O poeta e compositor Vinicius de Moraes, em uma de suas letras sempre geniais, pergunta a Deus: “se é pra desfazer, por que é que fez?”. O Supremo Tribunal Federal não é Deus, nem o seu presidente, ministro Dias Toffoli. Mas vale a iNdagação: se era para encaminhar ao Poder Legislativo a questão da prisão em segunda instância, por que a Corte fez tantas sessões em plenário sobre esse tema?
O STF e Toffoli, que deu o voto de desempate a favor da prisão somente a partir do trânsito em julgado, na verdade acertaram em transferir a decisão final a deputados e senadores, legítimos na função legiferante — afinal, o assunto tem de ser definido por legislação e não por determinação da Justiça. Mas no Congresso Nacional, por maior que seja a boa vontade dos parlamentares, há um nó jurídico quase impossível de ser desatado.
Senado e Câmara, para voltarem com a prisão em segunda instância, têm de emendar a Constituição, uma vez que ela fixa que o encarceramento só se dará após transitar em julgado a sentença penal condenatória — ou seja, quando exauridos todos os recursos. Agora, o nó: a Carta Magna estabelece como cláusula pétrea a presunção de não culpabilidade. O primeiro ponto, o do trânsito em julgado, e o segundo, o da presunção de não culpabilidade, estão embutidos um no outro: artigo 5º da Constituição, inciso LVII. É impossível constitucionalmente separá-los, colocando a reclusão no segundo grau de jurisdição (que então passaria a ser o trânsito em julgado), sem agredir gravemente a presunção de não culpabilidade (chamada por alguns juristas de presunção de inocência).
Por ser cláusula pétrea, tal direito fundamental não pode ser “encurtado”.
Uma possibilidade de atenuar esse choque no interior do próprio texto constitucional é extinguir os recursos especial e extraordinário, substituindo-os por recursos revisionais. Trazer-se-ia, também nessa hipótese, o cumprimento da pena para a segunda instância, mas se manteria a presunção de inocência de forma bastante heterodoxa, dotando tais ações revisionais com o poder de alterar no Superior Tribunal de Justiça e no STF a decisão de segunda instância — algo bem similar à PEC 15/2011, proposta pelo ex-ministro Cezar Peluso, que visava a introduzir o recurso rescisório às cortes superiores para antecipar o trânsito em julgado à dupla jurisdição.
É um trânsito em julgado meio que acanhado, que não mais se traduz pelo esgotamento de todos os recursos, uma vez que caberiam ainda o rescisório ou o revisional.
É constitucionalmente impossível separar o trânsito em julgado da presunção de inocência