Policiais fazem operação em universidades públicas e são acusados de censura
Policiais foram a pelo menos 17 universidades para tentar coibir propaganda eleitoral irregular. Estudantes e professores repudiaram ações, denunciaram excessos e acusaram operação de censura a três dias das eleições. Confira
Por Breno França | - iG São Paulo |
Estudantes e professores relataram a presença fiscais de tribunais regionais eleitorais e policiais nas universidades de pelo menos nove estados do País. Ao todo, pelo menos 17 universidades, todas elas públicas, foram alvo de operações da polícia a mando da Justiça Eleitoral que apreenderam materiais e fizeram ações de fiscalização nesta quinta-feira (25).
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Os relatos de fiscais e policiais nas Universidades foram coletados no Rio de Janeiro, Paraíba, Pará, Minas Gerais, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Os policiais disseram estar apenas cumprindo ordens judiciais e os juízes, por sua vez, afirmaram estar seguindo a legislação eleitoral, mas estudantes, professores e outras entidades da sociedade civil denunciaram abusos e acusaram a operação de censura.
No Rio de Janeiro, a juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, da 199ª Zona Eleitoral (Niterói) do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) determinou a retirada imediata de uma faixa com os dizeres "UFF Antifascista" da fachada do prédio do curso de Direito da universidade.
Ainda na terça-feira (23), a bandeira chegou a ser removida após a presença de policiais sem mandado judicial , mas logo depois foi recolocada por alunos. Na quinta-feira (25), no entanto, a juíza decidiu que o diretor da instituição responderia criminalmente caso não cumprisse o pedido.
A decisão judicial, proferida após 12 denúncias recebidas contra a faixa, diz que ela teria "conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL)" e afirmou que a propaganda político-partidária é proibida dentro de espaços como as universidades públicas.
Para a juíza, segundo consta na medida judicial, "a distopia simulada nas propagandas negativas contra o candidato Jair Bolsonaro, encontradas dentro da Faculdade de Direito da UFF, permite o reconhecimento do caráter político-eleitoral dos dizeres constantes da faixa em questão”.
Ainda segundo a magistrada, a decisão foi tomada a partir do relato de fiscais do TRE-RJ de que adesivos, cartazes e faixas encontrados no centro acadêmico do campus “associam o candidato Jair Bolsonaro ao fascismo e ao ódio”.
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O mandado judicial, porém, causou grande repercussão já que a faixa não citava nenhum partido e nenhum candidato, o que fez com que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seção do Estado do Rio de Janeiro, manifestasse repúdio "diante das recentes decisões da Justiça Eleitoral" que tentam "censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores das facudlades de Direito que, como todos os cidadãos, têm o direito constitucional de se manifestar politicamente."
A nota ainda afirma que "a manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral" e que "quaisquer restrições nesse sentido, levadas a efeito, sobretudo, por agentes da lei, sob o manto, como anunciado, de 'mandados verbais', constituem precedentes preocupantes e perigosos para a nossa democracia, além de indevida invasão na autonomia universitária garantida por nossa Constituição."
Em reação ao ocorrido, os estudantes da UFF cumpriram a decisão judicial e substituíram a faixa "UFF Antifascista" por uma nova bandeira com a palavra "censurado" na fachada do prédio. Além disso, marcaram uma manifestação "em defesa da democracia" para esta sexta-feira (26).
Ainda no Rio de Janeiro, também houve ação de policiais militares na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Lá, os oficiais pediram a retirada de duas faixas: uma em homenagem à vereador Marielle Franco (PSOL), assassinada em março, e outra em que aparecia escrita a mensagem "Direito Uerj Antifascismo".
Nesse caso, porém, a Universidade informou que, como não havia mandado judicial para a remoção, as bandeiras continuaram presentes na entrada do campus Maracanã da UERJ.
Também houve relatos de ações na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde uma faixa em que estava escrito "Ele Não" precisou ser removida do Diretório Central Estudantil (DCE), e na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Em resposta, mais de cinco mil pessoas confirmaram presença numa manifestação marcada para as 16h dessa sexta-feira (26) em frente ao TRE-RJ.
No texto que convida para o evento, o diretório diz que universidades em todo o Brasil “estão sendo alvo de um ataque covarde por parte da Justiça Eleitoral”. Os estudantes universitários também informam que o ato convocado pelo Diretório Acadêmico Afonso Arinos, da Faculdade de Direito da UniRio é em defesa da democracia e da liberdade de expressão.
Já no Rio Grande do Sul, a Justiça Eleitoral decidiu na última terça-feira (23) impedir a realização de um evento público denominado "Contra o Fascismo, Pela Democracia" que estava programada para ocorrer nesta sexta-feira (26) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob a alegação de que seria ato eleitoral dentro de uma instituição federal.
A decisão judicial assinada pelo juiz auxiliar Rômulo Pizzolatti, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), acatou o pedido do deputado federal Jerônimo Goergen (PP) e do deputado federal eleito Marcel van Hattem (Novo).
O juiz decidiu que "pelo contexto" é nítido que o ato "se trata de evento político-eleitoral, seja a favor do candidado Fernando Haddad, seja contra o candidato Jair Bolsonaro".
Em reação à decisão judicial, manifestantes realizaram um ato contra a decisão na quinta-feira (25). Um dos que estariam presentes no evento, o ex-governador e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro (PT), disse ter sido censurado e afirmou que até durante a ditadura militar (1964-1985) proferiu conferências e palestras dentro da universidade.
Enquanto isso, na Paraíba, houve ação em três universidades. Na manhã de quinta-feira, policiais federais estiveram na sede da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) para cumprir mandado de busca e apreensão de um panfleto denominado "Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública", bem como outros supostos materiais a favor de Fernando Haddad (PT).
Alunos e professores, no entanto, relataram que por dois dias (quarta e quinta), fiscais do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) e agentes da Polícia Federal abordaram pessoas pedindo seus dados pessoais, questionaram a disciplina que minsitram e o assunto que estava sendo abordado nas aulas.
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A reitoria da universidade e a associação de docentes confirmaram que homens entraram em várias aulas, entre elas uma aula de ética e que ontem, fiscais estiveram em um evento organizado pelos alunos "em defesa da democracia" e por todo o campus em busca de material de campanha.
O manifesto, no entanto, foi elaborado pelos docentes em assembleia no dia 17 de outubro e divulgado a partir do dia 18. No documento, que não faz referência a nenhum candidato ou partido, os professores elencam dez pontos que defendem que vão desde a "liberade de ensino e pesquisa" à "estabildiade dos servidores públicos" e à "valorização docente".
Segundo consta no documento apreendido pelos policiais "o ato educativo só é possível em um contexto de liberdade e de democracia, pois somente dessa forma podemos existir e exercer plenamente a nossa condição humana. Desse modo não aceitamos a destruição da educação pública e combatemos veementemente o ódio, a perseguição e a ignorância.”
Os mandados de busca e apreensão na Paraíba foram expedidos pelo juiz da 17ª zona eleitoral Horácio Ferreira de Melo Júnior. Em entrevista ao jornal O Globo
, ele admitiu que a ação foi para impedir atos políticos nas universidades.
O magistrado disse que "[a ação foi para] proibir o uso do espaço público, que é a universidade, a lei proíbe, para fazer política partidária" e afirmou que recebeu uma denúncia por telefone de um servidor da instituição no dia anterior de que estaria havendo panfletagem e manifestação política no pátio da universidade, onde, segundo o juiz, foram encontrados professores e membros de entidades associativas da universidade fazendo discursos contra um candidado e a favor de outro, além da distribuição de panfletos.
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O juiz eleitoral também afirmou que "não procede a denúncia de que foram fiscais em sala de aula".
A ação do juiz fez com que a associação dos professores da UFCG divulgasse nota afirmando que foram apreendidos pela Polícia Federal, dois HDs dos computadores da assessoria de imprensa da entidades e três HDs externos que estavam na associação.
Além disso, sete associações e sindicatos divulgaram uma outra nota conjunta repudiando "a extrapolação das autoridades responsáveis no cumprimento da lei" e afirmando esperar "imparcialidade" das autoridades na condução das ações relativas ao processo eleitoral.
No Mato Grosso do Sul, por sua vez, a Universidade Federal da Grande Dourados, em Dourados (MS), o TRE confimou que, com um mandado judicial, interrompeu aula sobre fascismo. O evento era uma palestra organizada pelo Diretório Central dos Estudantes da UFGD.
A denúncia foi anônima e afirmava que o evento se chamava “Esmagando o fascismo - o perigo da candidatura Bolsonaro”. Em nota, o DCE nega que esse tenha sido o nome usado, sendo o verdadeiro título “Aula Pública sobre Fascismo”. Em uma publicação nas redes sociais, o DCE publicou uma nota sobre o caso, explicando que o evento já acontecia há uma hora quando a polícia chegou.
“O microfone da atividade estava livre para estudantes que se manifestavam sobre a conjuntura política, as posturas de ódio, violência e a ameaça fascista. No momento da chegada do mandado as falas foram interrompidas. A Polícia Federal também abordou integrantes do DCE, coletou nomes e tirou fotos da bandeira da nossa organização. Repudiamos esse ato de censura à liberdade de manifestação e reunião de pessoas”, afirmou o DCE em nota.
No Pará, PMs entraram armados na tarde de quarta-feira (24) em um campus da Universidade do Estado do Pará (UEPA) para averiguar o teor ideológico de uma aula e, segundo testemunhas, ameaçaram de prisão um professor. A polícia foi chamada por uma das alunas, que é filha de um policial, após o docente ter feito uma menção à produção de fake news.
O professor Mário Brasil Xavier, coordenador do Curso de Ciências Sociais da UEPA, conta que realizava um curso e, em tom de brincadeira com outra aluna, sugeriu que a divulgação dos slides da aula não gerasse fake news quando uma das alunas se sentiu ofendida e chamou o pai policial.
Já em São Paulo, estudantes da Universidade de São Paulo (USP) relataram a presença extraordinária de força policial na noite de quinta-feira (25) e na manhã desta sexta-feira (26). Os policiais tentaram impedir a realização de um festa no espaço de convivência da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP que é realizada tradicionalmente às quintas-feiras há 16 anos.
A festa tinha como temática o aniversário de morte de 43 anos do jornalista e professor da Escola, Vladimir Herzog, torturado e assassinado pelo regime militar nas instalações do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), no quartel-general do II Exército, no município de São Paulo, após ter se apresentado voluntariamente ao órgão para "prestar esclarecimentos" sobre suas "ligações e atividades criminosas".
Na abertura da seção solene em alusão à memória de Vladmir Herzog, o Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALP) da ECA-USP leu um manifesto e divulgou uma nota oficial em face da presença da Polícia Militar (PM) no campus da USP.
O evento e a presença de policiais militares ocorreu na mesma quinta-feira em que a Congregação da ECA, coletivo de professores do Insituto, divulgou manifesto em que afirma se juntar "a tantas outras vozes que ecoam 'Ele Não'!" e também afirma ter aprovado seu apoio à Carta das Universidades pela Democracia, "documento já assinado por diversos professores da USP."
O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), por sua vez, também confirmou que notificou a Universidade Federal de São João Del Rey por uma nota que teria sido publicada no site da universidade em "repúdio ao candidato Jair Bolsonaro".
Em nota, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação disse repudiar "decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de membros de comunidades acadêmicas, ferindo seus direitos civis e políticos, bem como o princípio constitucional da autonomia universitária".
No Facebook, o professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, Pablo Ortellado, fez um post reunindo os relatos de onde houve a presença de policiais nas universidades.
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Segundo o levantamento coletivo, houve relatos da presença de policiais nas universidades recebidos da UFGD (Dourados, MS), UEPA (Iguarapé-Açu, PA), UFCG (Campina Grande, MS), UFF (Niterói, RJ), UEPB (João Pessoa, PB), UFMG (Belo Horizonte, MG), Unilab (Palmares, CE), SEPE (Rio de Janeiro, RJ), Unilab (Fortaleza, CE), UNEB (Serrinha, BA), UFU (Uberlândia, MG), UFG (Goiânia, GO), UFRGS (Porto Alegre, RS), UCP (Petrópolis, RJ), UFSJ (São José, MG), UERJ (Rio de Janeiro, RJ), Ufersa (Mossoró, RN), Ufam (Manaus, AM), UFFS (Chapecó, SC), UFRJ (Rio de Janeiro, RJ), IFB (Brasília, DF), Unila (Foz do Iguaçu, PR), UniRio (Rio de Janeiro, RJ), Unifap (Macapá, AP), UEMG (Ituiutaba MG), UFAL (Maceió, Alagoas), IFCE (Fortaleza, Ceará), UFPB (Recife, Pernambuco), UFRPE (Serra Talhada, PE) e Unesp (Botacatu, SP).