Três ex-funcionários de Sérgio Cabral e de outros denunciados prestaram depoimentos nesta quinta-feira (19) ao juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara da Justiça Federal no Rio de Janeiro, responsável por inquéritos da Operação Lava Jato no estado. As testemunhas falaram sobre pagamentos relacionados à Survey Mar e Serviços Ltda e o uso de seus nomes como “laranjas” na propriedade de empresas.
O inquérito da Operação Lava Jato investiga suposto esquema de lavagem de dinheiro por meio de empresas de fachada, que dariam aparência de legalidade ao dinheiro de propina. Os acusados são o ex-governador Sérgio Cabral, o dono da FW Engenharia, Flávio Werneck; o contador da FW, Alberto Conde; a ex-mulher de Sérgio Cabral, Susana Neves; o irmão do ex-governador, Maurício Cabral; e Carlos Miranda, um dos envolvidos, que não ocupava cargo no governo.
Uma das testemunhas, Paulo Rezende da Silva, ex-sócio da Survey, disse que entrou como sócio da empresa a pedido de Alberto Conde por ser, na época, casado com a neta dele, com quem tem uma filha. Porém, Silva negou qualquer participação nos esquemas e informou que nunca fez nenhuma movimentação ou autorização financeira ou que tenha tratado de serviços ligados à empresa.
Segundo Silva, o endereço que consta como sede da Survey, em Guapimirim, na verdade, é um sítio da família Conde, que chegou a frequentar em ocasiões de festas ou fins de semana, sem nenhuma atividade empresarial.
Já a ex-secretária pessoal de Cabral, Sonia Ferreira Baptista, disse que trabalhou para o ex-governador com cargo comissionado, na época em que ele foi parlamentar, mas desde que deixou o Senado, passou a ser sua secretária particular e cuidava dos assuntos domésticos dele. Ela afirmou que se reportava a Carlos Miranda, que ordenava os pagamentos necessários, inclusive para a ex-esposa de Cabral.
“Eu ficava em um escritório, e tudo que precisava que fosse pago, passava pra ele [Carlos Miranda], então ele mandava pagar. Tratava de despesas pessoais da Suzana, geria às vezes pagamento de funcionários da Araras [empresa de consultoria de Suzana], seguro dos carros, IPVA. Quando quebrava um carro, eu cuidava de pagar a franquia do seguro. Eu entregava dinheiro a ela e ela pagava, dinheiro que eu pegava com o Carlos Miranda ”.
Eventualmente, de acordo com a ex-secretária, Miranda solicitava a emissão de notas fiscais em nome da empresa Araras Empreendimentos, de Suzana, para ser paga pela FW. Sonia disse que entrou como sócia da empresa LRG, de propriedade de Miranda, a pedido dele, mas que nunca foi informada ou autorizou qualquer movimentação em nome da empresa.
A ex-secretária da FW, Nádia Lubi Martins de Oliveira, disse que pegava notas fiscais em nome da Survey no escritório de contabilidade de Conde, a mando de Flávio Werneck, e ordenava os pagamentos. Ela confirmou que tinha contato telefônico com Sonia, que cobrava pagamentos em atraso das notas da Araras.
Entenda a denúncia
Em maio, o Ministério Público Federal informou que as investigações da Operação Calicute (braço da Lava Jato dedicado a apurar o esquema criminoso liderado pelo ex-governador do Rio) apontaram indícios de que Suzana Neves teria ajudado a ocultar bens e recursos de Cabral.
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Os investigadores apuraram que a ex-primeira-dama do Rio de Janeiro usou sua empresa (Araras Empreendimentos Consultoria e Serviços Ltda.) para comprar um imóvel na cidade de São João del-Rei por R$ 600 mil. A origem dos recursos empenhados nessa aquisição é motivo de uma das suspeitas do MPF.
Outra suspeita acerca desse imóvel diz respeito ao possível uso dele para guardar bens de valor adquiridos com recursos ilícitos da organização chefiada por Cabral, como obras de arte. Informantes da força-tarefa relataram que nos meses de janeiro e fevereiro de 2017, houve o descarregamento de um “container de quadros” na casa.
As investigações também apontam que Suzana Neves utilizou sua empresa para ocultar a origem ilícita de R$ 1,2 milhão por meio de 31 transferências bancárias no período de 2011 a 2013. As transações tinham como origem contas ligadas ao grupo de empresas da empreiteira FW Engenharia, por intermédio da Survey Mar e Serviços Ltda, e aportavam na conta da empresa de Suzana a título de "serviços de consultoria", porém em valor quase duas vezes maior que a sua renda bruta declarada.
Quase 50% dos valores recebidos pela Survey da FW, no período analisado pela investigação, foram repassados logo em seguida para a empresa de Suzana Neves.
Esquema de Cabral
Segundo o MPF, a movimentação aponta para lavagem de dinheiro pago como propina à organização criminosa em contratos que o Governo do Estado do Rio de Janeiro firmou com a FW Engenharia.
Em diligências de busca e apreensão autorizadas durante a Operação Calicute , foram apreendidas diversas anotações que indicam o pagamento de propina pela empreiteira FW Engenharia em benefício da organização criminosa chefiada por Sérgio Cabral.
Um dos contratos firmados com a empresa, no valor de R$ 35 milhões, teve por objeto a elaboração de projeto executivo e a execução de obras complementares de urbanização no Complexo de Manguinhos, comunidade beneficiada pelo PAC Favelas. A contratação foi financiada com recursos da União provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento.
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As denúncias já apresentadas pela força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro revelam como Sérgio Cabral instituiu, ao assumir o Governo do Rio de Janeiro, em 2007, um esquema de cartelização de empresas e favorecimento em licitações, mediante pagamento de propina de cerca de 5% em todas as grandes obras públicas de construção civil contratadas junto ao ente público, quase sempre custeadas ou financiadas com recursos federais.
As investigações da Operação Lava Jato demonstram que a organização desviou mais de US$ 100 milhões dos cofres públicos mediante engenhoso processo de envio de recursos oriundos de propina para o exterior.
*Com informações da Agência Brasil