As crianças muito pequenas precisam de uma literatura que forme valores. Isso é possível com a leitura de fábulas, por exemplos. As fábulas são moralizantes, o bem sempre vence o mal, o bom está na frente do mal e assim por diante. Quer dizer, a criança precisa inicialmente de uma estruturação do pensamento em direção ao bom, ao belo e ao coletivo e isso o livro contribui demais.
Para onde foi e qual é o futuro da literatura infantil
Essa é a questão mais séria neste momento, a literatura infantil perdeu sua época. Os livros de hoje não reconhecem a criança de hoje. Isso porque eles ainda trazem as temáticas da literatura do início do século passado. As crianças estão carentes de livros que dialoguem com elas, e este diálogo só pode acontecer com as temáticas deste tempo.
A criança de hoje quer ser protagonista, quer ser o ator de sua história , quer se ver e se reconhecer em suas características. Nesse caso, o livro infantil não dá esta possibilidade. Ainda fazemos livros infantis com bichinhos, passarinhos e outros elementos que não teriam problemas algum se fossem múltiplos, só que, na maioria das vezes, só trazem estas temáticas.
Como são as crianças atuais
A realidade virtual, o mundo em 3 dimensões, a realidade aumentada, a virtualidade, o mundo por detrás dos superpoderes e dos heróis. A criança deste tempo é mágica, mística, multifacetada. E isso, gostemos ou não, é a criança deste tempo.
Quando estreia no cinema um filme com estas características, as salas ficam lotadas – e o que é mais interessante, as crianças variam de 3 a 90 anos. Há crianças de todas as idades interessadas em mundos mágicos, seres tridimensionais, lugares inabitados e universos completamente desconhecidos. Mas os livros insistem em cenários imóveis, personagens sem função e histórias sem graça.
Por que o livro está com dificuldade de chegar até a criança?
Sempre atribuímos isso à falta de dinheiro, mas com a internet esta justificativa caiu por terra. Há muitas crianças com acesso à internet que não acessam o livro, ou seja, tem o recurso, mas não querem, não gostam, não tem hábito. Por outro lado, o livro também chegou, em poucas quantidades, mas chegou às escolas. Dificilmente você vai encontrar hoje uma escola sem livros infantis .
Apesar de os livros existirem, o hábito da leitura ainda não foi garantido. Isso acontece porque ler é um prazer solitário que se aprende por exemplo, por observação e por prática. Mas a criança, muitas vezes, não vê o pai lendo, não vê a mãe lendo e não vê a professora e o professor lendo. Quer dizer, ela terá que fazer algo que ninguém faz. Como se convencer de que isso é bom se ninguém faz?
O livro digital também se esbarra na falta de hábito. Não há nenhuma diferença, apenas o suporte que difere. O livro físico tem um suporte que é o papel. O digital tem o suporte da tela. Mas o acesso e a paixão para ambos se dão da mesma forma: hábito.
A criança deste tempo está sem voz, está sem representação nas instituições que tomam as decisões por ela. Ou seja, quem decide pela criança não está ouvindo a criança. Por isso esse descompasso.
Por Geraldo Peçanha de Almeida
Pedagogo, mestre em Teoria Literária e doutor em Crítica Literária. Em 2020 passou a integrar a Academia Internacional de Literatura Brasileira, com sede em New York, onde tem Paulo Freire como patrono. Entre os livros lançados estão “Dificuldades de aprendizagem em leitura e escrita” e “Práticas de leituras para neoleitores”.