O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou a analisar, nesta terça-feira (21), através de sua Corregedoria, a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer , que, durante uma audiência sobre medida protetiva, tentou convencer uma criança de 10 anos, vítima de estupro, a seguir com a gestação indesejada, apesar do respaldo legal para que ela seguisse com o procedimento de aborto e da reiterada vontade de interromper a gravidez.
Ainda nesta segunda-feira (20), quando o caso veio à tona, através de reportagem publicada pelo The Intercept, onde a magistrada aparece em vídeo gravado durante a audiência perguntando, entre outras coisas, se a menina aceitaria "esperar mais um pouco" para ter a criança, o advogado Thiago Viana, do Maranhão, moveu uma Reclamação Disciplinar à CNJ, questionando a conduta de Joana.
Na apuração preliminar, a Corregedoria Nacional apreciará as provas existentes, e posteriormente decidirá se houve prática de infração disciplinar, o que determina a propositura de Processo Administrativo Disciplinar ou, em hipótese contrária, se as provas forem frágeis ou insuficientes, pode acarretar o arquivamento do procedimento. O caso está nas mãos da ministra Maria Thereza Rocha, que em maio foi eleita a nova presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A reportagem não conseguiu contato com Joana Zimmer ou com a sua defesa.
O GLOBO teve acesso ao teor do documento enviado pelo advogado, especializado na defesa de vítimas de violência sexual e doméstica, à Corregedoria. À reportagem, ele dividiu as principais demandas em alguns pontos. Veja:
'Não houve mínima postura'
"A Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente colocam a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente como prioridade absoluta. Há também a Lei nº 13.431/17, que cria sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e, ainda, o Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ.
Considerando essas normas, não houve por parte da juíza a mínima postura no sentido de proteger melhor interesse da criança de 11 anos e inviabilizando o exercício do direito ao aborto legal, como o vídeo da audiência comprova", relata o advogado.
'Não há prazo para prática do aborto legal'
"Embora o prazo de 20 semanas recomendado pelo Ministério da Saúde estivesse esgotado, o Código Penal não estabelece um prazo para a prática do aborto legal em caso de estupro. Não há, diferente do que afirmou a juíza, corroborando afirmações da promotora, uma “autorização para o homicídio”, acrescenta no ofício.
'Absurdo e violência psicológica'
"A criança foi repetidamente constrangida pelas perguntas inadequadas e revitimizadoras sobre expectativas em relação ao bebê, se o fato de ela estar gestante atrapalha os estudos, sobre escolha do nome do bebê, falar para a mãe da criança que o feto é “tristeza” para ela e “a felicidade de um casal” e, no ápice do absurdo e violência psicológica, perguntar se a criança saberia dizer se o “pai do bebê”, autor do estupro, queria colocar o bebê para adoção", destaca Thiago.
'Objetivo de influenciar'
"Não há como falar em “melhor interesse da criança” e sua proteção integral quando a juíza, em conjunto com a promotora de Justiça, faltam com a verdade falando em homicídio para constranger a criança e a mãe, com o objetivo de influenciar para que a gestação seja prolongada".
"Aleguei a possível ocorrência do crime de violência institucional previsto no art. 15-A da Lei de abuso de autoridade, alterada pela Lei nº 14.32/2022 e, ao final, pedi a aplicação de penalidade proporcional à gravidade e reprovabilidade da conduta", explicou o advogado.