A matança de 56 detentos em um presídio de Manaus nos primeiros dias do ano fez o governo antecipar algumas das medidas do Plano Nacional de Segurança - que está sendo detalhado nesta sexta-feira (6) pelo ministro da Justiça.
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Entre elas, estão a construção de novos presídios e a defesa da adoção de penas alternativas para crimes menos graves a fim de reduzir a superlotação das prisões brasileiras.
Mas o que há de concreto, e quais as dificuldades que serão enfrentadas para pôr em prática as medidas antecipadas até agora?
Segundo o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, o Plano Nacional de Segurança vai se concentrar em três principais objetivos:
- Redução de homicídios dolosos e de feminicídios (homicídio qualificado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino);
- Combate integrado à criminalidade organizada internacional (em especial tráfico de drogas e armas) e crime organizado dentro e fora dos presídios;
- Racionalização e modernização do sistema penitenciário.
O anúncio será feito em meio às investigações sobre a matança em Manaus, que o presidente Michel Temer classificou como "um acidente pavoroso" e afirmou que não houve responsabilidade objetiva dos agentes estatais, porque o presídio é terceirizado.
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil disseram que o governo não pode se eximir da responsabilidade sobre a chacina de presos. O próprio Temer disse que as autoridades deveriam ter informações e acompanhamento.
Conheça a seguir alguns pontos chave do Plano Nacional de Segurança e saiba o que especialistas em segurança pensam sobre eles.
Integração das Forças de Segurança
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que o governo fez um mapeamento dos homicídios nos últimos seis meses para, a partir disso, lançar "operações conjuntas" e capturar suspeitos já identificados. Ele não disse como isso seria realizado.
Em um segundo eixo, de combate ao crime organizado, anunciou a criação um núcleo de inteligência em cada Estado.
Estes núcleos, afirmou, terão representantes das áreas de inteligência da Polícia Federal, da Polícia Militar, da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e de outras forças de segurança.
Para especialistas, a eficácia deste tipo de estrutura é questionável.
"Centros de inteligência integrados são complicados, porque a coisa mais difícil de se fazer é que os órgãos (de segurança) compartilhem as informações no Brasil. Em geral, se um policial obtiver uma informação, ele não vai querer repassar para outra força, ele mesmo vai querer fazer a prisão", afirmou o Rafael Alcadipani, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e integrante da organização não governamental Fórum Nacional de Segurança Pública.
Além disso, diretivas sobre integração policial não são novidade no Brasil. Elas já apareceram em planos de governos anteriores, como o Programa Brasil Mais Seguro, do governo Dilma Rousseff e o Sistema Único de Segurança Pública, do governo Lula.
"Esse tipo de iniciativa já vem sendo discutido há muitos anos. A maior dificuldade é vencer o corporativismo policial", afirmou José dos Reis Santos Filho, do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo). Segundo ele, dificilmente as policias estaduais aceitariam, por exemplo, o protagonismo da Polícia Federal em suas próprias investigações.
Drogas e armas
O governo afirmou que haverá um combate integrado ao crime organizado internacional, em especial ao tráfico de armas e drogas. Moraes disse que a cooperação com países vizinhos será intensificada, mas também não informou como isso seria feito.
O pesquisador Santos Filho afirmou que se o governo estiver se referindo a patrulhamento de fronteiras, enfrentará grandes dificuldades. Devido à extensão e à natureza da fronteira - especialmente com Colômbia e Peru - torna-se muito difícil vigiá-la eficientemente.
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"Há um problema de contingente e de equipamentos, você precisa de pessoal, de drones, de aviões, helicópteros e barcos. E no momento do atual discurso sobre falta de recursos e de um teto para os gastos, esse dinheiro terá que ser tirado de algum lugar".
Segundo ele, será preciso saber quais são as propostas do governo para enfrentar os traficantes de drogas e armas levando em consideração o sistema financeiro. Ou seja, o rastreamento do grande volume de recursos ilícitos dessas atividades poderia ser uma frente de combate talvez mais eficaz do que localizar traficantes nas fronteiras.
Construção de prisões
O governo anunciou o investimento de R$ 200 milhões para a construção de cinco novos presídios federais, um em cada uma das regiões do país. Hoje, o país tem a quarta maior população carcerária do mundo - cerca de 620 mil presos e um déficit de vagas que seria superior a 250 mil.
Mas as novas unidades prisionais seriam de segurança máxima, destinadas a abrigar detentos considerados líderes de grupos criminosos ou de alta periculosidade. Nessa categoria de penitenciária não há problemas de superlotação como nas prisões estaduais.
É nesse tipo de prisão de segurança máxima que chefes de facções criminosas, como o PCC (Primeiro Comando da Capital), cumprem o chamado RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), com autorização da Justiça. Eles ficam isolados, com direito a só duas horas diárias de banho de sol e sem acesso a TV, rádio e publicações impressas.
Esse tipo de regime é muito polêmico. Promotores e policiais ouvidos pela BBC Brasil dizem que ele é eficaz ao isolar líderes de gangues, impedindo a orquestração de crimes e rebeliões.
Já os críticos dizem que é inconstitucional, devido à extrema rigidez, e pouco eficaz - pois os líderes podem ser substituídos por outros detentos da organização criminosa.
Segundo a Agência Brasil, o governo também já havia informado anteriormente que R$ 800 milhões seriam investidos na construção de ao menos um presídio em cada Estado, para reduzir o déficit geral de vagas. A verba faz parte de um repasse de R$ 1,2 bilhão aos Estados realizado no fim de 2016. E um novo repasse bilionário deve ser feito até o fim de junho.
Os especialistas ouvidos pela BBC Brasil concordam que a construção de mais presídios não é solução para a crise carcerária do país. A redução do déficit de vagas passaria mais pela revisão da política de encarceiramento, com redução do número de presos provisórios e adoção de penas alternativas.
Separação de presos
O governo propõe que nos novos presídios sejam construídos prédios independentes para abrigar detentos de periculosidade diferente.
A ideia é que presos que cometeram crimes "sem violência ou grave ameaça" não fiquem em contato com detentos mais perigosos. Em tese, isso evitaria que os detentos com maior potencial de ressocialização fossem cooptados por facções criminosas ou expostos a uma maior violência.
Segundo Marcos Fuchs, diretor da organização de defesa de direitos humanos Conectas, tal medida só será realmente eficaz se os presídios não ficarem superlotados.
"Isso é polêmico, se presos rivais ficam separados por só uma porta, pode ocorrer o que aconteceu em Manaus", disse ele.
Equipamentos para presídios
O governo Temer anunciou também a liberação de recursos para melhorar os presídios existentes: R$ 150 milhões para a instalação de bloqueadores de telefone celular em 30% dos presídios estaduais e R$ 80 milhões para a compra de aparelhos de raio-x que evitariam a entrada de armas e aparelhos de comunicação nas penitenciárias.
As medidas são consideradas positivas por especialistas.
Segundo Fuchs, o bloqueio dos celulares é viável e ajudaria a enfraquecer o crime organizado - diminuindo a sua capacidade de comunicação - e a violência nas unidades prisionais. Contudo, ele afirmou que a promessa é vista com certo ceticismo - pois muitos governos já defenderam o uso de bloqueadores de celular, mas pouco foi feito.
Penas alternativas
O ministro da Justiça defendeu a adoção de penas alternativas à prisão. A ideia é mandar para penitenciárias apenas criminosos que cometeram crimes graves - o que reduziria a população carcerária e colaboraria para a diminuição do déficit de vagas no sistema penitenciário.
Moraes não ainda detalhou como isso deve ser feito, mas a afirmação sinalizaria uma importante direção que pode ser seguida, "um acerto do governo", na opinião dos analistas ouvidos pela BBC Brasil.
Entre as penas alternativas podem estar o uso de tornozeleiras eletrônicas para monitoramento de presos às distância, a adoção de sentenças como trabalhos comunitários ou cumprimento de pena em regimes abertos ou semiabertos, entre outros.
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No entanto, para viabilizar este tipo de penas é preciso aprovação do Judiciário e recursos materiais e pessoais - como as tornozeleiras e agentes policiais dedicados a monitorar os sentenciados.
"Esse é um movimento que vai em uma linha mais adequada do que a construção de novas unidades prisionais. É tirar do sistema aquele preso que cometeu crime de bagatela ou o usuário de drogas que foi confundido com um traficante", disse Fuchs, o diretor da organização Conectas Direitos Humanos.
Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse que as penas alternativas são bem vindas. Porém, segundo ele, elas precisam ser eficazes.
"É preciso ter pessoas checando se elas estão sendo cumpridas. Eu já soube de casos onde a pessoa vai cumprir um serviço comunitário, mas só assina seu nome e vai embora. A pena alternativa muitas vezes acaba virando uma ficção na realidade brasileira", afirmou.
Presos provisórios
O Ministro da Justiça criticou o grande número de presos provisórios (à espera de julgamento) no Brasil - fator que contribui para a superlotação do sistema.
"Prendemos muito, mas prendemos mal. Prendemos quantitativamente e não qualitativamente", afirmou o ministro Alexandre de Moraes.
Ele afirmou que 42% dos 622 mil detentos do Brasil cumprem prisão provisória. O percentual, afirmou, é de 20% em média nos outros países e 8% em países desenvolvidos.
Santos Filho, pesquisador da Unesp, afirmou que a primeira coisa a se fazer é um diagnóstico da situação geral dos presos, um censo carcerário - como defende a presidente do Supremo Tribunal Federal.
Em seguida, ele sugere um esforço do Judiciário e do Executivo para decidir o destino dos presos provisórios e abrir vagas no sistema.
Mas além de fazer isso, segundo Santos Filho, seria preciso repensar o sistema como um todo.
"A polícia é obrigada a cumprir cotas, para mostrar eficiência, e olha da mesma forma para o traficante de drogas e para a pessoa que roubou uma margarina. Temos que encarar de forma diferente os tipos de crime".
"A Justiça também não trabalha como vemos no cinema, onde alguém comete um crime, passa a noite na cadeia e no dia seguinte está diante de um juiz. Aqui, há um tempo administrativo e judiciário que faz com que a pessoa comece a cumprir uma pena que ainda não foi estabelecida pelo juiz".