Com vários ferimentos pelo corpo, Larissa, de 22 anos, consegue abrir a porta da casa e fugir do ex-marido, Marcos de 34 anos, que procurava cometer o “Suicídio por Policial”. Ela dá apenas alguns passos e cai imóvel no quintal. Mais tarde o laudo da necrópsia indicaria que ela havia sido atingida por 21 facadas.
Dentro da casa, os planos de Marcos de cometer o suicido por policial , continuam em marcha. Apontando uma arma de fogo para seu pai, e para a filha de um ano e sete meses que teve com Larissa, Marcos diz que vai matar os dois e grita para a Polícia: “Por que vocês não invadem a casa e atiram em mim para acabar logo com isso?". O cenário que era muito delicado evoluiu para uma situação fora de controle; o GATE é acionado.
Conheça o GATE
O Grupo de Ações Táticas Especiais é uma unidade de elite da Policia Militar paulista desenhada para intervir em de crises complexas de segurança pública urbanas como: criminosos barricados com reféns, sequestradores escondidos em locais de difícil acesso, ações de terrorismo , suicidas armados, desativação ou detonação controlada de artefatos explosivos e rebeliões em presídios.
Esses eventos exigem a ação de Policiais com treinamentos e equipamentos altamente especializados, como por exemplo: rifles de precisão, traje antibombas, robôs com câmeras e braços manipuladores, uso de escudos e capacetes balísticos, conhecimento de psicologia e neurolinguistica, entre vários outros.
O GATE possui três Companias operacionais, cada uma composta por quatro Equipes com diferentes especializações: 1) Atiradores de Elite, 2) Equipes Táticas, 3) Esquadrão de Bombas e 4) Negociadores, que atuam em conjunto, e de forma complementar, conforme as particularidades de cada ocorrência. Todos esses profissionais são intensivamente treinados, com cursos de especialização e reciclagem no Brasil e no exterior.
O que é "Suicídio por Policial"?
Um dos vários tipos de ocorrências que o GATE enfrenta com relativa frequência, mas que é muito pouco conhecida, é o “Suicídio por Policial”, uma tradução do inglês “Suicide by Cop”.
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Essa situação se refere ao indivíduo que deseja terminar a sua vida, mas como não possui coragem para cometer o suicídio, cria um cenário para que a Polícia seja obrigada a reagir à sua agressão, e responder com força letal. O Major PM Racorti, Comandante do GATE, explica:
”De forma genérica, existem dois tipos de suicídio por policial. O primeiro é o marginal que já cumpriu pena, e que ao voltar a cometer um crime e ser encurralado pela Polícia, prefere provocar um tiroteio e ser alvejado mortalmente, do que voltar para a cadeia. O segundo tipo são pessoas que não necessariamente possuem antecedentes criminais, mas que por situações variadas já estão pensando no suicídio e, como no caso anterior, usam a Polícia para aplicar a lei e atingir seu objetivo”.
Veja abaixo quatro ocorrências reais do GATE, classificadas como suicídio por Policial, que apesar de possuírem alguns elementos comuns, foram resolvidas com técnicas distintas. Mais abaixo o Major Racorti explica em detalhes o que é o suicídio por Policial.
Suicídio por Policial - Caso 1: “Por que vocês não me matam?”
O assassinato de Larissa, descrito no começo dessa matéria, aconteceu no dia 17 de novembro de 2018, mas teve inicio três semanas antes, no dia 28 de outubro, quando Marcos agrediu a ex-esposa e foi levado para uma delegacia, em Itapiara, a 170km da São Paulo. Ele já possuía um histórico de ataques contra outras mulheres, cumprido pena por isso, mas como esse era o dia do segundo turno das eleições 2018, e não houve flagrante, a lei impediu que ele fosse preso.
Para fugir da violência, Larissa decide mudar de bairro, mas Marcos não desiste e aluga uma casa na mesma área. Na tarde do sábado 17, ele entra no seu carro e começa a rodar pela região. Em pouco tempo encontra Larissa com a filha numa praça, obriga-as a entrar no veículo, e ao voltar para casa, passa a agredir a mãe. Em função dos gritos, a PM recebe a denúncia pelo 190.
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Por volta das 19hs a primeira viatura chega no local, e através do portão entreaberto da garagem, os Policiais Militares conseguem ver Larissa abrindo a porta da casa, e bastante ferida, dar alguns passos e cair no quintal. Outras viaturas chegam para dar apoio.
Dentro da casa, com uma arma de fogo na mão, Marcos adverte que se alguém se aproximar ele matará a filha e o pai cadeirante. Gritando, ele pergunta por que os Policiais não invadem a casa e o matam. O GATE é acionado.
“Designei 16 Operadores do GATE para me acompanhar nessa ocorrência: quatro Negociadores, dois Atiradores de Elite e dez Policiais da Equipe Tática. Durante nosso deslocamento iniciamos uma série de procedimentos padrão, como a orientação aos PMs na cena do crime de como conduzir os contatos com o Marcos, solicitação para isolarem a área e o acionar o Resgate e Bombeiros. Recebemos a descrição da casa e arredores, e informações sobre o sequestrador. Chegamos às 20:30hs e o Major PM Adriano Daniel, que supervisionava as equipes de PMs locais, me passou o comando da operação. Ele e seus Policiais fizeram um ótimo trabalho, conseguiram que Marcos libertasse seu pai e controlaram o teatro de operações de forma adequada, facilitando muito nossas ações”, relata Racorti.
A primeira dificuldade do GATE foi entender o que motivou Marcos a criar essa crise, já que ele apresentava comportamentos contraditórios, alternando diálogos e ações racionais com falas e atitudes sem nenhuma lógica.
Com o passar do tempo ficou aparente que ele estava construindo um cenário para a PM invadir o cativeiro e provocar sua morte num confronto. Alguns sinais consistentes com o suicídio por Policial começaram a aparecer:
- Ao assassinar Larissa de forma tão brutal, Marcos transformou uma situação de reféns numa crise de extrema periculosidade, obrigando o GATE a considerar o uso de força letal para evitar mais vitimas inocentes.
- Por nove vezes ele preparou sua rendição, mas sempre desistia e retomava o comportamento agressivo, dizendo que iria matar a filha. Com esse processo Marcos criava uma situação de grande desgaste e perdia sua credibilidade, quase que pedindo para o GATE não levar a sério suas propostas para se entregar, e intervir com o uso de força letal para salvar a criança ameaçada.
- Para reforçar seu desejo de ser alvejado, ele gritava várias para os Policiais: “Entra aqui e me mata! Me pega logo! Por que vocês não fazem isso? Vocês são covardes? Vocês estão com medo?”.
Mesmo com as Equipes Táticas posicionadas, e tendo uma oportunidade de usar seus Atiradores de Precisão, para legalmente terminar a situação, o Comandante do GATE optou por manter a negociação, usando até a família de Marcos como parte da estratégia para acalmá-lo e transmitir segurança para ele se render.
Essa foi uma decisão correta, pois ao estabelecer um clima de confiança, Marcos deu permissão para que uma Equipe Tática entrasse na garagem e retirasse o corpo de Larissa, que estava estendido no chão há duas horas. Durante esse processo um dos Policiis observou que Marcos havia saído da sala e se barricado num quarto com a pequena refém.
Imediatamente o Comandante Racorti dá luz verde para o Time Tático aproveitar essa oportunidade e invadir a casa, mas sem acessar o quarto. Esse é um procedimento padrão executado para reduzir riscos, já que isolando o agressor numa área menor e conhecida dentro da casa, os PMs do GATE não perderiam tempo na revista de múltiplos cômodos, no caso de ter que iniciar a invasão de emergência pelo lado de fora.
Protegido pela Equipe Tática, o Negociador passa a se comunicar com Marcos de dentro da sala da casa, mas sem resultados. Aparentemente ele havia percebido que seu plano de ser morto pela Polícia não iria ter sucesso.
Às 03:45hs da madrugada, após nove horas do inicio da ocorrência, um tiro é disparado dentro do quarto. A Equipe Tática imediatamente efetua uma invasão de emergência e encontra o corpo de Marcos caído e sem vida. Ao seu lado a filha chorava, apresentando pequenas escoriações na mão, provavelmente feitas durante os movimentos das 21 facadas que ele desferiu contra Larissa.
“Conseguimos conduzir as negociações para um final onde a vida da criança de um ano e sete meses foi preservada. Mesmo que o criminoso não tenha conseguido atingir seu objetivo de ser morto pela Polícia, esse caso possui suficientes características para ser classificado como uma tentativa de suicídio por Policial”, conclui o Comandante do GATE.
Suicídio por Policial - Caso 2: “Papai Noel”
Essa é outra situação familiar de refém envolvendo um padrasto, uma mãe e suas duas filhas de 5 e 12 anos. Por causa do seu serviço, a mãe teve que passar a noite de Natal na empresa onde trabalhava, e só conseguiu chegar em casa na tarde do dia 26 de dezembro de 2017. Seu companheiro, sob efeito de drogas, tem um surto de ciúmes e passa a agredi-la juntamente com a filha mais velha.
Na correria ambas conseguem fugir, mas a menor não tem essa sorte e é feita de refém pelo padrasto, qua a ameaça com uma faca. O Grupo de Ações Táticas Especiais é acionado às 19:40hs.
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Ao chegar no local, na cidade de Guarulhos, São Paulo, os 18 PMs as várias Equipes do GATE se posicionam e a negociação tem início. O agressor, que estava muito perturbado sob efeito de entorpecentes, não queria conversar, não demonstrava que pretendia se entregar, ameaçava matar a criança e pedia para a Polícia entrar na casa, enfrentá-lo e atirar nele. Esse comportamento convergia para uma situação de suicídio por Policial.
Após duas horas, a Negociadora do GATE conclui que não havia possibilidade de se estabelecer um diálogo produtivo, e que o risco para a criança não iria diminuir. O Comandante Racorti decide e autoriza a invasão para resgatar a pequena vítima. Nesse momento a Equipe Tática passa a operar de forma independente, esperando a melhor oportunidade para agir.
Um membro da Equipe, que conseguia observar parte da movimentação do sequestrador, percebe que ele se afasta da criança e se desconcentra. Imediatamente o local é invadido e o padrasto imobilizado, sem o uso de munição letal. A menina de três anos, muito assustada, é resgatada ilesa.
Para acalmar a criança os PMs do GATE começam a conversar com ela e perguntam se já recebeu algum presente de Natal. Ela responde que não, que o Papai Noel ainda não tinha vindo este ano. Essa missão também foi resolvida com sucesso pelo Grupo de Ações Táticas Especiais: “Papai Noel” deu um presente para a menina.
“Nesta ocorrência, e em qualquer outra, não existem ações isoladas e individuais dos nossos Policiais. Todos nos pensamos e traçamos estratégias juntos, nos comunicamos constantemente e agimos de forma integrada e sistêmica. Tudo flui melhor assim, as chances de um final satisfatório aumentam muito.”, finaliza o Major PM Racorti, Comandante do GATE.
Suicídio por Policial - Caso 3: “Ladrão que rouba ladrão”
Traficantes da Favela da Imprensa, obrigam Álvaro, um trabalhador de 28 anos, a guardar R$500 mil na sua casa. Ao sair para ir ganhar a vida como tatuador, ladrões aproveitam a oportunidade, entram na sua residência e roubam todo dinheiro.
Para os incautos, o ditado “ladrão que rouba de ladrão tem de cem anos de perdão” pode parecer simpático e até apresentar um certo grau de justiça, mas quando um pai de família honesto se encontra involuntariamente entre esses dois ladrões, a simpatia e a justiça dão lugar à violência e tristeza.
Ao se dar conta de que rivais roubaram seu dinheiro, os traficantes mandam um recado para o tatuador: “Ou você se mata, ou matamos sua mulher e filho”. Para aumentar ainda mais a crueldade, os traficantes dão um revolver calibre .38 e uma pistola calibre 380 para o homem se suicidar.
Desesperado, Álvaro passa a noite bebendo e na tarde do dia seguinte, sábado 28 de outubro de 2017, ele caminha para o centro de uma passarela, sobre a Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo, e inicia seu ritual de suicídio. O Grupo de Ações Táticas Especiais é ativado.
Ao chegar no local, os 26 PMs do GATE encontram uma situação crítica. Sob forte efeito de álcool, o rapaz estava na beira da passarela, sobre uma das estradas mais movimentadas de São Paulo, com uma arma em cada mão. Ele dizia para os Policiais que possuía uma dívida com criminosos mas não tinha como pagar, e gritava: “Pode me matar, pode me matar!!!”.
Para começar a estabelecer algum controle sobre a situação, o Major Racorti, Comandante do GATE, decide interditar as duas pistas da rodovia, evitando que a situação se deteriore com mais vitimas em potencial.
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Mesmo sem a existência de um refém, ele posiciona três Atiradores de Elite com o objetivo de proteger as dezenas de agentes que estavam na área (Resgate, Bombeiros, PMs de área), tanto de ações do potencial suicida armado, como de possíveis represálias dos traficantes locais.
Dois Times Táticos e de Negociadores entram em ação e, protegidos por escudos balísticos, conseguem se posicionar a 15 metros de Álvaro. Toda vez que tentavam chegar mais perto para solucionar a situação com conversa, ou com uso de armamento incapacitante não letal, ele obrigava o GATE a cessar suas atividades ao levar a arma para sua cabeça, e em algumas ocasiões efetuando disparos na direção dos PMs com a outra arma.
“As ocorrências com refém e com suicidas costumam ser muito dinâmicas, mudam a cada minuto. É como um jogo de xadrez, a cada movimento do indivíduo em foco você deve adaptar a sua resposta e reagir de forma rápida, sempre pensando nas possibilidades à frente para evitar o pior, mas infelizmente não foi isso que aconteceu nesse caso”, comenta Racorti.
Após duas horas recusando o diálogo, e pedindo para a Polícia revidar e atirar nele, Álvaro finalmente decide evitar que o tráfico execute sua mulher e filho, e sem dar nenhum aviso, efetua um movimento rápido e dispara contra a seu pescoço.
“Essa foi uma ocorrência bastante triste, mostra a crueldade que o tráfico usa para aterrorizar a população de bem das comunidades, sem demonstrar o menor respeito pelas famílias e pela vida”, conclui o Comandante do GATE .
Suicídio por Policial - Caso 4: “Borracha sim, chumbo não”
Essa ocorrência foi classificada como suicídio por Policial desde seu início. No dia 28 de agosto de 2017, em Guarulhos, São Paulo, um rapaz decide resolver seu problema, mas cria um outro muito maior, ao colocar uma faca no pescoço de sua avó. A única exigência feita para os Policiais Militares, que inicialmente atenderam essa ocorriencia, era para que atirassem nele para matar, caso contrário ele mataria sua avó. Com o impasse estabelecido, o GATE é chamado.
Ao contrário dos típicos sequestros; onde os criminosos ficam barricados e exigindo que Polícia fique longe, nesse caso o agressor pediu que o GATE se aproximasse, ficando na entrada do quarto, de onde era possível visualiza-lo sem nenhuma obstrução, ameaçando sua avó com uma faca, pedindo constantemente para ser morto.
A menos de dois metros de distancia, a situação poderia ter sido resolvida num piscar de olhos através do uso de força letal, mas avaliando a particularidades da situação, o Comandante Racorti decide, por enquanto, poupar a vida do rapaz e manter as negociações. Após sete horas, a senhora idosa apresentava sinas de exaustão e escorregava na cadeira fazendo com que a faca se aproximasse involuntariamente do seu pescoço. Como o neto estava cada vez mais descontrolado, exigindo ser morto, a situação passou para um nível de risco inaceitável.
Racorti decide terminar a ocorrência e autoriza a intervenção do Time Tático. Para garantir a vida da senhora, ele sabe que seus homens terão que agir com extrema rapidez e efetuar disparos no rapaz, mas avaliando o cenário, ele conclui que pode encerrar situeção sem nenhuma morte.
O Operador do GATE que efetuará os disparos recebe ordens para substituir a munição letal da sua espingarda calibre 12 por elastômeros, conhecidos como balas de borracha. Quando o agressor se descuida e fecha os olhos divagando, os disparos são efetuados. A senhora é libertada ilesa e o criminoso é preso com um ferimento superficial no peito.
Suicídio por Policial - Caso 5: “Crack e Cocaína”
Esta ocorrência envolveu um traficante e ex-presidiário, que num acesso psicótico causado pelo uso de cocaína e crack, ameaça matar seu filho de 11 meses com um grande caco de vidro na sua mão direita, e se suicidar saltando de um balcão a 10 metros de altura da rua.
Na época a reportagem do IG fez uma reportagem extensa sobre este caso. Clique aqui para ler a matéria completa.
Entrevista Com Major PM Racorti sobre suicídio por Policial
Por que o GATE investe tempo em classificar as ocorrências em que atua?
Cada tipo de situação que enfrentamos requer técnicas de negociação e táticas operacionais muito diferentes. Para isso iniciamos classificando o causador da situação em uma de três granes categorias: 1) Criminoso profissional, 2) Cidadão de bem que apresenta algum tipo de distúrbio emocional momentâneo, ou com histórico de doença mental, e 3) Terrorista com motivação ideológica ou religiosa. Para cada um desses grupos existem várias subdivisões que demandam diferentes estratégias.
Você pode dar algum exemplo?
Sim. No caso de ocorrências com reféns ou de suicídio, um dos primeiros procedimentos é entender o contexto que motivou a ação do agente, para que possamos atingir nosso objetivo primordial: preservar a vida de todos envolvidos, incluindo os agressores, dentro da mais estrita legalidade. Vou dar três rápidos exemplos de crimes com reféns, que exigem métodos e procedimentos distintos:
- Sequestro não premeditado: Essa situação pode ocorrer quando um criminoso encurralado pela Polícia faz um refém aleatório para servir de escudo e preservar sua vida. O marginal sabe que não conseguirá fugir, e por isso usa a vitima para negociar sua rendição. Nesses casos, a técnica usada pelo Negociador não é complexa e a situação tende a ser resolvida de forma menos demorada.
- Sequestro passional: Nesse exemplo o sequestro é premeditado por motivos passionais, e o agressor planeja capturar seu cônjuge para se vingar. Esse é um cenário onde o processo de negociação é mais delicado e geralmente mais demorado, pois além do estado emocional alterado do agressor dominar sua racionalidade, seu objetivo inicial não é libertar a vitima pedindo algo em troca, e sim agredir ou até matar.
- Sequestro sob efeito de drogas: Uma terceira situação envolve o sequestrador sob efeito de medicamentos, drogas ou álcool. Essas são ocorrências que exigem técnicas de negociação mais complexas, já que cada tipo de substância causa um efeito comportamental diferente, fazendo com que o criminoso tome ações imprevisíveis e erráticas, com pouca ou nenhuma noção das consequências dos seus atos.
Você pode definir o que é o suicídio por Policial?
É um método passivo de suicídio feito por pessoas que não têm coragem de se matar, e por isso cometem deliberadamente comportamentos criminosos de grande poder ofensivo, para desencadear uma resposta letal da Polícia, seja ameaçando a si próprio, ou terceiros, com uma arma real ou falsa, ou executando uma manobra agressiva contra os agentes da lei. Para estes indivíduos, não há ninguém mais qualificado para revidar sua agressão de forma letal do que um Policial, pois além de ser treinado e equipado, sua vida está sendo ameaçada. O suicídio por Policial é uma das situações que classificamos como complexas.
Por que?
Invariavelmente o individuo está sob forte stress emocional e muitas vezes sob efeito de remédios, drogas ilegais, e/ou álcool, o que potencializa seu comportamento errático e imprevisível.
Para deixar a situação ainda mais delicada, além de representar uma ameaça iminente para si próprio, é comum ele colocar em risco a vida de outras pessoas, geralmente familiares e parceiros amorosos, e obviamente os Policiais que estão no local.
A negociação não segue uma sequencia, não cria um clima de confiança e cooperação. Como a pessoa não segue padrões lógicos, o processo exige continuas adaptações e uso de múltiplas de técnicas, dificultando muito sua resolução.
O suicídio por Policial é uma ocorrência comum?
Os primeiros artigos documentando esses casos apareceram na Inglaterra em 1981, mas hoje já existem vários estudos a respeito disso. O termo atual, “Suicídio por Policial” foi analisado pela primeira vez pelo Policial e Psicólogo americano Karl Harris em 1983. Um trabalho mais recente, publicado no Journal of Forensic Studies, em 2009, examinou mais de 700 tiroteios nos Estados Unidos e classificou 36% como suicídios por Policiais. O documento também sugeriu que a frequência destes incidentes estava em alta. No Brasil, os estudos desse tema começaram a aparecer em 2008. Aqui no GATE esses casos vem aumentando a cada ano; até o inicio de dezembro de 2018 tivemos 22 ocorrências desse tipo, nosso recorde histórico.
Quais são os motivos para alguém cometer este ato?
A literatura especializada apresenta várias situações que levam uma pessoa a provocar sua morte através de confronto com a Polícia. Para nos do GATE é muito importante estudar e entender essas motivações, pois cada uma exige uma abordagem diferente para sua solução. Abaixo estão algumas situações descritas em manuais e artigos internacionais que tratam desse assunto:
- Motivos relacionados a valores sociais: Em muitas culturas e religiões existe um forte estigma associado ao suicídio. Se um indivíduo acredita que esse ato é um pecado, ele pode não ser capaz de realizá-lo. Ele usa então um processo de racionalização: se conseguir morrer através de um Policial puxando o gatilho ao aplicar a lei, então, essencialmente, ele não foi vítima de si mesmo, mas de um homicídio feito pela Polícia, e por isso sua morte é aceita.
- Motivos de culpa: O exemplo mais comum é do individuo que mata outra pessoa, muitas vezes um membro da família, intencionalmente ou não. Impossibilitado de conviver com essa culpa e sentindo o pesado julgamento da sociedade, acredita que a única maneira de resolver a situação é também morrer de forma violenta e para isso recorre ao suicídio por Policial.
- Motivos passionais: Essa pessoa precisa ser percebida como uma vítima, e expressar suas frustrações diante de uma audiência para culpar terceiros por sentimentos relacionados a uma situação amorosa desfavorável. Infelizmente os indivíduos que se encaixam nessa categoria possuem maior probabilidade de matar seus reféns, para amplificar a mensagem do seu ato. Nesses casos as negociações costumam ser longas e com resultados positivos mais difíceis de serem atingidos.
- Motivo de grandeza e atenção: Normalmente se encaixa nessa categoria o criminoso narcisista que julga que, ao ser morto pela Polícia, se transformará num mito, que será notícia e objeto de estudos. Este tipo de indivíduo apresenta grande potencial de violência para os Policiais, e deve ser considerado entre os mais perigosos, já que está decidido a não se entregar.
- Retorno para a prisão: Esse motivo também está relacionado com marginais que, ao serem pegos pela Polícia num ato criminoso, preferem ser mortos num confronto do que retornar para um presidio. Como no caso anterior, é uma situação muito perigosa, com baixo potencial de sucesso na negociação.
- Motivos financeiros: As apólices de seguro de vida não incluem suicídios, mas se o indivíduo for morto num confronto com a Polícia, a família pode receber o dinheiro, fazendo com que ser morto por agentes de segurança passe a ser uma opção viável. Essa situação pode acontecer com pessoas que estão fortes dificuldades financeiras, ou até com doenças terminais, e que desejam deixar uma estabilidade para a família.
- Drogas e ou álcool: A intenção suicida nos casos de pessoas intoxicadas ou drogadas é mais difícil de ser estabelecida, já que suas ações podem ser alteradas pelo abuso dessas substâncias, aumentando seu potencial de violência, ou de suicídio. Nesses casos há necessidade de se pesqisar antecedentes pessoais, profissionais e familiares para classificar com segurança se o confronto com a Polícia é um desejo de ser morto ou não.
Qual o objetivo primário do GATE numa ocorrência de suicídio por Policial?
Tanto no caso de suicídio por policial
como em qualquer tipo de missão, as equipes do GATE conduzem as ocorrências sempre dentro dos estritos limites da lei, com o objetivo principal de preservar a vida de todas pessoas envolvidas, inclusive a dos criminosos. Uma ocorrência com mortes nunca é uma boa ocorrência. Treinamos extensivamente para que nossos protocolos operacionais sejam implementados de forma rápida, correta e decisiva. Não existe maior recompensa para um Policial Militar do que entregar uma vitima sã e salva para sua família”, termina o Major PM Racorti.