Instado a atuar após novos ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atendeu a apenas 4 dos 40 pedidos contra pré-candidatos à Presidência por propaganda eleitoral antecipada apresentados de janeiro até o dia 15 deste mês. Levantamento feito pela própria Corte mostra que outras 17 representações foram negadas (42,5%) e 19 (47,5%) ainda aguardam decisão por parte dos ministros.
Entre os processos que chegaram ao tribunal, a maioria diz respeito a pedidos para suspender a realização de eventos que favoreceriam candidatos ou remover conteúdos relacionados a uma ou outra candidatura. Na lista está a ação apresentada pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, para proibir manifestações políticas no festival de música Lollapalooza, em março, após a cantora Pabllo Vittar exibir uma toalha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no palco. Na ocasião, o ministro Raul Araújo atendeu ao pedido da legenda em caráter liminar (provisório). Logo depois, diante da repercussão negativa de que a medida representaria censura prévia, o próprio partido desistiu do pedido, e o ministro arquivou a ação.
Pelo regimento interno do TSE, as ações envolvendo propaganda eleitoral são analisadas pelos ministros substitutos da Corte. Hoje, além de Raul Araújo, representante do Superior Tribunal de Justiça (STJ), essa função é exercida também pelas ministras Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), e Maria Cláudia Bucchianeri, da classe dos advogados.
Além do caso envolvendo o Lollapalooza, está no reduzido rol de decisões favoráveis aos pedidos sobre propaganda antecipada as recentes decisões liminares dadas pelo ministro Alexandre de Moraes durante o plantão na presidência do TSE. No domingo, o ministro, que é vice-presidente da Corte, atendeu a um pedido feito pelo PT e determinou a remoção de notícias falsas que relacionam a facção criminosa PCC ao PT e ao assassinato de Celso Daniel em 2002.
Antes disso, no último dia 14, Moraes determinou a exclusão de um vídeo com conteúdo falso publicado em um canal bolsonarista do Telegram a respeito do pré-candidato às eleições Ciro Gomes (PDT).
Na decisão, o ministro determina que o dono do canal "proceda à imediata remoção do vídeo publicado no grupo", sob pena de multa diária de R$ 10 mil. E que Barreto, na condição coordenador do grupo “Super Grupo B-38 Oficial”, exerça o controle sobre o conteúdo veiculado, de modo a evitar a realização de novas postagens do vídeo, também sob pena de multa de R$ 15 mil.
Segundo o ministro, o vídeo já teve sua veracidade desmentida em diversos meios de comunicação, "restando assentado tratar-se de montagem que alterna trechos de conversas de integrantes de organização criminosa, obtidas pela Polícia Federal em 2019, com fragmentos de entrevista concedida pelo pré-candidato em setembro de 2019".
No dia 13, o ministro já havia determinado a remoção do mesmo vídeo envolvendo Ciro Gomes, publicado em outra plataforma, o Kwai. Na decisão, Moraes mandou que a plataforma retirasse a postagem e determinou que o usuário abstenha de realizar nova postagem com o mesmo teor, também sob pena de multa.
Pedidos negados
Entre os pedidos que foram negados pelo TSE está, por exemplo, uma ação do PT contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e um vereador bolsonarista que, em suas redes sociais, publicaram vídeo editado em que Lula parece afirmar ter uma "relação com o demônio". A gravação da íntegra da fala mostra que o petista, na verdade, dizia que "redes sociais do bolsonarismo" estavam o acusando de ter "relação com o demônio" após ele receber de presente uma imagem de Xangô, divindade de religiões de matriz africana.
A declaração foi gravada em agosto de 2021, durante um evento com pessoas de religiões afro. Para o partido, o compartilhamento do conteúdo configuraria propaganda eleitoral antecipada negativa. Na decisão dada no dia 31 de maio, porém, a ministra Maria Cláudia Bucchianeri, porém, considerou que o vídeo não teria a possibilidade de influenciar na disputa eleitoral.
"No caso concreto, é forçoso reconhecer que o conteúdo do vídeo publicado pelo primeiro representado, a despeito da edição acima mencionada, também não possui pertinência à temática eleitoral, porquanto ausente qualquer tipo de pedido explícito de não voto, qualquer referência explícita a cargos em disputa ou qualquer apelo explícito atinente ao pleito eleitoral que se avizinha, pressupostos indispensáveis à configuração de propaganda antecipada negativa pelas mídias sociais", disse.
Outro caso que não avançou no TSE foi o pedido do deputado estadual Alexandre Freitas (Podemos) contra a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e o reitor da instituição, Ricardo Lodi Ribeiro, em razão de um evento nas dependências da unidade de ensino envolvendo Lula. O parlamentar argumentava que seriam praticados atos de propaganda eleitoral antecipada dentro da universidade pública. O pleito, no entanto, foi indeferido e arquivado.
Na lista dos pedidos que ainda estão sem um desfecho, a maior parte está nas mãos da ministra Cármen Lúcia. Um deles envolve a instalação de outdoors em Água Boa, em Mato Grosso, com mensagens contra o ex-presidente Lula, chamando o petista de bandido. Na representação, o Diretório do PT em Mato Grosso afirma que a propaganda tem “o evidente propósito de desincentivar os cidadãos de Sinop a votar no ex-presidente Lula numa possível candidatura, o que fere gravemente o equilíbrio da campanha eleitoral, ainda mais levando-se em consideração que é feita por meio de outdoor”.
Outro caso que aguarda decisão diz respeito a um pedido de propaganda antecipada do PT contra o ex-procurador Deltan Dallagnol em razão de um vídeo que teria alterado o clipe de regravação do jingle “Lula lá”, colando trechos de depoimentos de testemunhas em audiência da Lava Jato. Segundo o partido, a peça divulgada pelo ex-chefe da Lava Jato “induz o eleitor em erro, fazendo-o crer que os trechos destacados em vídeo tratam de processos judiciais nos quais houve condenações”. O caso está com o ministro Raul Araújo.
Para o advogado especialista em direito eleitoral João Lopes Junior, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e coordenador de campanhas na Bahia, Maranhão e Sergipe, a jurisprudência do TSE tende a ser bastante rigorosa com relação aos pedidos de propaganda antecipada e, por isso, os dados refletem a realidade também para anos anteriores. Ele aponta, contudo, que a tendência é que com a proximidade do pleito, a quantidade de ações e de decisões favoráveis também aumente.
Na terça-feira, partidos de oposição entraram no TSE contra Bolsonaro após ataques feitos pelo presidente às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral durante reunião com embaixadores na segunda-feira. Eles argumentam que houve propaganda antecipada por parte do pré-candidato à reeleição, uma vez que houve uso de veículos oficiais de comunicação para divulgar as declarações.
Procurado, o TSE não se manifestou.
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