O discurso do presidente Jair Bolsonaro sobre as brechas que existem no sistema eleitoral brasileiro não convenceu boa parte dos embaixadores que participaram da reunião de ontem no Palácio da Alvorada.
Segundo diplomatas estrangeiros ouvidos pelo GLOBO, os relatos a serem encaminhados a seus respectivos países é que Bolsonaro não apresentou qualquer prova que justificasse esse posicionamento contrário às urnas eletrônicas.
Alguns disseram estar preocupados com a democracia no Brasil, “uma das maiores do mundo”. Um embaixador comentou que, diante da falta de algo mais concreto, a saída é torcer para que as instituições brasileiras funcionem e um entendimento entre Bolsonaro e o Poder Judiciário permita que as eleições transcorram sem problemas, para que o resultado final não seja questionado.
De acordo com um diplomata estrangeiro, além de não haver nada além do que já foi propagado por Bolsonaro, como um suposto ataque hacker às urnas, o presidente brasileiro demonstrou, ao atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que essa briga tem um forte componente político.
Causou constrangimento ataques nominais e diretos contra os ministros Luís Roberto Barroso (ex-presidente do TSE), Edson Fachin (atual presidente do TSE) e Alexandre Moraes (ministro do STF).
Outro chefe de representação diplomática disse ao GLOBO que a base de seu relato será que Bolsonaro tentou desacreditar, mais uma vez, o sistema eleitoral brasileiro e voltou a ameaçar a democracia, ao atacar ministros dos tribunais. Segundo esse embaixador, o presidente brasileiro insistem em repetir teorias da conspiração.
Houve, ainda, quem dissesse que o que mais chamou a atenção foram os ataques de Bolsonaro a seu principal adversário na eleição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Antes das pesquisas confirmarem o favoritismo de Lula, o presidente brasileiro não questionava o sistema eleitoral como atualmente.
Uma declaração que considerada um desestímulo foi quando Bolsonaro criticou aqueles que defendem o imediato reconhecimento do resultado da eleição no Brasil. Nas últimas semanas, alguns embaixadores defendiam essa estratégia, mas o presidente deixou claro que não concorda com esse caminho.
De forma geral, os diplomatas comentaram o encontro sem de identificar. O embaixador da Suíça, Pierre Lazzeri, foi uma exceção. Após o encontro, em uma rede social, ele afirmou esperar que as próximas eleições sejam uma “celebração da democracia”.
“Participei hoje no Palácio da Alvorada do encontro do presidente da República com Chefes de Missão Diplomática. No ano do Bicentenário do Brasil, desejamos ao povo brasileiro que as próximas eleições sejam mais uma celebração da democracia e das instituições”, escreveu Lazzari.
O interesse pelo que Bolsonaro iria dizer sobre as eleições foi refletido pelo grande número de participantes. Interlocutores envolvidos com o evento esperavam algo em torno de 30 a 40 embaixadores, mas cálculos feitos por alguns convidados estavam na reunião mostram que havia entre 65 e 80 pessoas do corpo diplomático. O Palácio do Planalto não divulgou a lista de embaixadores presentes.
Apesar da ampla participação, países importantes para a política externa brasileira, como Argentina, China e Reino Unido, ficaram de fora da apresentação. Essas embaixadas não foram convidadas e a justificativa dada por integrantes do governo brasileiro é que esses postos estão sem titulares.
Esse argumento, contudo, não se aplicou aos Estados Unidos, que também está sem embaixador. O chefe do posto em Brasília, Douglas Koneff, encarregado de negócios da embaixada, participou como convidado da reunião.
Casa Branca tem especial preocupação com o comportamento de Bolsonaro, que chegou a lançar dúvidas sobre o resultado das eleições americanas, quando o democrata Joe Biden venceu o republicano Donald Trump — ídolo do presidente brasilero e os chamados ideólogos de direita do governo brasileiro.
Segundo uma fonte do governo ligada à área internacional, o critério para o envio de convites foi o “bom senso”. Também foram citados dois outros fatores: além da falta de embaixadores fixos nos postos, pesou na elaboração da lista de convidados o nível de interesse do país sobre a eleição no Brasil.
Alguns embaixadores foram convidados, mas não compareceram. São exemplos os do Japão, Teiji Hayashi, que alegou compromissos em São Paulo, e o da Coreia do Sul, Lim Ki-mo, que está em Seul.
Entre os embaixadores convidados que compareceram, estavam os de Portugal (Luís Faro Ramos), da Rússia (Alexey Labetskiy), da França (Brigitte Collet), da Espanha (Fernando García Casas), do Uruguai (Guillermo Valles Galmés), da Itália (Francesco Azzarello), do Marrocos (Mohamed Louafa) , da Palestina ( Ibrahim Alzeben) e da Colômbia (Dario Montoya).
Indicada por Juan Guaidó — presidente interino da Venezuela, reconhecido pelo Brasil e outros países — Maria Teresa Belandria também participou. Para o governo Bolsonaro, o mandato do venezuelano Nicolás Maduro é ilegítimo.
O Itamaraty teve pouca participação nos preparativos da reunião. A agenda ficou por conta do Palácio do Planalto, inclusive o envio de convites. O evento não estava previsto no site do Ministério das Relações Exteriores, mas o chanceler Carlos França participou do encontro, junto com outras autoridades.
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