Após desfile, militares falam em constrangimento e "espetáculo" de Bolsonaro

General Santos Cruz diz que exibição de tanques na Praça dos Três Poderes é 'vergonha internacional'

Foto: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Desfile militar de blindados das Forças Armadas com Bolsonaro ocorreu na última terça-feira, 10

desfile de veículos militares diante da Praça dos Três Poderes no dia em que a Câmara aprecia a proposta do voto impresso para as eleições de 2022 causou constrangimento na cúpula do Exército. A passagem dos blindados foi avaliada por parte dos oficiais da ativa como um espetáculo para que o presidente Jair Bolsonaro demonstrasse poder de controle das tropas, em frente ao Congresso Nacional. A opinião também é compartilhada por generais da reserva que veem com preocupação o uso político das Forças Armadas. No fim da tarde, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) minimizou o ato e disse que não caracterizava ameaça.

Ministro da Secretaria de Governo nos seis primeiros meses da gestão Bolsonaro, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz classificou o desfile dos blindados para levar um convite ao presidente como uma “infantilidade” e defendeu que a Praça dos Três Poderes é um ambiente que deve ser respeitado. O militar considerou ainda um despropósito o evento ocorrer principalmente em um momento de discussão envolvendo o voto impresso na Câmara do Deputados — parlamentares relataram que receberam ameaças.

"Dizer que foi levar um convite é até uma infantilidade.  É um ambiente que precisa ser respeitado, não se pode inventar uma coisa dessa em uma hora de uma votação importante, de um assunto que envolve muita disputa.  É uma incompetência de avaliação ou proposital. É um desrespeito e quem sai perdendo são as Forças Armadas. É uma vergonha internacional. Não tem cabimento", disse ao GLOBO Santos Cruz, que, fora do governo, se tornou um porta-voz informal dos militares críticos ao governo Bolsonaro.

Para o general Santos Cruz, os comandantes das Forças, embora contrariados,  não vão bater de frente com o presidente Bolsonaro e evitar um agravamento de uma crise institucional.

"Os comandantes militares não vão agravar a situação entrando em uma polêmica com o presidente da República. Até por que ninguém acredita na seriedade desse tipo de coisa. Acha que vai assustar o Congresso e o Judiciário? É hora de a Câmara e o Senado deixarem de ser muito tímidos e mostrarem suas forças", avaliou.

Generais da ativa se recusam a falar publicamente sobre o desfile dos blindados. Nos bastidores, porém, oficiais estrelados avaliam que esse foi mais um episódio da pressão que Bolsonaro vem exercendo para mostrar que ele comanda as Forças Armadas.

Segundo O GLOBO apurou, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira Oliveira, foi convocado no fim da tarde de segunda-feira  para ir a uma reunião ministerial do Planalto e, consequentemente, a presenciar a passagem dos blindados.  No mesmo horário do desfile, o comandante já tinha agendada uma reunião do Alto Comando do Exército, mas acabou comparecendo à Esplanada. 

Em maio, a cúpula do Exército já havia demonstrado contrariedade com a falta de punição ao general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que participou de uma manifestação ao lado de Bolsonaro no Rio de Janeiro.

Em julho, o ministro da Defesa, Braga Netto, preparou uma nota assinada com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, para rebater declarações do senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente na CPI da Covid. O texto avisava que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.”

Também no mês passado, o ministro da Defesa, segundo o jornal “O Estado de S.Paulo”,  teria enviado um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) por meio de um interlocutor dizendo que não haverá eleição em 2022 caso não seja adotado o voto impresso. Em nota após a publicação da reportagem, Braga Netto negou ter feito ameaças e disse que as Forças Armadas atuam dentro dos limites da Constituição. Por outro lado, o general da reserva aproveitou o comunicado para defender o voto impresso, dizendo ser uma discussão legítima defendida pelo governo federal.

O jornal britânico The Guardian destacou em seu site a passagem dos blindados pela Esplanada dos Ministérios, o qual chamou de “desfile militar da ‘república das bananas’ de Bolsonaro.” Nas redes sociais, a inédita parada militar para levar um convite ao presidente virou meme. A escalada do envolvimento de militares na política tem levado o governo Bolsonaro a ser comparado com o regime venezuelano, criticado pelo presidente durante toda campanha eleitoral.

"Podemos comparar nosso governante com o de lá, mas as Forças Armadas, não. Nossas Forças Armadas não vão entrar nisso. Infelizmente, tem esse evento de hoje. Não se pode deixar-se arrastar para este tipo de insanidade", disse Santos Cruz.

Após ser criticado até mesmo por aliados do governo pelo desfile de blindados, Bolsonaro, na noite de segunda-feira, publicou um convite nas redes sociais aos chefes das Cortes Superiores e do Legislativo para que assistissem à exibição dos veículos. No texto, assinou destacando que é “Chefe Supremo das Forças Armadas”

"Esse título é dado ao presidente para que ele conduza as Forças Armadas de modo estratégico. Não para essas besteiras de ficar organizando desfile", disse o Santos Cruz.