Vereadora do Rio vai propor CPI dos "Guardiões do Crivella"

Vereadora ainda vai pedir a exoneração de funcionário contratado desde 2017, para atuar no gabinete do prefeito com salário de cerca de R$ 10 mil

Grupo tinha até mesmo escalas de plantão
Foto: Reprodução/ Globo
Grupo tinha até mesmo escalas de plantão

Após a divulgação da existência de um grupo pago para defender prefeito e impedir críticas na porta de hospitais , a vereadora Teresa Bergher (Cidadania) vai apresentar um pedido de CPI nesta terça-feira na Câmara de Vereadores para investigar a atuação dos funcionários da prefeitura. Ao GLOBO, Teresa comparou a atuação do grupo com uma "milícia" e que irá pedir também a exoneração de Marcos Paulo de Oliveira Luciano, contratado desde 2017, para atuar no gabinete do prefeito. Ele, que pode ser visto em fotos com Crivella, ganha salário de cerca de R$ 10 mil.

"É uma situação surrealista. A prefeitura está de pires na mão, Enquanto o prefeito paga mais de três mil reais para jagunços ameaçarem jornalistas e constrangerem pacientes que vão buscar atendimento nos hospitais do município. O funcionário que está por trás dessa milícia tem quer exonerado imediatamente, junto com todo o grupo. O prefeito deveria gastar este dinheiro com profissionais de saúde. Uma vergonha", disse a vereadora.

Procurado para comentar o pedido da vereadora, o município afirmou que não irá comentar.

Na porta do Hospital Rocha Faria, em Campo Grande, em 20 de agosto, dona Vânia se queixa da falta de vaga para transferir a mãe, que tem câncer, para um atendimento especializado. Aos gritos, dois homens atrapalham a entrevista, que precisa ser interrompida. Uma rotina de casos semelhantes para impedir críticas e reportagens sobre o caos na saúde do Rio, agravado pela pandemia do novo coronavírus, chamaram a atenção do “RJ TV” da Rede Globo. Os repórteres descobriram que o grupo tem nome, Guardiões do Crivella, obedece a uma rígida escala de serviço e, o mais grave, ganha salário pago com dinheiro público — em torno de R$ 4 mil — só para criar confusão na entrada de unidades de saúde e inviabilizar denúncias ao serviço público municipal.

Um denunciante revelou como funciona o esquema para blindar o prefeito Marcelo Crivella. Os guardiões são controlados através do WhatsApp, usado para conectar todos os envolvidos na função. Muito cedo, eles vão para as portas de hospitais e, para provar que estão a postos, fazem selfies no local, que são enviadas para o grupo do aplicativo de celular. Ali, eles são cobrados sobre o serviço, quando malfeito, ou são elogiados quando o tumulto provocado é tanto que inviabiliza a ação de jornalistas, queixas de parentes de pessoas internadas ou dos próprios pacientes. Imagens obtidas pela TV mostram que, entre os integrantes do grupo de WhatsApp, há um telefone atribuído ao próprio Crivella. De acordo com o denunciante, “o prefeito acompanha no grupo os relatórios e, às vezes, ele escreve lá: ‘Parabéns! Isso aí!’”, disse.

Para fazer as agressões verbais e defender a política de saúde de, quase sempre aos gritos, Luiz Carlos Joaquim da Silva, conhecido como Dentinho, foi contratado em dezembro de 2019 com salário bruto de R$ 4.195, em cargo especial. Foi ele que interrompeu a entrevista que era concedida pela dona Vânia.

Ontem, a equipe de reportagem foi para a porta do Hospital Salgado Filho, no Méier, onde, já sabendo da existência dos Guardiões do Crivella, começou a se preparar para entrevistar um homem que tinha perdido um dedo. Desta vez, quem está a postos é José Robério Vicente Adeliano, que ganha salário bruto de R$ 3.229. Ele parte para cima do paciente, que tinha acabado de ser atendido, mas reclamava de outra unidade, em Rocha Miranda, por onde passou e não conseguiu ser visto por médicos. O guardião interrompe a entrevista e aborda o paciente, que fica indignado. O diálogo é surreal.

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“Prefeito está indo bem”

José Robério começa: “Fala isso não, compadre”. O paciente responde exibindo a mão com um grande curativo: “Como? Perdi um dedo e não posso falar?” José Robério insiste: “Fala isso não, meu irmão”. É preciso o repórter interferir. “O senhor pode deixar ele falar da saúde?”, pergunta. Ao que o guardião responde: “Está indo muito bem, meu querido”. O prefeito está trabalhando correto e bem”. Neste momento, é confrontado pelo jornalista que o identifica, conta saber sobre o trabalho dos guardiões e quanto ele ganha para encobrir reclamações.

Além do Guardiões do Crivella, dois outros grupos reúnem essa equipe. Um deles identificado como Assessoria Especial GBP — que seria referência a gabinete do prefeito, e outro, como Plantão. Neles, há integrantes que intimidaram as equipes de reportagem. Ricardo Barbosa de Miranda foi contratado pela prefeitura em junho de 2018, como assistente 3 e salário de R$ 3.422. No dia 27, data em que aconteceram as agressões no Rocha Faria, estavam na escala, além de Dentinho, Marcelo Dias Ferreira que, desde setembro de 2018, tem cargo especial com salário bruto de R$ 2.788.

ABI critica “orquestração”

Um personagem importante surge quando uma das abordagens parece não ter saído como o esperado. Os guardiões se atrasam para uma missão. Quem aparece reclamando da atuação da equipe é Marcos Paulo de Oliveira Luciano, contratado desde 2017, para atuar no gabinete do prefeito. Ele, que pode ser visto em fotos com Crivella, ganha salário de cerca de R$ 10 mil.

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jeronimo, por nota, criticou o que chamou de atentado à democracia. “Em ações orquestradas, funcionários da prefeitura tentam intimidar, com agressões verbais e ameaças de agressões físicas, jornalistas que trabalham em reportagens sobre a situação de calamidade dos hospitais públicos no Rio. As ameaças se estendem aos usuários que prestam depoimentos sobre o mau atendimento. Episódios ocorridos nas portas de vários hospitais municipais nos últimos dias mostram que não estamos diante de fatos isolados, mas de uma política do prefeito para constranger repórteres e cidadãos”. Já o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, classificou de “absurdo” o gasto do dinheiro público para atentar contra o livre direito do cidadão a se manifestar e a ser informado adequadamente pela imprensa”. Rech pede uma investigação rigorosa. O Ministério Público do Rio disse que vai analisar os fatos para adotar as medidas cabíveis.

Procurada, a prefeitura não negou a existência do Guardiões do Crivella e afirmou apenas que reforçou o atendimento em unidades de saúde para melhorar as informações prestadas à população. Citou como exemplo uma ocasião em que foi noticiado que o Hospital Albert Schweitzer tinha sido fechado quando, de acordo com o município, isso nunca aconteceu

Leia a nota da prefeitura na íntegra:

"A Prefeitura do Rio reforçou o atendimento em unidades de saúde municipais no sentido de melhor informar à população e evitar riscos à saúde pública, como, por exemplo, quando uma parte da imprensa veiculou que um hospital (no caso, o Albert Schweitzer) estava fechado, mas a unidade estava aberta para atendimento a quem precisava. A Prefeitura destaca que uma falsa informação pode levar pessoas necessitadas a não buscarem o tratamento onde ele é oferecido, causando riscos à saúde."