O lobista Lúcio Funaro prestou depoimento nesta terça-feira (21) na condição de testemunha de acusação contra o ex-ministro Geddel Vieira Lima
. O ex-corretor de valores foi ouvido pelo juiz Alexandre Vidigal, que substituiu na 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília o juiz Vallisney de Souza Oliveira, que está em férias.
Ex-articulador político do governo Temer, Geddel Vieira Lima
é acusado nesta ação penal de tentativa de embaraço a investigações
ao supostamente intimidar a esposa de Funaro, Raquel Pitta, visando evitar que o lobista firmasse um acordo de delação que pudesse comprometê-lo.
Lúcio Funaro negou em seu depoimento que sua esposa tivesse relatado ter sofrido algum tipo de ameaça do ex-ministro, mas afirmou que os reiterados contatos telefônicos feitos por Geddel a Raquel fizeram com que ele receasse retaliações dos "demais membros do primeiro escalão do governo".
"Eu não teria receio dele [Geddel] pessoalmente. Mas, como ele era membro do primeiro escalão do governo, eu tinha receio do que os demais membros pudessem fazer. Foi imputado a mim a entrega de R$ 4 milhões ao senhor José Yunes, e eu nunca entreguei. Na verdade eu recebi dele R$ 4 milhões para entregar ao Geddel. Aí eu fiquei assustado que dentro do próprio governo não havia uma linha para resolver os assuntos que estavam pendentes. O melhor amigo do presidente atacando um outro que é muito amigo do presidente. Aí eu fiquei muito preocupado. É como se fosse um carro sem direção. Não tinha comando", disse o lobista.
Preso desde julho de 2016, Funaro contou que esperava ser solto em sua audiência de custódia realizada em novembro daquele ano – o que não ocorreu. Ainda na sede da Justiça Federal em Brasília, o advogado Daniel Gerber, que havia sido dispensado por Funaro, teria dito ao lobista que "sabia que isso ia acontecer" pois "seu chefe já tinha avisado".
"Aí eu falei pra ele mandar um recado para o chefe dele e para o amigo do chefe dele, que era o Eliseu Padilha [ministro da Casa Civil], que eu vou arrebentar com eles dois se eles encherem meu saco. Essa foi uma das coisas que aconteceram e fizeram ter um certo receio de que, no caso de eu vir a delatar, tivesse algum problema de retaliação por parte do governo", disse Funaro.
Cerco a Raquel Pitta e receio de Funaro
Esposa de Funaro, Raquel Pitta é um dos pivôs do caso e foi a primeira a ser ouvida na tarde desta terça-feira. Também depôs ao Juízo de Brasília a irmã do lobista, Roberta Funaro.
De acordo com perícia realizada por investigadores da Polícia Federal no celular de Raquel, a esposa de Funaro recebeu 16 ligações de Geddel e efetuou uma única chamada ao ex-ministro em apenas 19 dias, no período entre 13 de maio e 1º de junho deste ano.
Em audiência de custódia realizada em julho deste ano com o próprio juiz Vallisney, o ex-ministro negou que telefonava com frequência para a esposa de Funaro e chegou a dizer que ligou por engano para Raquel Pitta ao tentar discar o número da pediatra de seu filho mais novo.
"Se olharem as ligações que eu fiz, vai ver que tem duas ou três ligações que nem se completam. Se você olhar o meu celular, vai ver que embaixo da pessoa que eu cadastrei posteriormente, tem o nome da pediatra do meu filho que ficou internado praticamente naquele dia. Quando eu vi que era outra ligação, imediatamente eu cancelei", explicou Geddel na ocasião. "A única ligação que foi feita foi o retorno da ligação da pessoa, que eu já conhecia, e só falei 'oi, tudo bom? parabéns' [...] Mas não há fala. Não há nada. Não houve mensagem escrita. Foi só o registro de uma ligação", completou.
Raquel, por sua vez, confirmou nesta tarde que Geddel ligava para ela com frequência, especialmente às sextas-feiras, que é o dia de visitas no complexo da Papuda, onde ela ia visitar Funaro.
Apesar do cerco do ex-ministro, Raquel disse que imaginava que as ligações de Geddel tratavam-se apenas da preocupação natural de um amigo com outro. "Ele [Geddel] nunca foi incoveniente. Muito pelo contrário. Ele sempre foi muito gentil, muito atencioso. Mas a ligação por trás podia ter esse interesse de saber como estava o Lúcio [Funaro]. Eu tinha uma percepção de que era uma coisa de preocupação com o amigo".
À época das investigações preliminares, Raquel Pitta relatou aos investigadores que, quando Lúcio Funaro decidiu substituir o advogado Daniel Gerber pela advogada Vera Carla em sua defesa, o ex-ministro Geddel enviou mensagens a ela reclamando dessa manobra.
"Geddel mandou mensagem via WhatsApp dizendo, ao que se recorda: 'que porra é essa' e reclamou da troca de advogado de Lúcio, e disse que o advogado era bom e estaria fazendo tudo certinho, que estaria tudo certo para a saída dele, mas que com a entrada de Vera Carla tinha 'ficado ruim para o juiz'", aponta a transcrição do depoimento de Raquel. Essas mensagens, conforme relatou a esposa de Funaro, foram exibidas a Roberta Funaro durante um almoço.
Para os procuradores responsáveis pela denúncia contra o ex-ministro, as declarações de Funaro e Raquel indicam que Geddel "não só tentava monitorar o ânimo de Lúcio Funaro em fazer possível colaboração premiada como também alegava, perante ele e sua família, exercer (direta ou indiretamente) influência sobre decisões que interessariam à defesa" do lobista.
Funaro afirmou em depoimento que essas comunicações de Geddel com sua esposa o fizeram ter "receio sobre a segurança de sua esposa e filha, já que elas faziam deslocamentos para o presídio da Papuda [onde o lobista está preso] em estrada pouco movimentada".
Os processos de Geddel
Além dessa ação penal, Geddel ainda responde a outro processo na Justiça Federal no DF, que investiga a origem dos R$ 51 milhões apreendidos em apartamento usado pelo ex-ministro em Salvador. Preso preventivamente desde esse episódio, Geddel também é acusado de integrar o chamado ' quadrilhão do PMDB na Câmara'
. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda irá definir se essa investigação vai tramitar na própria Corte ou se será enviada ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba.
Antes do início dos depoimentos desta terça-feira, a defesa de Geddel Vieira Lima pediu a interrupção do andamento processual dessa ação penal e envio dos volumes ao STF. O Ministério Público Federal se opôs a essa pretensão e o juiz Alexandre Vidigal optou por rejeitar o pedido da defesa.
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