Para os autores do manifesto, é necessário um movimento contra o projeto de Bolsonaro, considerado antidemocrático
Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Para os autores do manifesto, é necessário um movimento contra o projeto de Bolsonaro, considerado antidemocrático

Neste domingo (23), um grupo de economistas, advogados, ativistas e empresários publicou um manifesto contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência. Chamado de “Pela democracia, pelo Brasil”, o documento é assinado por 333 pessoas e não indica apoio específico a qualquer um dos adversários do deputado, mas faz críticas duras ao presidenciável.

Leia também: Bolsonaro é "ameaça para o Brasil e para a América Latina", diz The Economist

Para os autores do manifesto, é necessário um movimento contra o projeto de Bolsonaro , considerado antidemocrático e negativo à "existência de um passado autoritário" no Brasil. Segundo o texto, a candidatura do deputado representa "uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial" e é preciso recusar sua normalização.

"Prezamos a democracia . A democracia que provê abertura, inclusão e prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo", diz o documento. "Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes possam convergir nisso".

O manifesto ainda cita os nomes de Jânio Quadros e Fernando Collor de Melo, considerados "outros pretensos heróis da pátria" que foram eleitos como supostos "redentores da ética e da limpeza política”, mas que acabaram levando o país ao desastre.

Os autores também se disseram testemunhas de outras experiências autoritárias pelo mundo, desencadeadas pela expectativa de reagir a crises ou superar impasses políticos, mas que afundaram os países que comandavam. "[...] líderes fascistas [...] foram originalmente eleitos com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários", defendem.

Leia também: Paulo Guedes cancela compromissos após Bolsonaro baixar ordem de silêncio

Entre os nomes que assinam o manifesto, estão o do médico Drauzio Varella ; do economista Bernard Appy; da educadora e acionista do Itaú Unibanco Maria Alice Setúbal; do cantor Caetano Veloso; do advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carlos Vilhena; e das atrizes Camila Pitanga, Dira Paes e Letícia Colin.

O documento, fechado na última quinta-feira (20) e lançado na tarde deste domingo, está hospedado num  site próprio do movimento. A lista de signatários ficará aberta para quem quiser incluir seu nome.

Na última quinta-feira (20), a capa da revista britânica The Economist, uma das publicações de maior prestígio internacional, trouxe o rosto de Bolsonaro ao lado da chamada:
Reprodução/The Economist
Na última quinta-feira (20), a capa da revista britânica The Economist, uma das publicações de maior prestígio internacional, trouxe o rosto de Bolsonaro ao lado da chamada: "A mais nova ameaça à América Latina"


Leia abaixo o texto do manifesto na íntegra:

Pela Democracia, pelo Brasil

Somos diferentes. Temos trajetórias pessoais e públicas variadas. Votamos em pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e projetos distintos para nosso país, muitas vezes antagônicos.

Mas temos em comum o compromisso com a democracia. Com a liberdade, a convivência plural e o respeito mútuo. E acreditamos no Brasil. Um Brasil formado por todos os seus cidadãos, ético, pacífico, dinâmico, livre de intolerância, preconceito e discriminação.

Como todos os brasileiros e brasileiras sabemos da profundidade dos desafios que nos convocam nesse momento. Mais além deles, do imperativo de superar o colapso do nosso sistema político, que está na raiz das crises múltiplas que vivemos nos últimos anos e que nos trazem ao presente de frustração e descrença.

Mas sabemos também dos perigos de pretender responder a isso com concessões ao autoritarismo, à erosão das instituições democráticas ou à desconstrução da nossa herança humanista primordial.

Podemos divergir intensamente sobre os rumos das políticas econômicas, sociais ou ambientais, a qualidade deste ou daquele ator político, o acerto do nosso sistema legal nos mais variados temas e dos processos e decisões judiciais para sua aplicação. Nisso, estamos no terreno da democracia, da disputa legítima de ideias e projetos no debate público.

Quando, no entanto, nos deparamos com projetos que negam a existência de um passado autoritário no Brasil, flertam explicitamente com conceitos como a produção de nova Constituição sem delegação popular, a manipulação do número de juízes nas cortes superiores ou recurso a autogolpes presidenciais, acumulam declarações francamente xenofóbicas e discriminatórias contra setores diversos da sociedade, refutam textualmente o princípio da proteção de minorias contra o arbítrio e lamentam o fato das forças do Estado terem historicamente matado menos dissidentes do que deveriam, temos a consciência inequívoca de estarmos lidando com algo maior, e anterior a todo dissenso democrático.

Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos assim. Tivemos em Jânio e Collor outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política, para nos levar ao desastre. Conhecemos 20 anos de sombras sob a ditadura, iniciados com o respaldo de não poucos atores na sociedade. Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo, deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína econômica. Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários.

Em momento de crise, é preciso ter a clareza máxima da responsabilidade histórica das escolhas que fazemos.

Esta clareza nos move a esta manifestação conjunta, nesse momento do país. Para além de todas as diferenças, estivemos juntos na construção democrática no Brasil. E é preciso saber defendê-la assim agora.

É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre nós.

Prezamos a democracia. A democracia que provê abertura, inclusão e prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo. Que nos trouxe nos últimos 30 anos a estabilidade econômica, o início da superação de desigualdades históricas e a expansão sem precedentes da cidadania entre nós. Não são, certamente, poucos os desafios para avançar por dentro dela, mas sabemos ser sempre o único e mais promissor caminho, sem ovos de serpente ou ilusões armadas.

Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes possam convergir nisso. E para que possamos, na soma da nossa pluralidade e diversidade, refazer as bases da política e cidadania compartilhadas e retomar o curso da sociedade vibrante, plena e exitosa que precisamos e podemos ser.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!