Para tentar se contrapor ao relator Renan Calheiros (MDB-AL), crítico ao presidente Jair Bolsonaro, senadores governistas já trabalham na elaboração de um parecer alternativo ao que será apresentado no final dos trabalhos da CPI da Covid.
O relatório paralelo tem como objetivo refutar três pontos centrais que deverão contar na conclusão de Renan: o atraso no processo de vacinação; a existência de um gabinete paralelo no Palácio do Planalto; e o impacto negativo da defesa da cloroquina no enfrentamento da pandemia.
Vice-líder do governo no Congresso, Marcos Rogério (DEM-RO), principal articulador do texto, pondera que só apresentará a versão alternativa caso a elaborada por Renan confirme a expectativa dos governistas e aponte falhas e omissões por parte do governo Bolsonaro, com uma eventual recomendação pelo indiciamento do presidente da República ao Ministério Público ou pela abertura de um processo de impeachment à Câmara.
"Gabinete paralelo"
Outro ponto a ser incluído no relatório alternativo dos governistas diz respeito ao "gabinete paralelo" que o Planalto teria criado, fora do Ministério da Saúde, para discutir a pandemia. E ao fato de Bolsonaro ter estimulado o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, como a cloroquina.
- Historicamente, todos os governantes podem ouvir quem quiser, quando quiser sobre o que quiser. Nesse caso do suposto gabinete paralelo, não há nenhum crime no fato de o presidente ouvir, sobre questões sanitárias, especialistas e pessoas nas quais confia. O que está claro é que o fato de o presidente ouvir essas pessoas não causou nenhuma ingerência na política pública promovida pelo Ministério da Saúde. Por mais que algumas hipóteses tenham sido abordadas nessas reuniões, o que de fato interessa é o que o ministério fez na prática. O mesmo sobre o presidente Bolsonaro. O que interessa não são declarações, o que ele fala, mas o que o governo faz na prática - afirmou Marcos Rogério.
Um dos episódios mais controversos sobre a existência do suposto gabinete paralelo foi quando houve uma discussão no Planalto sobre a mudança da bula da cloroquina. A informação foi confirmada à CPI pelo ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e pelo presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, que estavam presentes no encontro.
A médica Nise Yamaguchi, que também participou da reunião, disse desconhecer a tentativa de mudança da bula por meio de decreto presidencial, mas apresentou mensagens que comprovam a discussão de uma outra minuta para disponibilizar a cloroquina na rede pública de saúde. Nise mostrou ao colegiado que a minuta foi apresentada pelo médico Luciano Azevedo, que não faz parte do governo. Na troca de mensagens, ela discordou da ideia ser feita daquela forma por considerar que "exporia o presidente".
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Cloroquina na mira
Sobre a defesa da cloroquina ter influenciado em políticas públicas do governo, pesam contra o presidente fatos como a elaboração do aplicativo Trate-Cov, que recomendava o uso do medicamento até para bebês. O sistema foi retirado do ar após críticas de entidades médicas. Embora o governo alegue que houve uma tentativa de invasão da plataforma, documentos obtidos pelo GLOBO mostram que a suspeita só teria sido levantada por um servidor do Ministério da Saúde uma semana após o site já ter sido retirado do ar.
- O relatório tem que ser construído desapaixonadamente. CPI não é para ferrar o governo. É para apurar malfeitos. Parece que o relatório que tem sido produzido pelo relator só se preocupa em dizer: "Bolsonaro é culpado". Aí começa a perder a credibilidade. Porque a CPI já tem objetivo pré-determinado. Tem que fazer um trabalho equilibrado e desapaixonado - afirmou o senador governista Jorginho Mello (PL-SC). Jorginho afirma que ainda conversará com Renan para que o relator faça um texto que seja "mais equilibrado" e menos crítico ao governo.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI), aliado de Bolsonaro, disse que o relatório paralelo que governistas preparam será feito “com a verdade".
- (O relatório) vai desfazer todas as narrativas que desde o início foram construídas e através dos depoimentos caíram por terra - disse Nogueira ao GLOBO.
Em minoria na comissão, com apenas quatro dos 11 integrantes, os governistas buscam formas de reforçar o discurso em defesa da conduta do presidente Jair Bolsonaro. O argumento é que podem ter havido equívocos na gestão, mas não crime. No cenário atual, a aprovação do relatório de Renan é dada como certa, considerando que ele faz parte do grupo majoritário do colegiado.
Apesar disso, os governistas ainda apostam na possibilidade de reverter alguns votos nos próximos meses. Isto deve depender, entretanto, de como serão os desdobramentos das investigações, inclusive no que diz respeito à apuração de possíveis desvios em estados e municípios, o que poderia tirar o foco do governo federal. (Colaborou: Natália Portinari)