Para combater o crime organizado é preciso ação efetiva de segurança
Diego Fabian Parra Pabon/Pixabay
Para combater o crime organizado é preciso ação efetiva de segurança

É de Norberto Bobbio o conceito que descreve Estado Democrático de direito como o processo de "desmonopolização" do poder ideológico de um lado e do poder econômico do outro. É nesse sentido as políticas públicas de estado devem ser pautadas. Mas no Brasil há uma inversão dessa lógica. Por isso não há política de segurança. O que há atualmente são afirmações ideológicas, como a que seria bom cada cidadão ter uma arma para “se defender”. Entretanto, o aumento de venda de armas nos últimos três anos e o afrouxamento na apreensão, não refletiram melhoria na segurança.

Em 2007 o Pronasci - Programa Nacional de Segurança com Cidadania sugeriu alguma diretriz, mas se resumiu, na prática, a financiar investimentos em gestão da segurança dos estados (construção de presídios, compra de armas, viaturas, equipamentos).  No mesmo momento, o governo dito progressista promulgou a Lei Antidrogas, que prende muito e mal e serve para arregimentação de “mão de obra” das facções criminosas. Milhares dos condenados por essa lei não deveriam estar presos em regime fechado; prisão em massa é a forma mais cara que já inventaram para piorar alguém; a prisão é um mal necessário para criminosos violentos e reincidentes, que cometem crimes graves e para lideranças do crime organizado.

Recentemente um Ministro da Justiça anunciou com pompa um pacote anticrime. O projeto “monstrengo”, que sequer foi acompanhado de justificativa, aprofundava o modelo equivocado sem estabelecer qualquer política de segurança. O que sobrou de bom, como o Juiz de Garantias, acabou suspenso sine die pelo STF. Curiosamente, o mesmo Ministro não conteve o estímulo de venda de armas no país. Resta, então, aos estados o pouco que se tenta e onde se encontram alguns resultados.

Cite-se São Paulo, por exemplo. Em 2001, instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) aos líderes de facções criminosas, impondo limitações e isolamento. Após dois anos de embates jurídicos sobre a legalidade, alteração da Lei de Execução Penal disciplinou a medida. E a partir de 2003, amparado pelo estatuto do desarmamento, intensificou a apreensão de armas ilegais. Eis políticas que geram resultados. Mas não foi só.

Como o crime não tem divisas, em 2008, o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Beltrame, esteve em São Paulo. Na pauta: corregedorias das polícias; combate ao crime organizado - identificar, prender, isolar os líderes e asfixiar financeiramente as organizações criminosas; e pontos importantes para todo o Brasil - fronteiras, tráfico de drogas, contrabando e venda de armas. No Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, o Secretário conheceu o procedimento de apuração dos homicídios desde o final da década de 1990 (hoje a taxa de homicídios em São Paulo é de 6,6 por 100 mil habitantes, a menor do Brasil, que tem média de 19,3, mesmo indicador do Rio de Janeiro). Viu a compatibilização de áreas territoriais com a Polícia Militar e Civil e as Bases Comunitárias de Segurança. Na ocasião, ficou claro que, após a instalação da base, políticas públicas eram destinadas à localidade, com ações de cidadania (regularização de documentos), revitalização e intervenção urbana, Educação, Saúde, Cultura, Esporte e Assistência Social. O estado deve estar perto do cidadão. O pressuposto é que violência não se resolve somente com repressão policial; a inclusão social e o sentimento de pertencimento da população são instrumentos de segurança pública.

Voltando ao Rio de Janeiro, Beltrame criou o DHPP inspirado no departamento paulista e deu início às primeiras bases comunitárias, lá chamadas UPP. Apesar do esforço de Beltrame, a agenda política Fluminense foi outra. O Rio de Janeiro, que poderia ter levado o Estado para mais perto das comunidades optou por direcionar recursos para gastos de duvidoso retorno social: Jogos Panamericanos, Copa do Mundo e Olimpíadas. Só neste último estimam-se R$ 40 bilhões à época. Eis o monopólio econômico. Passados alguns anos, um novo governador, que defendia “atirar na cabecinha”, extinguiu a secretaria de segurança pública e criou secretarias de polícias isoladas. Ideologia. Um erro. Deu no que deu.

Agora surge um candidato a governador em São Paulo, com ar de soberba ideológica, e na primeira oportunidade ataca o uso de câmeras pela polícia paulista (Rio de Janeiro também está adotando, após ação na Vila Cruzeiro) e, pior, diz que São Paulo fez acordo com o crime, daí os resultados de melhores indicadores. Ora, quem fez, quem cumpre e quem é fiador do tal acordo? 

O crime mudou. Não são ações ideológicas ou “lacradoras” que propiciarão condições para seu bom enfrentamento.

Willian Sampaio é advogado e ex-secretário-executivo de Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (2007-2010).

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