Políticos acusam vereador do RS de xenofobia após fala sobre baianos

Eduardo Leite (PSDB) classificou a fala do político como "nojenta". Já o deputado Leonel Radde (PT) registrou um Boletim de Ocorrência contra o Sandro Fantinel

Foto: Reprodução - 01.03.2023
Vereador Sandro Fantinel

Diversos políticos repudiaram o comentário xenofóbico feito pelo vereador Sandro Fantinel (Patriota), de Caxias do Sul , ao usar a tribuna nesta terça-feira (28) para atacar baianos e criticar a operação da Polícia Federal que resgatou mais de  200 trabalhadores que estavam em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves (RS).

Nas redes, o governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), classificou a atitude do político como "nojenta" e disse que o ataque "não representa o povo do Rio Grande do Sul". Além disso, ele afirmou que irá procurar o estado do Bahia para alinhar ações conjuntas para banir o preconceito.



O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), também se manifestou sobre a fala do vereador: "Eu repudio veementemente a apologia à escravidão e não permitirei que tratem nenhum nordestino ou baiano com preconceito ou rancor".

"É desumano, vergonhoso e inadmissível ver que há brasileiros capazes de defender a crueldade humana. Determinei, portanto, a adoção de medidas cabíveis para que o vereador seja responsabilizado pela sua fala", afirmou o governador



Já o deputado estadual Leonel Radde (PT) afirmou em uma rede social que registrou um Boletim de Ocorrência contra o vereador.

"Acabamos de registrar um novo Boletim de Ocorrência contra a fala racista do vereador de Caxias do Sul/RS, Sandro Fantinel, que declarou que 'baianos são sujos e sabem apenas tocar tambor e dançar'", disse.

As declarações feitas pelo vereador  também foram repudiadas pelos colegas da Câmara em Caxias do Sul. Lucas Caregnato (PT) disse que as palavras usadas foram de "cunho xenofóbico, preconceituoso e discriminatório". Já Rafael Bueno (PDT) pediu que a Câmara emita uma nota "pedindo desculpas, porque a gente não comunga com qualquer prática de intolerância, seja com imigrantes ou trabalhadores que procuram nossa região para sobreviver".

José Pascual Dambrós (PSB), presidente da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, afirmou que Fantinel "tem responsabilidade de responder por sua fala" , que, segundo ele, não reflete o pensamento da cidade ou da Câmara. No entanto, afirmou que não vai se comprometer com uma ação contra o colega. De acordo com José, uma medida contra o vereador só deve ser tomada caso haja representação no Conselho de Ética da Casa.

"A fala de um vereador não representa a cidade. O que representa a cidade é a hospitalidade e a harmonia com que recebemos gente de fora do país e do estado. Mais da metade dos vereadores veio de fora da cidade, precisamos respeitar todo o povo, inclusive temos muita gente de outros municípios, de outras regiões e até de outros países trabalhando na cidade", avalia.

Fala xonofóbica

Na terça (27), o vereador Sandro Fantinel (Patriota) usou a tribuna da Câmara Municipal para atacar os baianos e criticar a operação da PF que resgatou 207 trabalhadores que estavam sendo explorados em Bento Gonçalves (RS).

Durante seu discurso, o parlamentar aconselhou os produtores da região a contratar mão de obra de argentinos ao invés de contratar trabalhadores da Bahia. Segundo ele, as pessoas do país vizinho “são limpos” , enquanto os baianos só sabem “viver na praia tocando tambor” .

Nos últimos dias, trabalhadores que estavam em situação análoga a escravidão foram resgatados uma operação da Polícia Rodoviária Federal em conjunto com o MTE e a Polícia Federal na cidade de Bento Gonçalves. Os profissionais – explorados em grandes vinícolas da região – eram ameaçados e até agredidos com choques e spray de pimenta pelos patrões. Segundo a polícia, dos 207 homens resgatados, 198 eram baianos com idades entre 18 e 57 anos.

Apesar das provas, o vereador acusou a mídia dar uma “exagerada” na denúncia e que a exposição do caso tem “motivos políticos” para prejudicar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no qual Fantinel é apoiador. “Como é de costume, o empresário é tratado como vilão”, lamentou.

“Agora o patrão vai ter que pagar empregada para fazer limpeza todos os dias para os bonitos? Temos que botar em hotel 5 estrelas para não ter problema com o Ministério do Trabalho?”, indagou ele.

“Agricultores, produtores vou dar um conselho para vocês: não contratem mais aquela gente lá de cima”, acrescentou, referindo-se aos baianos, que eram maioria no alojamento. O vereador ainda prometeu criar “uma linha” para contratar argentinos para o trabalho de colheita de uvas.

“Todos os empresários que têm argentinos trabalhando hoje só batem palmas. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantém a casa limpa e no dia de ir embora ainda agradecem o patrão. Agora com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que fosse ter esse tipo de problema”, falou Sandro em tom preconceituoso.

“Deixem de lado. Que isso sirva de lição, deixem de lado aquele povo, que é acostumado com carnaval e festa, para vocês não se incomodarem novamente”, concluiu.

Veja o vídeo da fala do político:




Relembre o caso

O caso veio à tona na quarta-feira (22), após três trabalhadores procurarem a PRF em Caxias do Sul afirmando que haviam fugido de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. Já no local, após a denúncia, os trabalhadores foram encontrados em uma "situação degradante" , afirmaram os agentes. 

Os trabalhadores foram contratados pela Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, que oferecia a mão de obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi, Salton e produtores rurais da região. Segundo os tabalhadores, eles eram extorquidos, ameaçados, agredidos e torturados com choques elétricos e spray de pimenta.

Pedro Augusto de Oliveira Santana, de 45 anos, responsável pela empresa, chegou a ser preso durante a ação policial, mas irá responder pelo crime em liberdade. Ele pagou uma fiança de R$ 40 mil.

Na noite de sexta (24), os trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão começaram a voltar para casa. A maioria chegou à Bahia nesta segunda-feira (27). Os demais optaram por permanecer no RS. Quase todos já receberam as verbas rescisórias a que tinham direito, em um valor que, somado, ultrapassou R$ 1 milhão.

Já nesta terça-feira (28), a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) suspendeu a participação das vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton de suas atividades. A ApexBrasil é um serviço social autônomo vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que promove os produtos brasileiros no exterior.

O que dizem as vinícolas e o empresário que contratou os trabalhadores

Aurora

"Em respeito aos seus associados, colaboradores, clientes, imprensa e parceiros, a Vinícola Aurora vem à público para reforçar que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão e se solidariza com os trabalhadores contratados pela terceirizada Oliveira & Santana.

As vítimas são funcionários da Oliveira & Santana, empresa que prestava serviços às vinícolas, produtores rurais e frigoríficos da região.

A Aurora já se colocou à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos e está prestando apoio às vítimas. A companhia também está trabalhando em conjunto com o Ministério Público Federal e com o Ministério do Trabalho para equalizar a situação em busca de reparo aos trabalhadores da Oliveira & Santana.

A vinícola também oferecia condições dignas de trabalho no horário de expediente e os gestores responsáveis desconheciam a moradia desumana em que os safristas eram acomodados pela Oliveira & Santana após o período de trabalho.

Por fim, ratificando seu compromisso social, a Aurora se compromete em reforçar sua política de contratações e revisar os procedimentos quanto à terceiros para que casos isolados como este nunca mais voltem a acontecer."

Salton

"A Família Salton repudia veementemente e não compactua com nenhum tipo de trabalho sob condições precárias, análogas à escravidão. A empresa e todos os seus representantes estão solidários a todos os trabalhadores e suas famílias, que foram tratados de forma desumana e cruel por um prestador de serviço contratado.

Reforçamos que todas as informações foram verificadas antes da contratação do fornecedor. Entretanto, trata-se de incidente isolado e a Família Salton já está tomando medidas cabíveis frente ao tema, além de ser colocar à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo.

A empresa salienta que já está trabalhando para intensificar os controles de contratação, prevendo medidas mais austeras em todo e qualquer contrato de serviços terceirizados. Prevê ainda a associação e parcerias com órgãos e entidades do setor para melhorar a fiscalização de práticas trabalhistas.

Com um legado de 112 anos, a Família Salton é referência em sustentabilidade e signatária do Pacto Global da ONU e realiza projetos que refletem diretamente a responsabilidade social da empresa e seu compromisso como empresa cidadã."

Garibaldi

"Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada. Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.

Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.

A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.

Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.

Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos."

Nota do empresário

"Diante dos fatos noticiados em relação a operação de combate ao trabalho análogo à escravidão ocorrida na última quinta-feira, em Bento Gonçalves, a empregadora Fênix Serviços de Apoio Administrativo e seus administradores esclarecem que os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial.

Cabe mencionar que o empresário envolvido nas acusações é um empreendedor de atuação reconhecida e respeitada, não compactuando com qualquer desrespeito aos colaboradores e aos direitos a eles inerentes.

Além disso, é importante ressaltar que qualquer conclusão neste momento é meramente especulativa e temerária, uma vez que os fatos e as responsabilidades devem ser esclarecidas em juízo.

Manifestamos total respeito às instituições e nos colocamos à disposição da justiça para todos os esclarecimentos necessários, colaborando no que for necessário para o restabelecimento da verdade e principalmente do bem estar de todos os envolvidos.

Por fim, informamos que os trabalhadores estão recebendo todo o auxílio necessário para que esta situação não traga maiores prejuízos aos mesmos."

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