Sérgio Faria Coelho de Souza tinha 77 anos
Reprodução/TV Globo
Sérgio Faria Coelho de Souza tinha 77 anos

Três filhos são suspeitos de assassinarem o próprio pai em 13 de outubro 2016, em um bairro nobre na Zona Sul do Rio, em um crime que foi descrito como suicídio. O caso, que hoje aguarda decisão judicial após o Ministério Público ter oferecido uma denúncia contra eles, chamou a atenção de policiais e promotores porque peritos estranharam o fato de Sérgio Faria Coelho de Souza, de 77 anos, ter morrido com três tiros à queima-roupa, sendo dois na cabeça e um no peito.

"A história inventada pelos investigados começou a ser desmontada em sede policial, em razão da conclusão da perita médica legista do Instituto Médico Legal que se opôs à hipótese de suicídio, diferentemente do que constava na guia de encaminhamento do cadáver. As investigações policiais conseguiram demonstrar que houve ali um brutal extermínio de um ancião de 77 anos de idade que foi atingido por três disparos de arma de fogo, todos com cano da arma encostado em seu corpo. Ele recebeu um tiro que feriu o pulmão e o coração, e dois tiros encostados na cabeça que provocaram a laceração do cérebro e causaram a sua morte imediata", disse Alexandre Themístocles, o promotor, em entrevista ao “Fantástico”.

Na casa moravam Sérgio e seu filho, Sérgio Benoliel Coelho de Souza. Naquela noite, também estavam na casa a filha, Daniela Benoliel Coelho de Souza de Oliveira Couto, e o namorado dela, Eduardo Carlos Piccoli. A casa tinha câmeras na parte externa e no andar da sala e da cozinha. Na versão dos filhos e do genro, segundo os depoimentos que deram à polícia, o pai chegou em casa no meio da tarde e o filho, no início da noite. Por volta das 22h20, chegam a filha, Daniela, e o namorado, Eduardo. Às 22h42, toca o telefone fixo da casa, que é sem fio. Eduardo atende e chama o sogro.

Do outro lado da linha estava Vera, uma mulher com quem Sérgio, que era viúvo, tinha um relacionamento. Ele pega o telefone e vai até a cozinha. Volta pra sala e, às 22h43, desce para o andar onde ficam os quartos. Esse andar da casa não tem câmeras de segurança. Aí começa o mistério do caso. Daniela diz que “percebeu que seu pai discutia com Vera” e pediu a ele que “após às 22h, Vera ligasse para o telefone celular, e não para o fixo". A reclamação vira discussão. O filho, Sérgio, que nesse momento estaria nesse quarto, ouve os gritos do pai e da irmã e vai ao corredor dos quartos. Segundo os depoimentos, o pai saiu do quarto armado, ameaçando dar um tiro contra a própria cabeça.

O filho diz que “afastou Daniela e Eduardo e que o pai novamente fechou a porta do quarto” e fez um disparo. Sérgio, o filho, disse à polícia que “tudo se tratava de um ‘teatro’” do pai. E que “o pai abriu a porta do quarto, mostrando o peito, com sangue na blusa e perguntou: ‘isso é teatro?’”.

As câmeras mostram que às 23h da noite, depois da suposta cena do primeiro tiro, Eduardo, o genro, e Daniela, a filha, sobem para a sala. Daniela segura um telefone. O filho Sérgio sobe as escadas, também com um telefone, se apoia no parapeito e coloca as mãos na cabeça. Os três afirmam que subiram para pedir socorro porque, segundo contaram à polícia, os celulares não funcionavam no andar de baixo da casa, onde ficam os quartos. A defesa diz que, antes de subir, eles fizeram uma ligação, às 22h58, que não completou

Enquanto isso, segundo o relato dos três, Sérgio estaria agonizando no chão do corredor dos quartos. Sérgio, o filho, desce novamente. Às 23h03, aparece subindo as escadas e, depois, aparece do lado de fora da casa. Os três disseram à polícia que estavam do lado de fora da casa esperando o socorro chegar, quando ouviram mais dois tiros. As câmeras de segurança mostram o horário: quase 23h12. Este seria o momento em que eles teriam ouvido dois tiros. Ou seja, quase 14 minutos depois do primeiro telefonema, que não completou.

O filho disse à polícia que eles “se desesperaram, acreditando que Sérgio ‘tinha se apossado da arma de fogo e estaria atirando a esmo’”. Ao analisar as imagens, o Ministério Público estranhou o comportamento do filho. E afirma: “Não há alteração no comportamento de Sérgio que possa indicar o momento dos disparos que ele diz ter ouvido”.

Quando o socorro e a polícia chegaram, Sérgio já estava morto com três tiros:um no peito, um no ouvido e outro na parte inferior da mandíbula. Os filhos e o genro disseram à polícia que Sérgio se matou. Mas, quando o corpo foi levado para a necropsia no Instituto Médico Legal, a médica legista discordou. O caso passou a ser investigado como homicídio.

"Esse caso realmente me chamou muito a atenção porque foi muito atípico. A gente nunca tinha visto um suposto suicídio praticado com um disparo contra o peito, e dois disparos na cabeça. Por isso, nós fizemos um estudo detalhado e minucioso para poder esclarecer essa situação. Os dois disparos lesaram estruturas nobres no encéfalo, o que impede, ou o que impediria, vamos dizer assim, o segundo disparo. A lesão cardíaca não produziu uma morte imediata. Essa morte poderia ocorrer em alguns minutos. Isso poderia ser suficiente para que houvesse um segundo disparo, mas jamais um terceiro disparo", disse Luiz Carlos Preste, médico legista.

Dois anos depois da morte, a Polícia Civil encerrou o inquérito e pediu a prisão preventiva dos filhos Sérgio e Daniela e do genro, Eduardo. A justiça negou. A defesa solicitou a exumação do corpo. Isso porque o primeiro laudo não tinha determinado o trajeto das balas no crânio. O laudo feito depois da exumação pelo IML diz que os fragmentos e as partes preservadas do crânio indicam que o tiro dado na parte de baixo da mandíbula “tenha penetrado mais lateralmente, provavelmente numa região chamada forâme lácero, o que preservaria o tronco cerebral do contato direto com a bala”. Para o perito particular que trabalha para a defesa e também fez um laudo, isso permitiria que Sérgio sobrevivesse.

"Esse tiro atingiu uma área que não levava à inconsciência. Então, nós temos o primeiro caracterizado pelos depoimentos. Foi no peito. O segundo, caracterizado pelo próprio IML e por mim também como sendo esse debaixo do queixo, que esse não tirou a consciência imediatamente. Esse tiro que transfixou os dois hemisférios, esse desacordaria. Portanto o tiro que não levou, o segundo disparo que permitiu um terceiro, foi esse que foi dado abaixo da mandíbula", disse Nelson Massini, perito particular.

O legista do IML contesta.

"Não existe elemento técnico que você possa indicar com precisão a ordem dos disparos. Tanto um quanto outro disparo na cabeça não iria permitir que a vítima pudesse dar um novo disparo. Porque essas estruturas, tanto num quanto noutro, já teriam sido lesionadas, laceração encefálica, hemorragia cerebral. E isso daí produz uma inconsciência imediata".

Técnicos da Coordenadoria de segurança e inteligência do Ministério Público analisaram todas as imagens das câmeras da casa e compararam com tudo o que foi dito nos depoimentos.

"O comportamento do filho da vítima, demonstrando uma calma logo depois da morte do pai, só serve para reforçar aquilo que já estava evidenciado que foi de extrema frieza, em que houve uma ação coordenada entre os investigados em que todos cumpriram um papel predeterminado, logo depois da morte da vítima. Eles já sabiam que falariam ao telefone, quem se prestaria a esconder o objeto na garagem do imóvel, quem esperaria a ambulância e contaria a história mentirosa de um suposto suicídio do lado de fora da casa", analisou Alexandre Themístocles.

Para a promotoria, o motivo do crime foi uma briga pela partilha dos bens da esposa de Sérgio, que tinha morrido três anos antes.

"As investigações policiais reuniram elementos suficientes para demonstrar que ao tempo do crime havia uma discordância entre a vítima e os seus filhos sobre a partilha de bens. Bens deixados pela esposa da vítima que faleceu há pouco tempo. Essa desinteligência foi o que motivou uma a uma a uma animosidade em que a família vivia".

A defesa da família reforça a tese de um drama familiar.

"A casa onde Sérgio morava era a casa da esposa dele, com quem foi casado com separação total de bens. E os filhos, depois da morte da esposa, o deixaram morar lá. E ele morava lá porque ele já não tinha mais condição de se sustentar, porque recebia uma pensão. E aí ele era ajudado pelos filhos. Eu espero, sinceramente, que a justiça seja feita e que seja reparado esse dano que já é um estrago na família", disse Ilcelene Bottari, advogada.

A única testemunha do que teria acontecido minutos antes da morte não estava na casa.É Vera Lúcia de Castro Pinto, a pessoa que liga para Sérgio e teria motivado a discussão entre ele e a filha. Em depoimento, ela disse que teve um relacionamento amoroso com Sérgio por 33 anos. Afirmou que, naquela noite, durante o telefonema, ouviu uma voz feminina dizendo: ‘Essa casa é da minha mãe e eu não quero que essa p... ligue para cá’. Vera disse também que Sérgio respondeu: ‘Essa casa também é minha’ e a filha replicou: ‘Você não é o dono’. Vera contou ainda que nesse momento ouviu uma porta abrindo e uma voz que parecia ser do filho ‘Serginho’ perguntando o que estava acontecendo. A partir daí, a ligação foi encerrada. Ao “Fantástico”, Vera confirmou o que disse à polícia, mas não quis gravar entrevista.

O Ministério Público denunciou os filhos, Daniela e Sérgio, e o genro, Eduardo. O promotor também pediu a prisão deles. Defesa e acusação aguardam uma decisão da justiça.

"O Ministério Público ofereceu a denúncia e pediu a decretação da prisão preventiva dos investigados. Os acusados responderiam por crime de homicídio qualificado, pela motivação, pelo modo de execução, pelo fato de a vítima ser maior de 60 anos de idade", disse o promotor.

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