Ministro do Trabalho entre 2005 e 2007 e da Previdência Social entre 2007 e 2008, durante o governo do ex-presidente Lula, e duas vezes prefeito de São Bernardo do Campo, entre 2009 a 2017, Luiz Marinho falou ao IG nesta semana sobre a difícil missão que recebeu do Partido dos Trabalhadores: disputar o governo de São Paulo, estado mais rico da federação e que há mais de 20 anos é governado pelo principal adversário político do PT, o PSDB.
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Atualmente em quarto lugar nas pesquisas eleitorais, pontuando magros 3% nos levantamentos de intenções de voto, Luiz Marinho crê, no entanto, que “para tudo há uma primeira vez”, e que nas eleições de 2018 o partido reúne os fatores necessários para disputar a valer o governo do estado.
Isso porque, avalia o candidato, o PT já teria atravessado seu inferno astral no que diz respeito à rejeição junto ao eleitor: as eleições de 2016, quando o próprio Marinho, acossado por planilhas apresentadas pela Odebrecht que o acusam de ter recebido doações via caixa 2, o que ele nega, não conseguiu eleger seu sucessor em São Bernardo. No mesmo pleito, Fernando Haddad perderia a reeleição na capital do estado para o tucano João Doria.
De lá pra cá, o ex-ministro petista acredita que parte da população “se arrependeu” do apoio dado ao impeachment de Dilma Rousseff, que ele classifica como “golpe orquestrado pelo consórcio PMBD-PSDB”.
Os eleitores de João Doria, líder nas pesquisas mais recentes na disputa pelo governo de São Paulo, prossegue Marinho, estariam também desencantados com o tucano por ele ter descumprido sua promessa de concluir o mandato na prefeitura de São Paulo.
O ex-prefeito de São Bernardo apresenta números para corroborar sua tese: em 2016, o PT bateu no fundo do poço das pesquisas sobre preferência eleitoral, sendo apontado por 9% dos entrevistados como o partido preferido. Já em abril deste ano, 20% dos consultados indicou simpatia pelo PT – contra 4% do MBD e 3% do PSDB. Os dados são do instituto Datafolha.
Acompanhe, abaixo, os principais lances da entrevista com Luiz Marinho, candidato petista ao governo de São Paulo.
Alexandre Padilha, Aloizio Mercadante e José Genoíno já concorreram ao governo do estado de São Paulo pelo PT e perderam. Qual a estratégia da sua campanha para romper mais de 20 anos de governos tucanos no estado?
Para tudo existe a primeira vez, e creio que chegou a nossa hora. Batemos na trave nas eleições de 2002 [quando o PT chegou ao segundo turno contra Geraldo Alckmin], e a Marta Suplicy, que nos trairia durante o impeachment da Dilma, poderia ter ganhado a eleição contra Mário Covas em 1998, não fosse a grande manobra de ‘voto útil’ para evitar um segundo turno entre Maluf e o PT [na ocasião, a diferença entre Marta e Covas no 1º turno foi de 0,4%].
A eleição deste ano, ainda, será diferente de todas as que vimos até agora: pela primeira vez o PSDB não terá como candidato Geraldo Alckmin, José Serra ou Mário Covas. E os governos tucanos em São Paulo têm muito a cara e a marca destes três políticos, que, hoje sabemos, é a cara da ineficiência, do descompromisso, do estado parado. Essa é cara do PSDB que governou por mais de 20 anos e não resolveu os principais gargalos do estado.
Talvez esteja aí explicação de o Alckmin patinar nas pesquisas eleitorais pela presidência mesmo no estado que seu partido governa há tanto tempo. Por tudo isso, trata-se de uma eleição aberta, daí nossa grande oportunidade de disputar para valer.
São Paulo é o estado da fundação do PT e, no entanto, é também onde lidera as pesquisas o ex-prefeito João Doria, político que adota um discurso antipetista. Porque o antipetismo é tão visível no estado de São Paulo?
Isso é muito relativo. O PT já governou cidades pequenas, médias e grandes no estado, estando à frente da capital em três oportunidades. Por isso, esse antipetismo tão relatado é muito relativo.
Mesmo com as vitórias do PSDB para o governo, o PT é bem votado, tendo a maior bancada de deputados federais no estado e diversos senadores eleitos. Ocorre que nunca conseguimos reunir os fatores necessários para eleger um governador. Mas neste ano a tendência é que os candidatos cheguem todos embolados no primeiro turno.
O João Doria lidera, mas é altamente rejeitado na capital, onde o povo viu seu descompromisso com a cidade e sua incompetência. Vamos levar ao interior do estado essa rejeição contra ele. O João “sem palavra” Doria [sic] já está caindo, e é inevitável que a nossa candidatura cresça.
Mas durante os protestos pelo impeachment de Dilma, por exemplo, diversas manifestações de antipetismo tomaram as ruas de São Paulo.
O impeachment já passou, e o povo foi iludido não só em São Paulo, mas no Brasil inteiro. Foi um momento de ódio à política habilmente conduzido pelo “consorcio PMDB-PSDB” que, aliado ao massacre midiático e ao mau momento da economia, impediu a Dilma de se mexer no governo depois da reeleição de 2014. O próprio Aécio Neves falou em “obstruir” o Congresso até que o impeachment fosse votado.
Isso, naturalmente, teve impacto nas eleições de 2016, mas a inflexão do ódio já passou. O povo se sente enganado pelos condutores do impeachment e aí está parte da explicação de o PT ter crescido tanto nos últimos meses – o indicador de preferencia partidária, que consideramos uma boa ferramenta para medir isso, vem subindo tanto em São Paulo quanto em São Bernardo do Campo desde 2016, quando estávamos em nosso pior momento.
Estamos recuperando aquelas pessoas que em 2016 não queriam sequer nos ouvir e agora querem.
E como dialogar com o eleitor que segue desanimado com a política, e que muitas vezes está inclinado a abraçar propostas autoritárias?
Essa tendência ao autoritarismo é grande, mas minoritária. O Lula , por exemplo, está bem na frente de todos os outros candidatos, de forma que aqueles que mantêm ativo o bom senso são a grande maioria do povo brasileiro.
O Bolsonaro não é mais do que o líder de uma facção; tem muita gente o seguindo hoje, mas não o bastante para vencer uma eleição majoritária – a candidatura dele, na verdade, não ameaça ninguém, apenas o PSDB, que perde os eleitores da direita mais radical.
O Bolsonaro é cria e problema do PSDB, não preocupa ao PT de maneira alguma. Eles pregaram o ódio contra o PT e criaram o Bolsonaro. E quem tem ódio tem ódio, não consegue ouvir e dialogar. Mas a grande maioria do povo brasileiro não carrega esse ódio.
O PT reafirma que lançará Lula ao Planalto, mas é incerta sua presença nas eleições. A indeterminação jurídica sobre a candidatura de Lula tem dificultado a formação de alianças políticas do partido no estado de São Paulo e em nível nacional?
Não. O fato está bastante delineado. O Ciro Gomes é candidato e tem o direito de ser. O PSOL teria candidato de toda forma, se não o Boulos, que não concorreria contra Lula, algum outro. Temos a certeza, inclusive do ponto de vista jurídico, de que o Lula tem condições de ser candidato.
A única possibilidade de ele não ser candidato é se estuprarem a legislação, e, se eles rasgarem mesmo a Constituição, vamos discutir lá na frente o que o partido deve fazer.
Essa é a aposta do PT, e os partidos que quiserem se unir conosco nesta aposta, que venham se juntar a nós. Quem não quiser, que vá se aventurar por aí, as aventuras eleitorais são muitas e estão aí postas.
Mas, quanto às alianças partidárias, tenho também minhas apostas. Aposto que o PCdoB virá conosco. Não descarto, por exemplo, que a deputada Manuela D´Ávila componha uma chapa com o PT como vice de Lula.
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O PT perdeu as eleições de 2016 tanto em São Bernardo do Campo quanto na capital paulista. Porque o eleitor não quis a continuidade do partido nessas prefeituras?
Perdemos as eleições em função do estado emocional do eleitor em 2016. Em 2014 já vencemos de forma complicada, com pequena margem de vantagem, pois o estado de evolução do ódio que desaguou no impeachment de Dilma já vinha forte.
Em São Bernardo muita gente me dizia, nas ruas, que eu poderia contar com o voto deles se fosse candidato, mas no PT não aceitavam mais votar. Não quiseram ouvir, não tinham a disposição.
Assim, foi o conjunto desses fatores negativos que resultou na desastrosa eleição do Doria em São Paulo. Mas muitos dos que votaram nele em 2016 hoje se arrependem, pelo descompromisso de Doria com a prefeitura. Isso impactará nas eleições deste ano.
Uma de suas propostas é dobrar o salário dos professores da rede estadual. Qual a engenharia orçamentária necessária para cumprir esse compromisso em um cenário de evidente crise econômica do estado?
É questão de competência e prioridades. Basta olhar as confusões das merendas no estado, obras de metro fraudadas, ou o caso das propinas no Rodoanel – talvez pelo largo tempo do PSDB no poder, a máquina do estado está enferrujada. Esse necessário saneamento das finanças do estado nós vamos fazer.
Além disso, de forma não clara, há uma verdadeira confraria entre os devedores de impostos e o estado de São Paulo; não da mercearia da esquina, mas de grandes empresas.
Há também gastos mal feitos. Vamos enxugar gastos onde for preciso. Fiz isso em São Bernardo do Campo, melhorei efetivo de professores e aumentei salários. É plenamente possível fazer o estado diferente do que eles há mais de 20 anos vêm fazendo.
O número de ocorrências de estupros no estado de São Paulo cresceu 6,6% entre 2011 e 2017. A sua candidatura tem propostas específicas para prevenir e combater a violência contra a mulher?
Partindo de debates com os movimentos feministas, será o caso de reestruturar as delegacias da Mulher e os centros de referencia da mulher.
Mas para abordar esse e outros problemas, precisaremos reestruturar toda a segurança do estado. Esse governo faz um malabarismo tremendo para apontar melhoras nas estatísticas da segurança, mas todos os indicadores pioraram – o de homicídios diminuiu, mas ao custo de um acordo escuso com o PCC [facção criminosa que opera nos presídios do país].
A Polícia Civil, por exemplo, está sem capacidade de investigar, com pouco equipamento e pessoal. É preciso recompor os efetivos, investir mais em ferramentas tecnológicas.
O roubo de carga é outro indicador crescente no estado. Existe tecnologia à disposição para atacar esse problema, o que falta é vontade política. A questão dos presídios, absolutamente tomados pelo PCC, é o mesmo caso. Precisamos, portanto, remontar as forças de segurança pública no estado.
A corrupção é uma das principais preocupação do eleitor, sendo mencionada por 62% dos entrevistados em pesquisa do Ibope. O senhor foi acusado por delatores da Odebrecht de receber doações via caixa 2 e já foi processado pelo Ministério Público por “conluio e desvios” na construção do Museu do Trabalhador. Acredita que essas acusações podem atrapalhá-lo durante a campanha, e como responde a elas?
Não acredito, até porque o eleitorado já se debruçou bastante sobre esse debate da corrupção. Combater a corrupção não é mérito de ninguém, mas obrigação de todos.
O Ministério Público faz muitas vezes o papel de acusador irresponsável, e temos visto que nem todo o judiciário se pauta pela verdade. Desafio os promotores a provarem um único centavo de desvio no Museu do Trabalhador. De minha parte, quero mais é que o processo ande rápido para que eu seja rapidamente inocentado, já que resta ainda em nós alguma confiança na Justiça.
Quanto ao Leo Pinheiro, que me acusou em sua delação, trata-se de um grande e reconhecido mentiroso, e os procuradores se baseiam em ilações baratas para me acusar.
Muitos eleitores de São Bernardo apontam que a sua gestão deixou um grande número de obras paralisadas na cidade. Como o sr. explica essas obras paralisadas?
Quando assumi a prefeitura, daria graças a Deus que meu antecessor tivesse deixado obras em andamento para eu poder concluir. Nós deixamos obras com o planejamento detalhado em andamento, com recursos da prefeitura, do governo do estado e federais para que fossem concluídas.
Mas meu sucessor [Orlando Morando (PSDB)], de forma irresponsável, deixou as obras paradas para poder atribuir a mim as paralizações. Não por menos, mesmo as obras que ele concluiu em sua gestão fui eu quem começou – nenhuma foi pensada e planejada por ele.
Em alguns casos específicos ocorreu, também, de o ex-governador Geraldo Alckmin prometer orçamento para a conclusão de obras no centro da cidade e não honrar com sua palavra, o que parece ser uma prática comum entre tucanos.
O gestor que planeja obras para apenas quatro anos, enfim, é incompetente e irresponsável. Eu planejei a cidade para os próximos vinte anos. Não é possível enxergar só o que podemos fazer no período do mandato, precisamos enxergar o que a cidade pode fazer.
André Singer, em “Os Sentidos do Lulismo”, escreveu que o governo Lula se distanciou das bases sindicais e se aproximou do empresariado, desmobilizando de certa forma o movimento operário. O sr. acompanha essa avaliação? Foi um erro estratégico do partido?
Por isso que não escrevo livros, para não incorrer nesse tipo de erro. Esse é o registro da leitura dele, concordo em parte, não totalmente. Governar um país é mais do que ter relacionamento com suas bases históricas, é precisos ampliar a relação com o país como um todo.
Nos distanciamos das bases em que sentido? Os movimentos sociais apoiaram a reeleição de Lula, fez a sucessão com a Dilma, reelegeu Dilma, mobilizou-se contra o impeachment.
Além disso, é preciso compreender que temos um povo diferente. Se fosse na Argentina, por exemplo, era manifestações de milhões todos os dias contra o governo Temer. Aqui preferimos nos mobilizar pelo voto – por isso o Lula é líder em todos os cenários em que é mencionado ao eleitor.
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* A entrevista com Luiz Marinho é a primeira de uma série de entrevistas com os candidatos ao governo de São Paulo.