O policial civil Marcos André de Oliveira dos Santos, de 50 anos, que era lotado na Delegacia Especial de Proteção à Mulher (Deam) de Jacarepaguá (RJ), onde exercia o cargo de chefe de investigação, está sendo acusado de lesão corporal, injúria, ameaça e violência psicológica contra uma ex-companheira. A Polícia Civil confirmou que ele foi denunciado por violência doméstica pelo Ministério Público à Justiça. A vítima, uma advogada de 29 anos, gravou conversas com o agente, e esteve na Corregedoria-Geral de Polícia Civil para fazer o registro da ocorrência.
“Vou te matar, e me matar depois” é uma das frases ditas pelo acusado, no réveillon de 2021 para 2022. Os dois se conheceram na Deam, unidade especializada em casos em que a mulher é vítima de violência, onde a advogada foi pegar a cópia de um inquérito, em fevereiro de 2021, e se relacionaram por cerca de um ano. O agente foi morar na casa dela aproximadamente dois meses depois do início do relacionamento.
"No início, ele era um doce, era muito presente. Mas já começou mentindo a idade. Primeiro, disse que tinha 35 anos, depois 38. Só descobri a idade verdadeira dele quando foi tomar a vacina contra a Covid ", conta ela ao GLOBO.
“Após alguns meses de relacionamento com a vítima, o acusado passou a controlar as roupas que ela vestia, a proibir que ela tivesse amigos, que frequentasse academia com profissionais do sexo masculino. Passou também a controlar suas conversas telefônicas e comunicações em redes sociais, tendo ainda a afastado de seus familiares”, afirma a denúncia.
Por e-mail, a Polícia Civil informou que a corregedoria do órgão indiciou o inspetor ao MPRJ por violência doméstica. Após apuração dos fatos em sindicância, foi aberto um Processo Administrativo Disciplinar, que está em andamento. O órgão disse ainda que o servidor foi afastado do serviço na Deam de Jacarepaguá, “assim como não está exercendo a função em nenhuma unidade especializada neste tipo de atendimento”. A polícia não informou onde ele está lotado.
Conforme a denúncia, a prática dos crimes começou em outubro do ano passado, quando a advogada propôs terminar o relacionamento, por não aguentar mais o "ciúme doentio" do inspetor, que é divorciado e tem um filho de 16 anos.
“Com o tempo, o acusado ficou mais agressivo, passando a xingar, humilhar e desferir tapas no rosto e na cabeça da vítima durante as discussões, que em sua maioria eram motivadas por ciúmes. Em duas tentativas de pôr fim ao relacionamento, as discussões foram gravadas e posteriormente enviadas para perícia e nelas, fica evidente o comportamento agressivo, humilhante e controlador do acusado”, diz outro trecho da denúncia, assinada pela promotora Isabela Jourdan da Cruz Moura.
“Ele falou para mim algumas vezes que não precisava fazer, mandava fazer”
A advogada está com medida protetiva, e o policial tem que se manter afastado dela por pelo menos cem metros. Depois de ficar 45 dias na casa de um irmão, a vítima voltou para seu apartamento. Mas preferiu fechar o escritório. Só recentemente alugou outra sala para trabalhar. Ela está fazendo tratamento com psicóloga.
"Tive perda financeira, perdi o meu trabalho no bairro onde eu gostava de trabalhar. Fui humilhada de todas as formas. Eu perdi minha vida. Hoje, eu tenho medo de sair. Ele falou para mim algumas vezes que não precisava fazer, mandava fazer. Tenho medo de ir à uma festa e alguém passar a faca em minha barriga", diz ela ao GLOBO.
O advogado Márcio Alexandre dos Santos, que representa o acusado, disse que o caso corre em segredo de Justiça e que “aguarda intimação da suposta denuncia para esclarecer os fatos alegados em juízo”.
Em fevereiro deste ano, incentivada pelo irmão, a advogada esteve na Corregedoria-Geral da Polícia Civil para fazer o registro. A denúncia à Justiça foi encaminhada pela promotora em 26 de junho.
Isabela Jourdan da Cruz Moura cita sete fatos para corroborar a denúncia. No que trata de lesão corporal, afirma que, no dia 17 de fevereiro de 2022, à tarde, no escritório da advogada, Marcos André, “consciente e voluntariamente, ofendeu a integridade física da sua companheira”, imobilizando-a, ora pelos braços, ora pelas pernas, atitude que fez com que a vítima se debatesse para se desvencilhar, esbarrando ainda nos móveis e paredes, fatos que lhe causaram equimoses em ambas as coxas”, conforme descrição em laudo pericial”.
Imobilizada por três horas
Na ocasião, prossegue a denúncia, “inconformado com o término do relacionamento, o acusado dirigiu-se até o escritório da vítima, deu início a uma discussão e a imobilizou por aproximadamente três horas”. Ela “se debateu para tentar desvencilhar-se, atingindo os móveis que guarneciam o escritório”. A estagiária da vítima, ouvida no inquérito, retirou-se da sala, mas manteve-se próxima, “a fim de poder acudir a vítima em eventual emergência”.
Antes, dia 31 de dezembro de 2021, durante a madrugada, na residência da vítima, de acordo com a denúncia, Marcos André, fez a seguinte ameaça: “Se sua irmã aparecer aqui vou te furar, vou te matar e me matar depois”. A irmã teria feito uma chamada de vídeo para a advogada e “observou que esta encontrava-se chorando muito e em desalinho em razão das ameaças sofridas”.
Em outra ameaça, no dia 19 de janeiro de 2022, também na casa da advogada, conforme a denúncia, “motivado por não aceitar o término do relacionamento, o acusado passou toda a madrugada xingando, humilhando, ameaçando e agredindo fisicamente a companheira/vítima”. A vítima tinha dado um prazo para o agente deixar a sua casa. Seguem trechos do diálogo nesse dia, que constam do documento do MPRJ:
Agente: “(...) outra coisa, se pegar troço no teu celular, eu vou te meter a porrada, tá escutando?”(...)
Agente: “(...) você vai se fuder por isso, porque você mentiu pra mim. Você vai ver o que eu vou fazer”
Vítima: “O que você vai fazer?”
Agente: “(...) você vai se fuder comigo, você vai se fuder comigo (...) tá vendo como que não pode confiar em você?” (sons de estalo).
Vítima: “Aiii!!!.”
Vítima: “Que isso, Marcos?”
Agente: “Que isso, o caralho. Tá vendo como que não pode confiar em você?”
Vítima: “Marcos, me solta. Aiii!!! Me solta.” (sons de choro).
Agente: “ Eu quero ver a conversa. (...ininteligível) Vai entrar na porrada. Eu vou fuder a tua vida.”
Vítima: “Aiii!!! Solta. Solta meu cabelo. Aiii!!”
Agente: “ Eu não vou soltar porra nenhuma. Tu vai ficar assim, filha da puta. Vai ficar assim”.
Vítima: “Para”.
Agente: “(...) Não. Não vou parar não. Piranha, filha da puta....você não tinha nem que conversar com ele. Eu vou te meter a porrada.”
Vítima: “: " Me solta, por favor”.// (sons de choro).
A promotora cita nova ameaça ocorrida no dia 22 de fevereiro. “Você vai me pagar pelo que tu fez hoje...Ter um prejuízo bacana”, disse o agente, segundo consta da denúncia. E acrescentou: “Você quer mais? Quer entrar na porrada.”
Em outro trecho gravado, o policial fala em cuspir na cara da advogada e em bater nela:
Agente: “Cuspo de novo e quantas vezes você quiser. Nojento foi o que você fez, porra. (...) quebrou meu óculos, vou quebrar o teu...” (sons de projeção de saliva).
Vítima: “Você tá cuspindo em mim pra que?”
Agente: “Pra cuspir porque eu tô com nojo de você ...”
"Você escolhe: soco na cabeça, spray na garganta ou apneia, que é ficar um pouco sem respirar"
Vítima: “Para, não me bate. Para.” (sons de projeção de saliva).
Vítima: “(...) Aiii!!! Solta. Solta meu cabelo. Aiii!!”
Agente: “Eu não vou soltar porra nenhuma. Tu vai ficar assim, filha da puta. Vai ficar assim”.
Agente: “(...) "Não. Não vou parar não. Piranha, filha da puta...você não tinha nem que conversar com ele. Eu vou te meter a porrada”.
Vítima: “Me solta, por favor." (sons de choro).
Agente: “(...) “Filha da puta. Vai ficar assim. Não vou soltar não. Não vou soltar não. Vou te matar”.
Agente: “(...) Você escolhe: soco na cabeça, spray na garganta ou apneia, que é ficar um pouco sem respirar”.
Agente: “(...) "Não precisava nada disso. Porrada na cabeça, nessa cabeça com o tamanho do prédio; sprayzinho bom. É bom na garganta e no nariz. Fecha a boca e o nariz
Vítima: “(...) Marcos, você prende quem faz isso. Como você está fazendo isso comigo?”
Vítima: “(...) “Então, Polícia pode bater em mulher?”
Agente: “(...) Pode, pô. Se a mulher merecer, pode.”
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