Marqueteiros dizem que Lula sabia de caixa 2 de R$ 10 milhões em sua campanha

"Não conheci nenhum candidato que não soubesse dos detalhes da administração financeira de suas campanhas", afirmou João Santana em depoimento ao juiz Moro; Mônica Moura também foi ouvida nesta segunda

Ex-marqueteiro do PT, João Santana prestou depoimento como testemunha de acusação em ação sobre sítio de Atibaia
Foto: Reprodução/JFPR
Ex-marqueteiro do PT, João Santana prestou depoimento como testemunha de acusação em ação sobre sítio de Atibaia

O juiz federal Sérgio Moro ouviu nesta segunda-feira (5) em Curitiba os publicitários João Santana e Mônica Moura no âmbito da ação penal da Operação Lava Jato em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é investigado por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em episódios envolvendo o sítio Santa Bárbara , em Atibaia, no interior de São Paulo.

Além do casal de ex-marqueteiros que atuaram nas campanhas de Lula e Dilma à Presidência da República, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba também tomou o depoimento do ex-gerente da Petrobras Eduardo Costa Vaz Musa. Os três foram ouvidos na condição de testemunhas da acusação no processo, que tem, além do ex-presidente, outros 12 réus. A lista inclui os empreiteiros Léo Pinheiro (OAS), Emílio Odebrecht e seu filho, Marcelo Bahia Odebrecht, o pecuarista José Carlos Bumlai, o advogado Roberto Teixeira e Fernando Bittar, que é o dono oficial do sítio de Atibaia.

Nessa ação penal, Lula responde por acusação de ter dissimulado e ocultado a origem de R$ 150 mil por meio de repasses a José Carlos Bumlai, a Fernando Bittar e a Rogério Pimentel – valor que posteriormente foi empregado em reformas no sítio de Atibaia. Esse dinheiro, segundo a acusação, era parte do valor empenhado por empreiteiras para pagar agentes do Partido dos Trabalhadores em troca de contratos com a Petrobras.

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Caixa dois de R$ 10 milhões na campanha de Lula em 2006

Em seu depoimento, Eduardo Musa admitiu que recebeu propina por meio de transferências no exterior em razão da contratação dos serviços da Schahin para operar a sonda Vitória 10.000 da Petrobras. "Fui informado que esse contrato, de alguma maneira, quitaria a dívida que o PT teria com o Banco Schahin, dívida essa contraída durante a campanha de 2006", explicou o ex-gerente da estatal.

A menção de Musa a supostas "dívidas" do PT referentes à campanha de 2006 se conecta com o depoimento de João Santana. O publicitário relatou que a campanha para a reeleição de Lula contou com dinheiro de caixa dois da empreiteira Odebrecht, que eram repassados à sua empresa por meio de uma conta na Suíça e também em dinheiro em espécie. A prática, segundo o delator, foi sugerida pelo ex-ministro Antonio Palocci.

"Era fundamental que essa campanha não tivesse nenhum tipo de caixa dois. Ele [Palocci] concordou, mas depois começou a dizer que teria dificuldades. Dois meses depois ele disse que seria impossível cumprir o pagamento de forma oficial, mas que tinha uma forma segura de receber o pagamento não oficial", relatou Santana. O "meio seguro" era fechando acordos com a construtora Odebrecht, segundo o publicitário.

Questionado por Moro se chegou a discutir sobre caixa dois com Lula, Santana negou, mas disse que o ex-presidente sabia da prática em sua campanha. "Eu deduzia que ele sabia exatamente do que estava se tratando. Eu não conheci nenhum candidato que não soubesse dos detalhes da administração financeira de suas campanhas", disse o publicitário. 

Em depoimento prestado em seu acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), Santana foi mais enfático em sua afirmação. "O Palocci, nas conversas com a Mônica [Moura], sempre dizia: 'A palavra final é do chefe'", disse o publicitário, que ao ser perguntado se o "chefe" é o ex-presidente Lula, assentiu: "É o Lula".

O publicitário também disse que não tinha conhecimento de qualquer relação entre as doações da Odebrecht e contratos da empreiteira com a Petrobras.

Mônica Moura disse ao juiz de Curitiba que seus principais contatos para discutir pagamentos de campanhas do PT eram Palocci e o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto. "Todas as campanhas que nós fizemos, para todos os partidos que trabalhamos, foram feitos com pagamentos oficiais e pagamentos não contabilizados. Sempre", disse Mônica, que era responsável pela parte financeira da empresa de publicidade em que é sócia de Santana.

Em relação à campanha de 2006, Mônica disse que foi recebido um total aproximado de R$ 18 milhões, sendo cerca de "mais ou menos R$ 10 milhões em caixa dois e R$ 8 milhões em [doação] oficial". 

Foto: Reprodução/Polícia Federal
Documento da Polícia Federal mostra fotos de Lula com engenheiro da OAS no sítio da OAS

De acordo com a acusação do Ministério Público Federal (MPF), o montante de R$ 150 mil usado nas reformas do sítio em Atibaia seria "proveniente de crimes de gestão fraudulenta, fraude a licitação e corrupção no contexto da contratação para a operação da sonda Vitória 10.000 da Schahin pela Petrobras".

A defesa do petista nega as acusações e alega que a denúncia oferecida pelo MPF mostra "desesperada tentativa para justificar à sociedade a perseguição imposta ao ex-presidente nos últimos dois anos, com acusações frívolas e com objetivo de perseguição política".

No fim de janeiro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre,  rejeitou pedido dos advogados do ex-presidente para afastar o juiz Sérgio Moro do caso.

Além das três pessoas ouvidas hoje, o juiz de Curitiba terá audiências com outras 19 testemunhas de acusação até o fim deste mês. Entre elas estão o ex-senador Delcídio do Amaral e os ex-diretores da Petrobras Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa.

Lula réu

Além desse processo sobre o sítio de Atibaia, Lula responde ainda a outras seis ações penais. Em uma delas, a do caso tríplex, o ex-presidente já foi condenado em segunda instância a cumprir 12 anos e 1 mês de prisão . Ainda cabe recurso à última instância da Justiça, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou até mesmo no Supremo Tribunal Federal (STF).

O petista também responde a mais um processo em Curitiba e a outras quatro ações penais na Justiça Federal em Brasília. No Paraná, Lula é réu em ação sobre propina da Odebrecht mediante à compra de um terreno para o Instituto Lula e de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) – além do caso do sítio.

Já na capital federal, o ex-presidente responde por suposto crime de tráfico de influência no BNDES para favorecer a Odebrecht, por suposta tentativa de obstrução à Justiça no episódio que levou o ex-senador Delcídio do Amaral à prisão, por tráfico de influência na compra de caças suecos da Saab e por supostamente ter favorecido montadoras com a edição de medida provisória em 2009. Lula nega todas as acusações.