Dos quatro principais pré-candidatos à Presidência, apenas Simone Tebet (MDB) se comprometeu até o momento a seguir a lista tríplice para indicação do procurador-geral da República. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não assumiu uma posição sobre o tema, mas analisa críticas ao mecanismo dentro de seu partido. O presidente Jair Bolsonaro (PL) ignorou a indicação da categoria duas vezes durante o seu mandato. Já Ciro Gomes (PDT) evitou se comprometer a nomear integrantes da lista, criada em 2001.
Elaborada a partir de votação entre procuradores da República, a lista com os três que receberam mais votos da categoria é enviada ao presidente, que não tem, porém, obrigação legal de nomear para chefia do Ministério Público Federal um deles. O indicado pelo presidente ainda precisa ser aprovado pelo Senado, depois de uma sabatina. Os mandatos do procurador-geral da República são de dois anos. Entre outras funções, o PGR é o responsável por apresentar denúncias criminais contra autoridades com foro privilegiado.
Quando esse sistema foi criado, há 21 anos, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ignorou as escolhas da corporação e indicou Geraldo Brindeiro, que não estava entre os três mais votados. Com Lula e com Dilma Rousseff, foram nomeados sempre os primeiros colocados.
Porém, após o mensalão e a Lava-Jato, o PT consolidou uma posição crítica à atuação do MPF. Petistas passaram a defender que a lista tríplice não deve ser necessariamente seguida se Lula voltar ao poder.
Na última quarta-feira, o ex-ministro José Dirceu defendeu a possibilidade de escolha de um nome fora da relação de indicados pelos procuradores: “A Constituição diz claramente que pode escolher fora da lista, sim”, afirmou, em entrevista ao site Opera Mundi.
A pré-campanha de Lula não quer colocar o tema em debate no momento. O argumento é que assuntos sobre nomeações feitas pelo presidente devem ser tratados após a eleição. Nas discussões internas, o ex-presidente, segundo relatos, concorda com as críticas à lista tríplice, mas evita assumir a posição de ignorar a relação feita pelos procuradores se for eleito novamente. As diretrizes para a elaboração do programa de governo da pré-candidatura do petista, lançada na semana passada, não abordam a nomeação do procurador-geral.
Não mais o primeiro
A tradição instituída por Lula e Dilma de indicar o primeiro colocado foi quebrada, em 2017, por Michel Temer (MDB), um dos padrinhos da candidatura de Tebet, ao não nomear Nicolao Dino, o mais votado pelo categoria. Mas o então presidente manteve o respeito à lista ao escolher Raquel Dodge, a segunda colocada.
Tebet afirmou que também escolherá um dos nomes indicados na votação da Associação Nacional dos Procuradores (ANPR). Em sabatina do G1 conduzida pela jornalista Renata Lo Prete na semana passada, a pré-candidata do MDB à Presidência disse:
"Uma das razões por que acho que a escolha do procurador-geral tem que estar na lista (tríplice), e o presidente da República tem tantos poderes, (é que) ele não precisa tirar alguém da cartola que não esteja na lista."
Depois de Temer, Jair Bolsonaro ignorou completamente a lista tríplice ao nomear Augusto Aras para a comandar a PGR em 2019 e reconduzi-lo em 2021. Nas duas vezes, Aras não estava entre os três indicados pelo procuradores (leia abaixo).
Crítico da atuação do Ministério Público nos últimos anos, Ciro Gomes não se compromete a escolher um nome da lista feita pelos procuradores caso seja eleito. Também em sabatina do G1, o pré-candidato do PDT afirmou que seguirá a Constituição.
"Eu vou buscar aquele que entre os titulados formalmente tenha aquilo que a Constituição pede: notório saber jurídico, reputação ilibada e capacidade de representar um Ministério Público que eu sonhei e ajudei a construir e que está sendo desmoralizado pelos abusos, de omissão, como no caso do Aras, ou, porque embaixo, você não tem ideia do Brasil profundo que eu conheço."
Apoio político
Augusto Aras foi o primeiro procurador-geral da República escolhido por fora da lista tríplice desde 2003. Para se cacifar ao comando do Ministério Público Federal, trocou o convencimento dos pares pela movimentação para angariar a simpatia do presidente Jair Bolsonaro.
Seu périplo para conquistar a indicação incluiu a aproximação com integrantes do Palácio do Planalto, reuniões com os filhos do presidente e busca de apoio dos ministros do governo.
Nessa nova “sistemática”, o ocupante da Procuradoria-Geral da República (PGR) contratou uma dívida de gratidão. O que acabou por afetar uma das principais funções do procurador-geral: investigar e processar o presidente da República.
O resultado desse processo fica claro durante a gestão de Aras. Sua atuação é marcada por arquivamentos e blindagem a Jair Bolsonaro e aliados do governo nas principais investigações que os atingem. A gestão acumula arquivamentos de investigações contra esses políticos.
No caso de Jair Bolsonaro, Aras contrariou até mesmo um relatório da Polícia Federal que apontou a prática de crime pelo presidente no vazamento de informações de um inquérito sigiloso. A PGR apresentou uma manifestação pedindo o arquivamento do processo.
Os ocupantes anteriores do comando da PGR tomaram a ação mais drástica para essa cadeira: denunciar o presidente da República ao Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes cometidos durante o mandato. O cumprimento desse dever é atribuído internamente à independência conferida pela escolha dentro da lista tríplice.
A antecessora de Aras, Raquel Dodge, denunciou Michel Temer sob acusação de corrupção envolvendo o setor de portos. Antes dela, Rodrigo Janot apresentou denúncia contra a então presidente Dilma Rousseff por organização criminosa. Esses dois ex-presidentes haviam sido os responsáveis pela nomeações dos procuradores-gerais que os denunciaram, mas seus nomes haviam sido escolhidos dentro da lista tríplice.
No caso de Aras, não há nenhuma sinalização de que ele pretenda apresentar alguma acusação formal contra Bolsonaro, apesar dos diversos inquéritos envolvendo o presidente.
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