Depois de ter sofrido ameaças de morte, Benny Briolly está de volta ao Brasil. Pela primeira vez, na última sexta-feira, dia 28, a vereadora eleita pelo PSOL em Niterói ganhou escolta oficial para chegar em casa. A iniciativa veio do Conselho nacional de proteção a defensores dos direitos humanos, ligado ao Ministério da mulher, da família e dos direitos humanos, que incluiu a parlamentar trans no plano de proteção. Mas a Polícia Civil do Rio de Janeiro ainda não garantiu a segurança dela.
"Recebi uma série de ameaças. Uma delas, que é muito chocante, marca muito, é um e-mail assinado dizendo que ele ia comprar uma arma 9 mm com o endereço da minha residência, alguns dados pessoais, e iria até a minha casa me matar se eu não renunciasse o mandato. Espero que (a proteção policial) seja o mais urgente possível, porque eu, mulher, travesti, preta, tenho o direito de exercer o Parlamento no qual fui a mulher mais votada de Niterói", disse Benny Briolly em entrevista ao “Fantástico”.
As ameaças a Benny começaram ainda na campanha eleitoral. A então candidata mobilizou várias entidades de direitos humanos, pediu proteção à polícia e até o presidente do STF mandou carta ao presidente da Câmara de Niterói.
"Quem fez a ameaça assinou o e-mail. Segundo investigações da polícia, é um nome falso. E essa pessoa também se identifica como alguém que pertence ao mesmo grupo que mandou executar a minha amiga e companheira de partido Marielle Franco. Senti muito medo. Esse sentimento é recorrente, cotidiano", desabafou.
A polícia ainda não identificou o autor. E quatro meses depois das denúncias de Benny Briolly nenhuma medida protetiva foi implementada. No dia 13 de maio, a vereadora anunciou que já havia deixado o Brasil para só voltar quando o país pudesse garantir a segurança dela. De um quarto no hotel, em outro país, ela continuou participando de sessões online. Desistir do mandato não era uma opção.
"Desistir jamais porque o que nos fez chegar até aqui foram muitas que vieram antes de nós. Lélia, Dandara, Luiza Mahin, Teresa, Carolina de Jesus. Marielle Franco revela o quanto nós somos sementes e o quanto essa força nos motiva todos os dias a entender que ocupar o mandato hoje, num espaço institucional, é fazer jus e memória do nosso povo, da luta e da garantia da cidadania da nossa gente. A gente se une, se aquilomba, para poder fazer um enfrentamento permanente a todas as injustiças e a toda falta de direitos humanos existente no Brasil".
Mas a niteroiense não é a única parlamentar trans a sofrer agressões. O Instituto Marielle Franco fez uma pesquisa sobre violência sofrida por mulheres trans eleitas no Brasil. São 28, ao todo, sendo a maioria de partidos de esquerda. Todas relatam ter sofrido algum tipo de violência durante o exercício do mandato. 22,8% disseram ter sofrido ameaças pelo fato de serem trans. E 46,5% dessas ameaças partiram de indivíduos ou grupos não identificados.
"A gente não sabe em qual momento eles podem nos pegar, quais são as ciladas que eles estão pensando de fato. Então a minha rotina se transformou por completo. Eu não tenho liberdade, eu não posso exercer a minha vida com liberdade, porque eu sou uma parlamentar negra, travesti, que defendo os direitos humanos", diz Érika Hilton, primeira trans a ocupar a Câmara Municipal de São Paulo.
Mulher mais votada da capital paulista, Érika viu uma tentativa de invasão em seu gabinete. O homem foi identificado: Guilherme Henrique Meles, que se denomina “Garçom reaça”. Ele está sendo processado, assim como outros que fizeram ameaças pelas redes sociais e tiveram sigilos quebrados pela justiça. Em nota, a defesa de Guilherme disse que ele “exerceu a liberdade de expressão” e “em nenhum momento difamou ou caluniou Érika Hilton”.
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"Quando este corpo se elege com uma mulher mais bem votada do Brasil, com uma expressão política muito grande e traz todas essas bandeiras para tentar construir uma política de uma sociedade mais equânime, a resistência do outro lado, do fascismo, da intolerância, do preconceito e do ódio, se manifesta. Então, eu atribuo tudo a isso com uma não-vontade de que os nossos corpos rompam os lugares determinados, como o cárcere, as esquinas, o drogadicídio, e vai pautar política pública atrelado a todo este ódio, a este preconceito, e a essa não aceitação de que um corpo como o meu possa ocupar uma cadeira na maior Câmara legislativa e pautar política nessas pautas".
Nem sempre as ameaças são físicas. Há ainda ataques que limitam a atuação política .
"Por exemplo, quando um parlamentar tenta silenciar uma outra parlamentar travesti, ou tenta desmoralizá-la, ou tenta colocar em xeque a sua capacidade de legislar, isso é um aspecto da transfobia social. Este é também um recorte da transfobia e da LGBTfobia", disse Filipa Brunelli, vereadora de Araraquara (PT-SP).
Em São Borja, no Rio Grande do Sul, a vereadora trans Lins Robalo (PT-RS) sofreu ameaças de cassação do mandato, acusada de racismo por pedir que seus seguidores não votem em “branco elitista”.
"Eu sou a única mulher preta do partido, eu sou única mulher preta na Câmara de Vereadores. Eu sou a única mulher eleita e a única que vem dessas pautas da diversidade, de pautas da minoria. O que eu penso é que há uma perseguição velada dentro do nosso processo político parlamentar. Tentam dizer que eu sou racista dentro de um contexto político-cultural em que nós temos 15 vereadores e apenas uma pessoa negra", disse Lins, que apresentou uma denúncia ao Ministério Público do estado contra vereadores de São Borja por perseguição política, racismo e transfobia.
Apesar do medo e do desânimo, fazer política é ato de resistência .
"O que nós mais incentivamos a essas parlamentares é que elas não desistam da sua luta. Vivam o hoje, lutem o hoje para que a gente possa permanecer nessa resistência. E a população trans que se constitui há tanto tempo nesse Brasil, que reverbera na entrada de tantas pessoas para a disputa política, precisa dessas representações, de representantes que estejam compromissados com o bem-estar social não só da nossa comunidade, mas de todas as pessoas que acreditam no futuro melhor", disse Bruna Benevides, secretária de articulação política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais.