Após um ano, inquérito de pedreiro morto segurando martelo não foi finalizado

Policiais apontados por testemunhas como autores dos disparos que mataram José Pio Baía Júnior continuam circulando por Vila Kennedy

José Pio Baía Júnior foi morto durante ação policial na Vila Kennedy
Foto: Redes sociais
José Pio Baía Júnior foi morto durante ação policial na Vila Kennedy

No dia 3 de setembro do ano passado, uma ação policial terminou com a morte de um pedreiro na Vila Kennedy, comunidade da Zona Oeste . Quase um ano após o episódio, parentes de José Pio Baía Junior clamam por uma solução para o caso. De acordo com a advogada Paula Lindo, que acompanha a história, nem ela e nem a família da vitima tiveram acesso ao laudo da reconstituição feita em outubro. Os policiais apontados por testemunhas como autores dos disparos continuam na região, segundo relatos. Enquanto isso, mãe, irmãos e filhas de Jose Pio lidam com as consequências psicológicas da perda.

"Todos os depoimentos foram dados, a reconstituição foi feita no ano passado e o laudo já ficou pronto. O que precisa para o inquérito ser encerrado e para que os culpados pela morte do José Pio sejam indiciados? A sensação que fica é que estão tentando atrasar a conclusão desse caso. Quem atirou nele? A família não quer mais um chefe de família virando estatística no Rio", questiona a advogada.

Caso o laudo tivesse sido concluído e liberado à família, o resultado poderia esclarecer se o tiro partiu ou não dos fuzis usados pelos PMs.

Por conta da violência e do trauma vivido, o balconista Jorge Baía, de 38 anos, irmão da vítima, saiu da capital fluminense e mora na cidade de Carmo, Região Serrana do Rio. Com ele e a família, foram embora a filha mais nova de José Pio, Juliane, e o único neto da vítima, Miguel, de 2 anos. Segundo Jorge, todos ainda estão muito abalados.

No entanto, apesar da pouca idade, a criança foi uma das pessoas que mais sofreu com a morte e a perda de José Pio, o "avô coruja".

— Não tivemos qualquer ajuda, nem o acompanhamento psicológico oferecido pelos representantes do Estado que nos procuraram no dia do crime. Não ligaram nem para perguntar se estava tudo bem. A minha mãe, que pouco tempo antes tinha vivido o luto pela perda do meu pai, vive uma depressão. A minha sobrinha não tem a mesma cabeça de antes, sofreu muito porque o pai saiu de casa prometendo levar o jantar. Isso marcou. O Miguel sentiu bastante a perda, era muito apegado ao avô. Até o processo de aprendizagem dele ficou prejudicado. Tem sido difícil, angustiante, mas nós seguimos lutando.

A família acredita que José Pio foi executado, já que, segundo os relatos, uma policial militar teria atirado e, vendo o homem morto, recuado e entrado no carro da PM que já deixava a comunidade. Policiais militares que participaram da operação, entre eles uma mulher, admitiram, em depoimento, ter disparado tiros durante o episódio. No entanto, a equipe negou sequer ter visto o pedreiro trabalhando em cima da laje. Na versão apresentada pelos policiais, eles teriam sido recebidos a tiros por pelo menos cinco criminosos.

Jorge conta que a equipe policial que participava da operação naquela manhã continua atuando na região. À época da reconstituição do crime, nenhum dos seis PMs do 14º BPM (Bangu) que estavam no dia da morte do pedreiro participaram da reprodução simulada do crime.

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— Os amigos que ainda residem na Vila Kennedy relatam que nada mudou na comunidade: segue a mesma equipe fazendo o mesmo tipo de abordagem aos moradores. Quando policiais militares entram, é sempre de forma truculenta, seja pessoa do bem ou bandido — diz.

Em nota, a PM informa que "os policiais militares envolvidos no caso prestam serviços administrativos", indo contra a informação dada pelos moradores sobre a presença da equipe na região. Por sua vez, a DH informou que as investigações estão em andamento. "Policiais militares e testemunhas foram ouvidos e uma reprodução simulada realizada, para apurar as circunstâncias da morte", conclui a nota.

Já a Secretaria de Estado de Vitimados (Sevit) aponta que vai retomar o contato com os familiares para prestar o auxílio necessário. "Uma equipe psicossocial vai permanecer à disposição para atendimentos".

Relembre o caso: pedreiro tinha martelo nas mãos

José Pio trabalhava na construção de uma laje quando foi atingido. Segundo moradores e parentes, policiais militares teriam feito disparos em direção ao fim da Rua Gana, onde a obra era realizada. Na ocasião, testemunhas negaram que houvesse confronto na Vila Kennedy e contaram que o pedreiro estava de costas para a via, com um martelo na mão. Ele não teve tempo de se proteger e foi baleado, segundo a Polícia Civil, na época, por um tiro de fuzil nas costas.

O pedreiro nasceu na cidade mineira de Cachoeira Alegre e estava no Rio de Janeiro há 22 anos. José Pio deixou cinco filhas e um neto.

A perícia da Polícia Civil concluiu que a vítima não chegou a ser socorrida, e que em suas mãos, no momento em que foi baleado, ele carregava pregos e um martelo, usados na construção. De acordo com os peritos, José Pio estava agachado, e preparava-se para pegar um isopor que outros dois ajudantes de obra passavam para ele.