Dois dos três desembargadores que compõem a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) votaram nesta terça-feira pela absolvição o ex-presidente Michel Temer da acusação de obstrução de Justiça no caso relacionado à delação premiada do empresário Joesley Batista.
Em outubro de 2019, ele foi absolvido em primeira instância, mas o Ministério Público Federal (MPF) recorreu.
Votaram pela manutenção da sentença que absolveu Temer o relator do caso, desembargador Ney Bello, e a desembargadora Maria do Carmo Cardoso. Monica Sifuentes, a terceira integrante da turma, pediu vista, interrompendo o julgamento.
Antes dos três votarem, a procuradora Raquel Branquinho defendeu o entendimento do MPF. Ela afirmou que a gravação deixa "bem claro o entrosamento" entre Temer e o empresário e que "não foi a toa" que Joesley visitou o então presidente "para tratar de um assunto estranho ao gabinete do presidente da República".
Sobre a ausência de provas materiais, um dos motivo pelo qual Temer foi absolvido em primeira instância, ela disse que os crimes dessa natureza são "subliminares" e que, devido ao medo de estar sendo gravado, esses diálogos costumam ocorrer de forma "truncada" e "por códigos".
"(Os crimes dessa natureza) são praticados com olhares, com detalhes na verbalização, na forma de comunicação entre os dois interlocutores. Não há, realmente, uma contratação, um diálogo onde são estabelecidos todos os detalhes", defendeu.
Em seguida, a transmissão da sessão foi interrompida por problemas técnicos e só foi retomada no julgamento de outro caso.
PF atestou gravações
Em junho de 2017, a Polícia Federal concluiu que não houve edição nas gravações feitas pelo dono da JBS Joesley Batista. A perícia apontou cerca de 200 interrupções no áudio em que Joesley aparece falando com o presidente Michel Temer, mas ressaltou que as “descontinuidades” seriam consequência das características técnicas do gravador usado para registrar a conversa.
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As gravações, porém, não foram as únicas evidências apresentadas contra Temer. A PF gravou o ex-deputado e ex-assessor direto do ex-presidente Rodrigo Rocha Loures, apontado por Temer como homem de confiança, recebendo uma mala que continha R$ 500 mil, recebida do ex-executivo da J&F, controladora da JBS, Ricardo Saud. Rocha Loures foi flagrado correndo com o acessório na saída de uma pizzaria de São Paulo após receber os valores.
Os investigadores sustentam que o dinheiro se tratava de propina destinada a Temer e a Rocha Loures por interferirem, em benefício da J&F, no andamento de um processo administrativo em trâmite no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), envolvendo a disputa entre a Petrobras e o preço do gás fornecido pela estatal à termelétrica EPE, em Cuiabá, comprada pelo grupo.
Há ainda outras gravações. Uma delas registra uma conversa entre Saud e Loures em 24 de abril de 2017, em que ambos combinam o montante de propina que o político receberia por sua atuação no Cade, que poderia chegar a R$ 1 milhão por semana por 25 anos.
Além disso, há anotações feitas na reunião referente aos valores negociados. Em outro diálogo, entre Joesley e Loures, o ex-deputado telefona para o presidente interino do Cade, Gilvandro Araújo, e encerra a ligação dizendo ao empresário que o chefe do conselho teria “entendido o recado”. Joesley sugere a ele, então, o pagamento de 5% do lucro da usina como propina, e Loures responde “tudo bem”.
Denúncia barrada na Câmara
Temer foi denunciado ainda no exercício da Presidência pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot. O andamento da acusação foi barrado em votação na Câmara dos Deputados, mas, após Temer deixar o cargo, o caso seguiu para a Justiça Federal do Distrito Federal.
Na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), ratificada pela Procuradoria da República no Distrito Federal, Janor escreveu que “ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro (apontado como operador financeiro de políticos do PMDB) e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”.
A denúncia original da PGR incluía os crimes de organização criminosa e obstrução. Na Justiça do DF, a denúncia foi dividida — a acusação a respeito da organização criminosa também tem a conversa entre Temer e Joesley como uma das provas.
O caso veio à tona depois da série de reportagens do colunista Lauro Jardim, do GLOBO, que revelou com exclusividade o conteúdo da delação premiada de Joesley e da ação controlada da Polícia Federal.