Um milhão de emails, telefonemas e uma enxurrada de memes nas redes sociais. Coletivos de defesa do feminismo e 14 mil ativistas têm se mobilizado para pressionar os deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) a cassarem o mandato de Fernando Cury (Cidadania). Acusado de importunação sexual contra Isa Penna (PSOL) durante uma sessão da Assembleia em dezembro, ele foi punido pelo Conselho de Ética da Casa com 119 dias de suspensão. O relatório ainda vai ser votado em plenário.
As táticas de pressão envolvem encher a caixa de correio eletrônico dos 86 deputados, que ainda não se pronunciaram sobre o caso, julgado no Conselho de Ética no início do mês, além de telefonemas, cobrança nas redes sociais e cartas endereçadas aos próprios parlamentares.
A campanha #CuryCassado é fruto de uma mobilização encabeçada por Maísa Diniz, administradora e cofundadora do Vote Nelas, a escritora Beatriz Bracher, a gestora cultural Mari Stockler, a diretora Daniela Thomas, a designer Julia Mariani, e o advogado Rafael Poço. À iniciativa, nascida após a sessão do conselho que abrandou a pena de Cury de seis meses para 119 dias, se soma a outros grupos como o 342 Artes, Instituto Update, Elas no Poder, Girl Up e Vamos Juntas.
Liderada por Wellington Moura (Republicanos) e Alex Madureira (PSD), a maioria do Conselho de Ética da Alesp aprovou, em 5 de março, uma punição mais branda do que propunha o relator Emídio de Souza (PT). O corregedor da Casa, Estevam Galvão (DEM), surpreendeu os aliados de Isa Penna ao se juntar também a Delegado Olim (Progressistas) e Adalberto Freitas (PSL) a favor do acusado.
Esses cinco deputados, desde então, entraram na mira das organizadoras da campanha, que têm direcionado as cobranças aos seus gabinetes e compartilhado memes em grupos de WhatsApp e nas redes sociais criticando sua postura.
"A gente quer expô-los, quer mostrar o rosto deles para que sejam conhecidos pela decisão que tomaram. Eles não atendem nossos telefones e começaram a apagar nossos comentários nas redes sociais. Eles não podem ter vergonha do que fizeram", diz Maísa Diniz.
Beatriz Bracher afirma que, embora a cassação tenha sido rechaçada pelo Conselho de Ética, é preciso pressionar o presidente da Alesp, Carlão Pignatari (PSDB), para que uma punição mais rigorosa seja considerada quando o projeto de resolução que trata do assunto, publicado no Diário Oficial do estado nesta quinta-feira, for votado em plenário. Para ela, "da maneira como está, a opção foi colocada apenas por cinco homens, do Conselho de Ética".
"Tenho a impressão que os deputados da Alesp não estão se dando conta de como a perda de mandado do deputado Cury é importante para todas as mulheres, principalmente aquelas que tomam ônibus e metrô em horário de pico e são sistemática e cotidianamente encoxadas. Esse não é um assunto interno da Alesp, nem sequer do estado de São Paulo", diz Bracher.
Diniz afirma que o caso já se tornou um marco da luta feminista paulista e que os desdobramentos do julgamento do Cury em plenário vão além do Legislativo estadual.
"A gente está vivenciando uma ocupação cada vez maior das mulheres na política. Nas últimas eleições, pela primeira vez tivemos uma proporção maior de candidatas do que a cota de 30% obriga. Agora a gente quer que a Alesp faça parte desse marco, dando um recado social e histórico", declara.
As organizadoras da campanha tem se esforçado para elaborar "missões coletivas" para as milhares de ativistas não deixarem o caso esfriar até a votação derradeira. Diversos grupos de WhatsApp foram criados para repassar as orientações de ativismo às integrantes. "Como temos um feriado de dez dias que vai impactar os trabalhos da Assembleia, estamos nos planejando para continuar movimentando a campanha mesmo assim", dizia uma mensagem disparada em um dos grupos nesta semana.
Deputados discutem caso semana que vem
Pignatari afirmou que vai pautar na próxima segunda-feira, durante o Colégio de Líderes, a data da votação da suspensão de Cury. A presidência tem dúvidas sobre a possibilidade de um projeto de resolução receber emendas e permitir que a punição ao parlamentar seja modificada. Pignatari enviou um ofício à Procuradoria da Casa sobre a questão e pretende esclarecer o assunto com as lideranças partidárias.
É nessa possibilidade que se baseia a estratégia de Isa Penna. Se Cury for mesmo punido com a suspensão de 119 dias, que garante o subsídio para o funcionamento de seu gabinete, ainda que tenha o salário cortado, a parlamentar pretende judicializar a questão para que o mandato do colega seja definitivamente interrompido.
Como a Alesp nunca julgou um projeto de suspensão de um membro da Casa, as dúvidas ainda pairam sobre os cenários possíveis.