No último dia 24, logo após a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reuniu a maioria de seus ministros para um pronunciamento.
Apesar de ser comum presidentes discursarem com seus ministros ao lado, Bolsonaro também pretendia passar um sinal com seu ato. O professor e pesquisador de filosofia política da FAAP, Luiz Bueno, explica que ele tentou transmitir aos seus ministros "a mensagem de que se você se opuser ao presidente da República, você não permanece no time".
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"Ele tem se mostrado uma pessoa que não admite de nenhuma forma pensamentos diferentes do seu. Portanto, mais que lealdade, é alguém que exige obediência da sua equipe ministerial", afirma Bueno.
O professor de filosofia política explica que esse comportamento pôde ser visto nas demissões do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e de Moro e também na troca de Onyx Lorenzoni (DEM) da Casa Civil para o Ministério da Cidadania.
"O ministro Lorenzoni, tinha uma posição de importância [Casa Civil], quis mostrar uma posição de comando e foi afastado para uma posição de segundo plano [Cidadania], em que tem uma adesão absoluta ao presidente".
Bueno afirma que é possível perceber que Bolsonaro não gosta quando seus ministros têm exposição midiática maior que a dele, o criticam ou podem representar uma possível futura oposição nas próximas eleições presidenciais. "Então, qualquer um dos seus comandados que possa se sobressair um pouco, já encontra no presidente uma barreira".
Para o doutor em ciência política pela USP com pós-doutorado em administração pública e governo pela FGV-SP, Sérgio Praça, Bolsonaro gosta e premia ministros que se aliam a seus projetos políticos e dos seus filhos .
"É aquela coisa de falar que os adversários políticos são comunistas. Tem uma série de outras falas que o Ernesto Araújo [Relações Exteriores] e o Weintraub [Educação] fazem com frequência e muita gente acha que se eles exagerarem muito o Bolsonaro vai acabar demitindo, mas pelo contrário, eles se fortalecem junto ao Bolsonaro quanto mais eles fazem isso".
Weintraub e Araújo, assim como outros ministros que também realizam discursos desse caráter, são considerados da ala ideológica da equipe ministerial.
Praça acredita que o principal critério de Bolsonaro para nomear ministros é a lealdade pessoal . Ele analisa que o presidente não leva em consideração a opinião nem de partidos políticos, nem de grupos de interesse do governo . "E isso (está) cada vez mais fica claro", acrescenta.
Bueno enxerga como consequência disso o empobrecimento da qualidade dos ministérios . "Talvez a face mais mais extremista desse governo esteja aparecendo agora, na medida em que ele vai conseguindo colocar pessoas que são absolutamente alinhadas com a sua visão de mundo e suas práticas políticas", avalia.
Corda bamba de Guedes
"Os ministros que mostraram algum distanciamento [aos ideais de Bolsonaro] foram expelidos. Não ficou praticamente nenhum que mostre algum grau de posicionamento crítico. Minha aposta é que quem está na corda bamba é o Paulo Guedes , porque ele tá numa área extremamente sensível", explica o professor de filosofia política da FAAP, Luiz Bueno.
No dia 22 de abril foi lançado o Plano Pró-Brasil, uma proposta do governo Bolsonaro para recuperação econômica do Brasil devido à crise gerada pela pandemia de Covid-19.
Além do plano ir contra as propostas liberais de Paulo Guedes, ele não foi articulado pela pasta de Economia, mas pelos ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e Walter Braga Netto (Casa Civil).
Bueno avalia que, apesar do descontentamento com o plano, se Guedes se contrapor ao Pró-Brasil , "ele vai se tornar uma ameaça para o presidente. Se ele crescer um milímetro, ele já fica maior que o presidente, então pra mim ele está na linha de tiro".
O professor de filosofia política acredita que esse cenário foi planejado. "O que parece é que o presidente lança uma medida que é polêmica, coloca uma situação difícil para o ministro da Economia e cria as condições para tirar esse ministro, na medida em que esse ministro tem uma visão diferente. Então, pra mim, isso foi calculado, prevendo a saída do Paulo Guedes".
Sérgio Praça analisa que "tudo é possível, é muito difícil avaliar", mas ele acredita que Bolsonaro sentiu medo de que o Guedes sairia do governo e, por isso, voltou atrás. Na última segunda-feira (27), menos de uma semana após o lançamento do plano, Bolsonaro afirmou que "o homem que decide a economia no Brasil é um só: chama-se Paulo Guedes". O cientista político avalia que "Guedes bateu o pé e o Bolsonaro ouviu".
Tereza Cristina também estaria por um triz?
O destino da ministra da Agricultura , Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina (DEM) também foi considerado como instável após o conflito do filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro e do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo com a embaixada chinesa.
A ministra criticou a ação de Eduardo e Araújo, já que a relação do Brasil com a China é imprescindível para o sucesso da pasta – o Brasil é um dos principais exportadores agrícolas da China.
Além disso, um dos membros de sua equipe, Nabhan Garcia responsável pelos Assuntos Fundiários do ministério também tem articulado sua saída – ele faz parte da ala ideológica do governo.
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Contudo, Bueno acredita que Bolsonaro não tenha intenção de demiti-la neste momento, já que Tereza Cristina tem uma atuação discreta, que não ameaça o presidente.
"Você não a vê criticando publicamente, ela não tem representado uma ameaça , ela não é uma figura de destaque midiático. Isso dá a ela pelo menos uma sobrevida maior do que a de Paulo Guedes, por enquanto, pelo menos", diz o professor de filosofia política.
Além disso, a ministra possuí o apoio da bancada ruralista (a Frente Parlamentar da Agropecuária), grupo de apoio importante para Bolsonaro.
Conflito com "ministros estrelas"
"Algumas pessoas do meu governo, eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas , falam pelos cotovelos, subiu à cabeça deles, estão se achando, tem provocações. Mas a hora deles vai chegar, porque a minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta", afirmou Bolsonaro em 6 de abril.
Apesar do presidente não ter citado nomes, a fala foi possivelmente direcionada para o então ministro Mandetta , com o qual estava tendo divergências e que na época possuía o dobro da aprovação de Bolsonaro, segundo levantamento do instituto Datafolha - no começo de abril.
A pesquisa feita pelo instituto mostrou que a condução de Mandetta da pandemia era aprovada por 76% dos entrevistados, enquanto 33% aprovava Bolsonaro.
"Um presidente tem tudo para querer que seus ministros, qualquer ministro que seja, seja popular . Se o ministro da Saúde tá sendo bem avaliado isso deveria ser ótimo pro presidente", explica Sérgio Praça.
O coordenador do curso de administração pública da FGV-SP, Marco Antonio Teixeira afirma que " ministros estrelas " não prejudicam presidentes. Segundo ele, ministros cumprem a função de comunicar para a sociedade as especificidades da sua pasta.
"Bolsonaro teria a mesma desenvoltura do Mandetta para falar de saúde? Ou a mesma desenvoltura que o Moro [para falar de segurança]?", questiona.
"Talvez seja muito mais ciúmes do Bolsonaro, porque ministros estrelas aparecem muito mais do que o presidente . Eles são estrelas justamente porque o presidente tem pouca capacidade de coordenar o governo e de tratar de temas que são cruciais para a sociedade", analisa.
Por outro lado, Teixeira explica que a saída de um "ministro estrela" impacta negativamente o governo porque a sociedade perde uma referência. "O governo perde uma peça que conectava o governo com a sociedade , que conectava o governo com grupos que tinha algum tipo de admiração ou valorizava o trabalho daquele ministro".
Já para os ministros , pode não ser positivo permanecer em um governo com grandes taxas de rejeição. "Qualquer governo mal avaliado contamina qualquer figura pública que tá ao lado dele. Basta você ver os resultados nas últimas eleições de quem foi com a Dilma até o fim", explica o coordenador do curso de administração pública.
Alas em ascensão
O governo Bolsonaro possui 22 ministérios (ou órgãos com status de ministério, como a Casa Civil), mas 32 ministros já passaram por essas 22 pastas. Só 13 ministros permaneceram intactos em seus cargos, enquanto outras nove pastas passaram por mudanças de comando.
Com essas substituições de ministros, a equipe ministerial de Bolsonaro mudou em comparação ao início do governo. A ala militar
foi a principal a crescer, passando a ter controle de dois ministérios a mais.
"Você tem mais militares ocupando mais pastas e até postos importantes de segundo escalão, como aconteceu agora no ministério da saúde – o nº 2 do ministério é um militar. Esse grupo ampliou forças porque ele é mais organizado para ajudar na gestão", analisa Teixeira.
Ele explica que a ala técnica também se manteve estável – apesar de várias substituições e de agora ter mais uma pasta – mas o grupo ideológico, "mais atrapalham o governo, do ponto de vista da articulação do Congresso, do que ajuda".
"A ala ideológica tem mais proximidade com Bolsonaro, mas tem uma dificuldade natural de fazer política, porque todo o discurso deles é baseado na crítica contra o Congresso", explica o coordenador do curso de administração pública. Para conseguir aprovar políticas públicas – como a reforma da Previdência ou o pacote anti-crime de Moro, é necessário que o ministro articule com partidos e convença os parlamentares a votarem a favor de sua proposta.
"Os militares hoje, por mais incrível que pareça, são os responsáveis por dar alguma cara de gestão, de organização, ao governo. E ao mesmo tempo é quem tem feito política . O Luiz Eduardo Ramos é quem tem sido o grande articulador político do governo. O que é algo absolutamente curioso no governo: é um governo sem políticos", diz Teixeira.
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Apesar das mudanças, Bueno destaca que os ministros de Bolsonaro que tem "um perfil mais técnico, que tem uma certa independência e que tem uma visão mais clara do que pretendiam fazer vão sendo substituídos pelo círculo de confiança do presidente. E para ter confiança do presidente é precisa ter afinidade ideológica com ele".