
Cidade partida em graus
Em São Paulo, o verão desenha no satélite aquilo que a política fingiu não ver: enquanto bairros como o Morumbi registram cerca de 30 graus na superfície, Paraisópolis, separada por poucas ruas, chega a 45 graus, numa diferença térmica de até 15 graus entre vizinhos de CEP e destinos tão desiguais. Em Heliópolis, outra gigante da periferia, a temperatura superficial passa de 44 graus, confirmando que o mapa do calor coincide milimetricamente com o mapa da pobreza.
A escolha de quem derrete mais ao sol não é obra do acaso nem castigo do clima: é resultado de décadas de urbanismo que espalhou sombra, árvores e materiais que dissipam calor nos bairros ricos, e empurrou telhados metálicos, vielas estreitas e quase nenhuma área verde para as favelas. As imagens analisadas pelo CEFAVELA mostram que as ilhas de calor se concentram justamente onde a densidade habitacional é maior, a infraestrutura é precária e o investimento público sempre chega por último, quando chega.
Esse descompasso térmico é a tradução climática do racismo ambiental: populações majoritariamente negras e de baixa renda confinadas em áreas mais quentes, mais poluídas e mais vulneráveis aos extremos do tempo. Na prática, o calor encurta a vida útil de equipamentos, aumenta a conta de luz, agrava problemas respiratórios e transforma cada onda de calor em risco calculado de adoecimento e morte, numa cidade onde cerca de 1,7 milhão de pessoas vivem em favelas que ocupam apenas 4% do território, mas concentram mais de 15% da população.
Pesquisadores apontam que não basta plantar meia dúzia de árvores em foto de inauguração: é preciso tratar corredores verdes, telhados vivos, drenagem sustentável, hortas comunitárias e parques como parte da infraestrutura essencial, e não como adereço de marketing urbano. Incorporar o risco térmico como critério de moradia adequada e prioridade em política habitacional é encarar o óbvio incômodo: em São Paulo, a desigualdade também se mede em graus Celsius, e quem mais sente o calor é quem menos foi ouvido na hora de planejar a cidade.
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