiroz –, entrega o Rolex que havia sido vendido nos EUA, recomprado por ele após ordem de devolução do TCU.