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Em meados da década de 70, a Espanha estava no fundo do poço. Havia experimentado momentos de horror com a guerra civil de 1936 a 1939 – na qual morreram 150 mil pessoas –, emendada pelo governo autoritário do general Francisco Franco. Foram 40 anos de opressão e atraso econômico. Franco morreu em 1975 e os políticos precisavam reconstruir a nação. Depois de uma eleição democrática em 1977, os espanhóis propuseram o Pacto de Moncloa, que foi aprovado no Congresso.

Em clima de descontração, líderes procuram saídas para a crise econômica
Marcos Corrêa/PR
Em clima de descontração, líderes procuram saídas para a crise econômica

Estabeleceram que o país teria uma política monetária rígida (juros altos), uma política fiscal apertada, câmbio flutuante com a desvalorização da moeda e as centrais sindicais pediriam reajustes moderados. A Espanha cresceu e saiu da crise. Hoje, 40 anos depois, o presidente Jair Bolsonaro propõe uma coisa parecida. Com a economia travada e também no fundo do poço, como demonstrou o ministro da Economia, Paulo Guedes, na semana passada, o presidente chamou ao Palácio do Alvorada — durante o café da manhã da última terça-feira 28 —, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o presidente do STF, Dias Toffoli, para propor a assinatura de um pacto à brasileira que reative a economia. Os presidentes da Câmara e do Senado estão desconfiados, alegando que já trabalham pela aprovação das reformas, que proporcionarão o almejado crescimento econômico. No passado, iniciativas como essa não deram em nada.

Composto por cinco itens básicos, entre eles as reformas previdenciária e tributária, o documento apresentado por Bolsonaro, com o aval dos ministros Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni (Casa Civil), prevê que a adoção das medidas elencadas no acordão serão fundamentais para a retomada do desenvolvimento. “O Brasil precisa de harmonia e entendimento entre todos os Poderes de representação da sociedade brasileira”, pregou Onyx, acrescentando: “Desta reunião, consolida-se a ideia de que seja formalizado um pacto de entendimento”. De largada, todos concordaram com a necessidade do acordo, mas o texto final ainda não foi assinado. “Eu preciso respaldar minha decisão ouvindo os líderes. Caso tenha a aprovação da maioria deles, assinarei esse pacto em nome da Câmara”, disse Maia.

Ideia de Toffoli

O encontro começou com os líderes do Congresso com um pé atrás em relação ao chamamento de Bolsonaro, especialmente por parte de Maia. Na manifestação a favor do presidente realizada no domingo 26, em 156 cidades de todos os 26 estados e Distrito Federal, os manifestantes se voltaram contra o Congresso e, sobretudo, contra o centrão (leia mais na pág. 27). No Rio de Janeiro, chegaram a inflar um grande boneco de Maia, parecido com o pixuleco de Lula, deixando o presidente da Câmara revoltado com os governistas, incluindo o presidente, que chancelou as críticas aos parlamentares. Aliás, Maia chegou à reunião com o presidente um pouco temeroso, e em certos momentos, mostrava-se pouco à vontade, isolado dos demais convidados.

Clima tenso à parte, o certo é que Bolsonaro só chamou as lideranças dos três Poderes ao Alvorada depois do resultado positivo que as manifestações de domingo representaram para o governo, especialmente para ele, ovacionado em todos os cantos do País. Respaldado pelas massas na rua, Bolsonaro decidiu desanuviar o ambiente político, submerso em constantes conflagrações ideológicas e carregado por críticas pesadas de parte da sociedade civil ao seu governo. Afinal, em cinco meses no poder, Bolsonaro mais provocou confusões do que tomou medidas para destravar a economia. Agora, acredita que recuperou o apoio da sociedade para propor o pacto à brasileira. Esse novo caminho lhe foi proposto por militares experientes em conflitos em países como Haiti e Congo, especialmente os ministros/generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Carlos Alberto Santos Cruz (Secretaria de Governo). Inspirado no exemplo da Espanha, Bolsonaro resolveu desarmar os espíritos e conclamar as lideranças políticas e do judiciário a assinarem o acordo. O esboço inicial do documento foi proposto por Tofolli no início do ano, logo após a posse do novo governo, mas o projeto não prosperou. O problema da inclusão do presidente no STF no acordo é que ele, ao assinar um documento que se compromete com os termos da Reforma da Previdência, perde a isenção de magistrado para julgar eventuais questionamentos na Justiça aos termos da reforma.

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“Sem antagonismo”

O ministro Paulo Guedes foi o primeiro a festejar o entendimento. Ele deseja que os líderes políticos agilizem a Reforma da Previdência, pois ela será a vara de condão que revolucionará a economia brasileira. A partir da equalização fiscal que ela trará ao País, os empresários terão mais segurança para aplicar seus recursos em novos empreendimentos, gerando mais renda e empregos. “Estamos confiantes de que o Congresso aprove o mais rápido possível a reforma (da Previdência). Eu acho que as manifestações confirmaram a ideia de que o povo quer mudanças”, argumentou Guedes. Para ele, o café da manhã mostrou que o ambiente político brasileiro “está ótimo”. “Não há antagonismo. Estamos buscando melhorar o País”. Onyx concordou:“Queremos construir o equilíbrio fiscal para depois chegarmos à prosperidade”.

A iniciativa de Bolsonaro até é elogiável, mas os presidentes da Câmara e do Senado não ficaram muito entusiasmados. Afinal, eles já trabalham com afinco pela aprovação da Reforma da Previdência. “O presidente quer que assinemos um documento nos comprometendo a agilizar a reforma, que é exatamente o que estamos fazendo”, esclareceu Rodrigo. Os dois dirigentes do Congresso estranharam ainda mais quando Bolsonaro disse, na mesma terça-feira 28, em um evento da Marinha Mercante, que “a minha caneta é mais poderosa do que a do Rodrigo Maia”. Isso mostrou que o comportamento do presidente em relação aos congressistas pouco mudou, apesar de sua tentativa de aproximação. “Ainda não é possível confiar no presidente”, esclareceu. “Vamos ver o que posso assinar”, disse o receoso Maia, após uma reunião com lideranças na Câmara na mesma terça-feira, aos quais nem tocou na formulação do pacto.

“Confiamos que o Congresso aprove o mais rápido possível a reforma. As manifestações confirmam que o povo quer mudanças”
Paulo Guedes, ministro da Economia

Divulgação

Desconfianças à parte, convencionou-se no Alvorada que outras reuniões serão realizadas para afinar os termos do acordão. Se a maioria das lideranças partidárias concordarem com seu conteúdo, que será levado a eles por Maia, o pacto será sacramentado no próximo dia 10 e o Brasil consolidará, assim, o terceiro entendimento nacional em sua história recente. O primeiro gesto nesse sentido foi instituído no final da ditadura militar, em 1985, pelo então presidente José Sarney, que alinhavou um entendimento nacional pela governabilidade na chamada Nova República. Houve outra aliança dos partidos de esquerda em 2003 com a eleição de Lula. O petista costurou o apoio de Ciro Gomes (então no PPS) e do PSB, fechando um pacto pela governabilidade do primeiro governo de um metalúrgico, que assustava a todos, sobretudo empresários e militares. Logo, contudo, a iniciativa fracassou e Lula convidou o PMDB e outros partidos do centrão (PTB, PR e PP) para participarem do governo. Foi o início do mensalão em 2005 e do petrolão. Como o atual presidente garante que suas tratativas com os partidos não incluirão a negociata e o toma lá dá cá dos governos petistas, é possível que o pacto à brasileira dê certo, como deu o Pacto de Moncloa na Espanha. A ver.

“Todos querem construir um caminho pelo qual passe o equilíbrio fiscal e, aí, ir para o caminho da prosperidade” Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil

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