Os advogados do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) entregaram ao juiz Sérgio Moro as alegações finais da defesa no âmbito da ação penal sobre o uso de contas na Suíça para receber propina de contratos da Petrobras. A força-tarefa de procuradores da Operação Lava Jato acusa o ex-presidente da Câmara de ter cometido os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de divisas.
No documento de 188 páginas entregue na noite desta segunda-feira (27) à 13ª Vara Federal de Curitiba, os advogados de Eduardo Cunha defendem a anulação das provas compartilhadas pelo Ministério Público da Suíça. Os defensores também pedem um julgamento conjunto da ação contra o ex-deputado e do processo que apura a participação da esposa dele, Cláudia Cruz, em irregularidades envolvendo as contas na Suíça.
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A defesa também rebate as acusações do Ministério Público Federal de que o peemedebista teria se beneficiado do mandato como deputado para obter vantagens ilícitas junto ao ex-diretor da área Internacional da Petrobras Jorge Luiz Zelada.
A atuação do juiz Sérgio Moro na condução do processo também é alvo de questionamentos no documento. Os advogados alegam que o magistrado promoveu o "cerceamento do direito de defesa" ao rejeitar a intimação de testemunhas apontadas por Cunha e ao vetar perguntas enviadas ao presidente Michel Temer.
As alegações finais da acusação foram entregues pelo Ministério Público Federal no dia 6 deste mês. Os procuradores pedem, além da condenação por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de divisas, que Eduardo Cunha seja obrigado a devolver US$ 77,5 milhões à Petrobras.
Agora, cabe ao juiz Sérgio Moro decidir se aceita ou não os novos requerimentos feitos pela defesa de Cunha. Caso os pedidos sejam rejeitados, restará a Sérgio Moro a missão de proferir a sentença e, com isso, encerrar a ação penal que motivou a prisão do ex-presidente da Câmara (em outubro do ano passado). Por se tratar de uma decisão da primeira instância, no entanto, caberá recurso.
Confira os principais argumentos da defesa abaixo:
Jorge Luiz Zelada
A denúncia oferecida contra o ex-deputado relata que o peemedebista teria recebido mais de R$ 5 milhões após a Petrobras fechar a compra de um campo de petróleo no Benin
, na África, em 2011. A compra teve o aval de Jorge Luiz Zelada, que foi indicado para ocupar a direção da Área Internacional da estatal pelo PMDB. A propina teria sido paga a Cunha por meio do lobista João Augusto Rezende Henriques, que fez a transferência dos valores para as contas do ex-deputado na Suíça.
Os advogados alegam que não existe na denúncia "qualquer elemento que demonstre que o acusado tinha conhecimento acerca da atividade de Jorge Zelada desempenhada para aquisição do Bloco 4 em Benin".
"O Sr. João Henriques não diz que a indicação [de Jorge Zelada] partiu de Eduardo Cunha . Diz apenas que foi o Partido, sem nominar ninguém! A conclusão de que o Partido seria Eduardo Cunha nada mais é do que simples ilação do Ministério Público Federal", escrevem os advogados.
Contas na Suíça
Os advogados de Cunha alegam ainda que não houve o crime de lavagem de dinheiro nas movimentações financeiras ocorridas na Suíça. Os procuradores da Lava Jato relatam que, em abril de 2014 (um mês após a deflagração da Lava Jato), Cunha encerrou a conta Orion SP e transferiu o saldo para a conta Netherton, também controlada por ele. A Orion SP havia aportado, em 2011, cinco transferências feitas pelo lobista João Augusto Rezende Henriques.
Segundo a defesa, o fechamento da conta Orion SP foi uma exigência do banco Julius Baer e a Netherton é, na verdade, uma empresa de Singapura, cujas ações Cunha seria beneficiário.
"Quer dizer, não foi manobra para ocultar bens após a deflagração da Operação Lava Jato, mas sim uma movimentação lícita entre contas", dizem os advogados.
Os advogados também citam decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região segundo à qual, mesmo que o valor contido nessas contas fosse ilícito, as movimentações ainda seriam legais, pois "a simples movimentação do produto do crime antecedente não é suficiente para configurar, por si só, o crime de lavagem de dinheiro, especialmente quando o acusado realiza
movimentação entre contas de sua titularidade".
Provas devem ser anuladas
O Ministério Público da Suíça enviou, em setembro de 2015, uma série de documentos ao Ministério da Justiça brasileiro sobre investigações acerca de movimentações financeiras feitas pelo então deputado federal em contas no banco Julius Baer, em Genebra. Meses depois, essas informações embasaram a denúncia que hoje é julgada pelo juiz Moro.
Para os advogados de Cunha, essas provas deveriam ser descartadas do processo pois a obtenção delas "não coadunam com as garantias constitucionais do Brasil".
"A quebra dos dados bancários do denunciado não contou com autorização judicial. [...] A ausência de tal providência, portanto, enseja a ilicitude das provas obtidas por meio da transferência de processos, bem como todas aquelas dela decorrentes, e, portanto, requer-se a nulidade dos elementos probatórios produzidos pela autoridade estrangeira em desarcordo com os direitos e garantias fundamentais insculpidos na Constituição Federal e no direito interno", aponta a peça da defesa.
Cerceamento do direito de defesa
Os advogados do peemedebista reclamam que o juiz Sérgio Moro rejeitou diversos pedidos de depoimentos feitos pela defesa de Cunha, cometendo assim o que seria uma "flagrante violação ao direito ao contraditório e ampla defesa consagrados no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal".
Diante disso, os advogados pedem que o magistrado reconsidere os pedidos em nome da "complementação probatória de elementos já colhidos ao longo da fase processual adequada". São apontadas para depor Felipe Diniz, Walfrido Mares Guia, Jorge Luiz Zelada, João Augusto Rezende Henriques, Eduardo Musa, Idalécio de Oliveira e Kayze Nunes.
Também são indicados três funcionários dos bancos onde eram mantidas as contas dos trusts e duas pessoas ligadas à empresa Shell.
Outra reclamação dos advogados diz respeito ao veto a perguntas feitas a Nestor Cerveró e a questionamentos enviados pela defesa de Cunha ao presidente Michel Temer.
"Contrariamente ao afirmado por este d. juízo, as referidas perguntas possuem completa pertinência e relevância com a ação penal e os indeferimentos consistem em cerceamento de defesa", diz a peça. "Na época dos fatos, conforme é de conhecimento público, o presidente do PMDB era o atual presidente da República, Michel Temer. Portanto, todas as indagações relativas a influência do PMDB dentro da Petrobrás, ao movimento das bancadas do PMDB, aos acordos entre partidos e ao trâmite das informações e propostas dentro do partido são indispensáveis para a tese defensiva ora sustentada."
Julgamento conjunto e acareação
Por último, os advogados pedem que o julgamento da ação que contra Eduardo Cunha e de outra que tem como réus Cláudia Cordeiro Cruz, Idalédio de Castro Rodrigues de Oliveira,
João Augusto Rezende Henriques e Jorge Luiz Zelada ocorra de modo conjunto.
"Caso Vossa Excelência [Moro] sentencie o presente feito, julgando procedente a acusação, é certo que terá prejulgado, de forma inequívoca, Jorge Zelada e João Augusto, também como
incursos, pelo menos, no delito de corrupção, de tal sorte que este d. Juízo estará inegalvelmente suspeito para prosseguir no julgamento do outro processo referido. O mesmo raciocínio vale na hipótese de absolvição do denunciado", argumentam os advogados.
"Assim sendo, no intuito de evitar a suspeição acima mencionada e também o risco de possíveis decisões contraditórias, requer-se sejam ambos os feitos julgados em conjunto."
Os advogados pedem ainda que seja realizada uma acareação entre Nestor Cerveró e o lobista Júlio Camargo, com o objetivo de dirimir " evidentes contradições existentes entre os depoimentos prestados" pelos dois.
Confira a íntegra das alegações finais de Eduardo Cunha abaixo: