Juiz de Fora, Minas Gerais, 6 de setembro de 2018. O candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) participa de um comício. Ele é carregado nos braços e está cercado por apoiadores. De repente, Adelio Bispo de Oliveira, de 48 anos, dá uma facada em Bolsonaro. O capitão reformado do Exército é levado às pressas para a Santa Casa da cidade, passa por uma cirurgia e mais tarde é transferido para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo. A mídia abre espaço para noticiar diariamente o estado de saúde do presidenciável e a comoção gerada pelo atentado o torna mais conhecido pelo eleitorado. Cinquenta e dois dias mais tarde, ele é eleito o novo presidente do Brasil .
Para os especialistas ouvidos pelo iG, além do aumento da exposição nos meios de comunicação, a facada em Bolsonaro fez com que ele se tornasse uma vítima e reconstruísse sua imagem pública. "Ele passou a ser o cara da família, ser um cara que corria um risco. Esse componente emocional funciona muito bem na transformação, na construção da imagem de alguém que se apresenta como uma possibilidade de salvador do país", explica o cientista político e professor da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Kleber Carrilho.
Na opinião do diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos (Abcop), Caio Manhanelli, o atentado contra o candidato do PSL ocorreu em um momento em que a tendência era de queda nas pesquisas, uma vez que, segundo o especialista, o presidenciável deixaria cada vez mais exposto “as suas falhas” durante os debates. "Ele já havia tido um desempenho ruim nos dois primeiros debates, ele não tem qualidade para argumentar. Até mesmo nas entrevistas isso ficou claro, ele estava conversando apenas com quem já era o seu eleitorado".
"Com a facada, o Bolsonaro sai de cena como se não quisesse sair, ele se coloca como vítima de uma violência. Nesse momento, as pessoas começam a fechar mais o seu voto e o tratar como mito mesmo. E ainda tem o nome do meio ' Messias ' para reforçar essa ideia de ‘salvador’", avalia Manhanelli.
Segundo Kleber Carrilho, a campanha soube aproveitar o momento. “Claro que isso não foi planejado, mas a campanha soube aproveitar muito bem o momento, justamente dando a ele esse caráter de um herói, que se arrisca, que coloca a vida em jogo por um bem maior, por uma salvação do país”, afirma.
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A professora de política da PUC de São Paulo Vera Chaia também afirma que a questão da “vitimização” foi bastante explorada tanto pelo candidato, quanto pela campanha. “Até nas últimas semanas [do segundo turno] eles resguardaram o Bolsonaro para ele não ir aos debates e isso o favoreceu. Porque pelo pouco que a gente conhece do Bolsonaro, o programa de governo dele não existe”, disse.
Os especialistas ouvidos pelo iG concordam que a facada não foi determinante para a eleição de Bolsonaro, no entanto, exerceu uma influência importante. "Com certeza, se não houvesse a facada, se houvesse mais debates, a gente não teria um resultado parecido com esse ou com essa construção. A gente poderia até ter uma vitória dele, até ter uma possibilidade de vitória dele, mas a construção seria muito diferente, não seria essa construção que foi uma tentativa de humanizá-lo", explicou Carrilho.
Para Caio Manhanelli, outros fatores se somam ao atentado ao explicar a vitória do candidato do PSL . O consultor político ressalta que as campanhas dos outros candidatos no primeiro turno foram "incompetentes" e não trouxeram propostas que alcançassem as pessoas. "As regras do marketing político foram esquecidas nessas eleições", afirmou o especialista.
"Só o PT, no segundo turno, conseguiu transmitir propostas, mas até ai Inês era morta", avalia Manhanelli.
"Foi uma campanha muito mais sustentada em falsa informação, em desinformação, foi mais um discurso de negação do que um discurso propositivo em relação ao que vai ser o país. Nenhum dos candidatos conseguiu dizer o que vai ser o Brasil, nem o próprio Bolsonaro", avalia o diretor da Abcop.
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Além da facada em Bolsonaro , o estrategista digital Rodrigo Gadelha enfatizou que a eleição foi "mais de conceitos, do que de propostas". "O efeito Bolsonaro nasceu com a questão do anti-PT, que foi usada também pelo ex-prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) em 2016", explicou. Gadelha também ressaltou a importância das redes sociais, principalmente do WhatsApp. "O digital fez total diferença", afirmou o estrategista digital.