Diante de um cenário polarizado na eleição presidencial, a maioria dos partidos que vão às urnas em outubro reservou mais verbas de campanha para eleger deputados do que outros cargos. Das 31 legendas que receberão recursos do fundo eleitoral, ao menos 16 já aprovaram ou devem aprovar resoluções em que estabelecem as candidaturas proporcionais como prioridade. Em alguns casos, como no Republicanos, até 95% do dinheiro será destinado para as disputas no Legislativo.
Apenas o PT, de Luiz Inácio Lula da Silva, e o PDT, de Ciro Gomes, instituíram a corrida pelo Palácio do Planalto e por governos locais como foco principal dos investimentos. O PL, do presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, não estabelece critério objetivos de divisão de recursos, deixando a decisão de quais candidatos devem ou não receber ao comanda da sigla, que tem Valdemar Costa Neto à frente.
Segundo dirigentes partidários ouvidos pelo GLOBO, a estratégia tem objetivos distintos. Nas siglas maiores, eleger uma bancada numerosa é considerado fundamental para que possam continuar a dar as cartas no Congresso, independentemente de quem ocupar o Palácio do Planalto a partir de 2023. Nas siglas do Centrão, por exemplo, apenas o PL não deixa claro que a eleição de parlamentares é sua prioridade.
Outro fator considerado pelas cúpulas das legendas é que, pela lei, o desempenho na disputa pela Câmara também define quanto cada sigla receberá de recursos públicos nos próximos quatro anos. Ou seja, quanto mais deputado eleger, mais rico o partido vai ficar.
Enquanto isso, nas legendas menores, investir na eleição para o Congresso é questão de sobrevivência. Alguns partidos, em vez de definir uma porcentagem específica, incluíram nos documentos enviados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que a distribuição de recursos internamente terá como objetivo superar a cláusula de barreira, regra que limita a atividade de legendas e a deixam sem acesso a recursos públicos caso não atinjam um patamar mínimo de votos para a Câmara. Na prática, prevê prioridade em eleger deputados federais.
Até mesmo o Avante, que lançou André Janones na corrida pelo Palácio do Planalto, abre a possibilidade de deixar seu candidato a presidente de bolso vazio para poder investir nas campanhas de deputados. Segundo resolução aprovada pela sigla no dia 11 deste mês, os recursos do fundo eleitorais "serão utilizados, prioritariamente, nas candidaturas ao cargo de deputado federal" para cumprir a cláusula de barreira. Para isso, "poderá ser utilizado até 100% dos recursos".
Punição a infiéis
Presidente do PP, Cláudio Cajado (PP-BA) diz que, apesar de ser um dos principais aliados no projeto de reeleição de Bolsonaro, a prioridade da legenda é o Congresso. Na resolução em que aprovou a divisão interna, no último dia 22, a sigla não prevê repassar nem um real para a campanha presidencial. Ainda definiu que seus parlamentares que forem tentar a reeleição terão de R$ 2,5 milhões a R$ 3,5 milhões para financiar suas campanhas e, caso não entrem na disputa, podem indicar outro candidato para receber sua cota — o partido hoje tem a segunda maior bancada na Câmara, com 57 deputados, e a terceira do Senado, com 8. Com isso, mais de 40% dos R$ 344,8 milhões que o partido receberá já está reservado, sem contar o que será enviado a candidatos sem mandato.
O PP ainda incluiu na resolução uma espécie de "cláusula de fidelidade", que prevê desconto no valor repassado a deputados que votaram contra o aumento do fundo eleitoral, em dezembro do ano passado. Na lista de candidatos, apenas Afonso Hamm (RS) será punido e receberá menos que os colegas: R$ 1 milhão.
"Nós da Executiva achamos que, se votou contra, não tem direito a tudo. Temos o caso do Afonso. Ele argumentou que não votou contra o fundo, mas contra o aumento do fundo. Então, ficará com 40% do disponível", diz Cajado.
O Podemos também prevê punir infiéis, garantindo um repasse mínimo de R$ 300 mil apenas a deputados que seguiram totalmente as orientações de votos do partido no Congresso.
Pelas regras do TSE, os partidos precisam destinar 30% do seu fundo eleitoral para candidaturas de mulheres. No Solidariedade, o presidente da legenda, Paulinho da Força, afirma que parte dessa cota deve ficar com Marília Arraes, que disputa o governo de Pernambuco. Em contrapartida, a resolução aprovada pelo partido aponta que até 80% dos recursos podem ser alocados nas campanhas de deputados e deptuadas da sigla.
"Vamos privilegiar, claro, a Marília, em Pernambuco, que é importante e também é a candidatura de uma mulher, além de Amapá e Rio Grande do Norte, onde também temos boas chances. Não temos nenhum candidato ao Senado. Então, temos essa margem para deputados federais e estaduais", afirma Paulinho.
A estratégia será a mesma usada pelo MDB, que nesta semana confirmou a senadora Simone Tebet (MS) como candidata a presidente. A sigla não estabeleceu quanto repassará a ela, que deverá receber parte da cota feminina, mas definiu que cada deputado e senador da sigla que entrarem na disputa terão de R$ 2,5 milhões a R$ 3 milhões para fazer campanha.
"As candidaturas para deputado federal acabam valendo mais, porque é o que define os valores do fundo (eleitoral)", diz o senador Marcelo Castro (MDB-PI), tesoureiro do partido. "No nosso caso, a gente também acaba sendo beneficiado por termos uma candidata à Presidência mulher, já que podemos usar parte dos 30% destinados a candidaturas femininas para ela."
Cúpula manda
Pela primeira vez sem um candidato presidencial em mais de 20 anos de história, o PSDB mudou seu foco de investimentos para as disputas legislativas. O partido separou um mínimo de 57,5% do fundo eleitoral para as candidaturas à Câmara e assembleias, percentual bem acima dos 23,33% que havia reservado em 2018.
Tucanos ouvidos reservadamente pelo GLOBO, porém, criticaram a falta de critérios claros para a distribuição do fundo entre os candidatos. A resolução do PSDB não informa, por exemplo, se candidatos que possuem cargos serão beneficiados com repasses maiores. Sem uma regra, caberá à cúpula da legenda, comandada por Bruno Araújo, definir quanto cada um deve receber.
"É uma questão de viabilidade política, não é uma regra aritmética. Você tem candidatos com mais condições de se eleger, enquanto há outros com menos. É natural", diz o tesoureiro do PSDB, Cesar Gontijo.
Outros partidos, como o próprio PL, o Podemos e o nanico PMN evitaram fixar regras de repasses a candidatos, entregando a chave do cofre a seus dirigentes. No caso do partido de Bolsonaro, a legenda prevê repassar 70% dos R$ 288,5 milhões a que tem direito aos diretórios estaduais, a quem caberá decidir em quais candidaturas apostará. O restante, equivalente a R$ 86,5 milhões, ficará com a direção nacional. O valor é menor que as despesas previstas pela campanha presidencial, de R$ 132 milhões — teto de gastos estabelecido pelo TSE —, que dependerá de doações para chegar na quantia.
No caso do PMN, a resolução do partido dá poderes totais ao presidente nacional, Antonio Massarolo. O documento diz que caberá a ele decidir "monocraticamente" quem deve ou não receber recursos do fundo.
Foco no Planalto
Na contramão da maioria dos partidos, PT e PDT foram os únicos a reservarem fatias maiores dos recursos para disputas no Executivo. A aposta, segundo o presidente pedetista, é que a candidatura presidencial de Ciro ajude a aumentar o chamado voto em legenda, quando em vez de escolher um candidato a deputado, o eleitor vota apenas no número da sigla.
"Quando você tem candidato a presidente, você fortalece muito o número do partido e a possibilidade de eleger deputados", afirma Lupi.
Já no PT, dono do segundo maior orçamento dessas eleições, dos R$ 503 milhões que os petistas receberão de fundo eleitoral, R$ 130,9 milhões foram separados para a campanha de Lula e cerca de R$ 42 milhões para candidatos ao governo. A sigla reservou fatia semelhante — R$ 160 milhões — para eleger deputados.
Polarização
Para o advogado especialista em direito eleitoral Luiz Eduardo Peccinin, com a polarização das eleições presidenciais, é natural que a maioria dos partidos sem candidato próprio ao Planalto ou aos governos estaduais prefira priorizar a formação de bancadas parlamentares consistentes para a próxima legislatura e reforçar os palanques estatuais.
"O fundo eleitoral faz parte da estratégia política e de poder dos partidos. Isso também pode ser explicado pelas recentes mudanças nas regras referentes à cláusula de barreira, que afeta a própria sobrevivência das agremiações, acesso ao fundo partidário e a tempo de propaganda, calculados diretamente sobre a representação dos partidos no Legislativo", afirma.
O jurista explica que essa é uma tendência inaugurada desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, até o cenário atual de controle do orçamento pelas bancadas no governo Bolsonaro.
"O Legislativo aumentou significativamente seu protagonismo e até poder de controle sobre a agenda do Executivo, que tem mostrado que uma bancada sólida no Congresso pode trazer mais dividendos às agremiações do que apenas compor o governo em si", aponta Peccinin.
Para Guilherme Sturm, especialista em prestação de contas de campanhas, quando houve a mudança da base de financiamento das campanhas do privado para o público, o tamanho das bancadas passou a ser determinante. Por isso, os partidos que têm uma participação maior no "bolo", uma fatia maior, largam na frente.
"Os deputados que estão em mandato e vão disputar a reeleição alegam que a maior parte do fundo eleitoral se deu em função de suas votações na eleição de 2018, e de fato eles não estão equivocados."
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