Moradores relatam medo e caos após operação no Complexo da Penha
Fernando Frazão/Agência Brasil
Moradores relatam medo e caos após operação no Complexo da Penha


Em 23 de outubro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi às redes sociais dizer que tinha “inveja” dos ataques realizados pelos Estados Unidos contra embarcações suspeitas de transportar  drogas na costa da Venezuela. O país vizinho é alvo de Donald Trump, que acusa Nicolás Maduro de abrigar grupos narcoterroristas.

Era quase um pedido de “me chute” colado nas costas do próprio país. Em vez de pontapés colegiais, o que o filho de Jair Bolsonaro queria era ver bombas caindo por aqui, como os norte-americanos já fizeram em países como Afeganistão e Iraque.

Na resposta a uma postagem do secretário de Defesa, Pete Hegseth, ele questionou se militares de lá “não gostariam de passar alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas”.

Parecia conversa de bêbado, não fosse uma senha para acelerar o que o irmão, Eduardo Bolsonaro, buscou por sanções econômicas para ver o Brasil de joelhos até que o pai e os comparsas fossem libertados do jugo da Justiça.

Se não for com boicote, venham com bombas, pedia Flávio com seu apito de cachorro.

Cinco dias depois, o preposto da família instalado no Palácio da Guanabara promoveu a maior chacina da história do país, com 121 mortos contados até agora após a ação policial na Penha e no Complexo do Alemão. O alvo eram os “narcoterroristas” do Comando Vermelho, assim descritos pelo governo fluminense em relatórios enviados à Casa Branca.

A sintaxe não é um detalhe.

Hegseth tem usado o conceito para atingir países não-alinhados a Washington. O pretexto é que o crime organizado é uma ameaça nacional e internacional (já que, segundo a tese, entopem os Estados Unidos de drogas com endosso de políticos locais). E, sendo assim, não são só casos de polícia (vide a reivindicação do próprio Castro por ajuda federal e militar) e sim de Defesa. Se não o Exército daqui, que tal o dos Estados Unidos, como pede Flávio?

A sentença esticaria o alvo colocado na fronteira da Venezuela e estenderia até o Brasil, onde forças estrangeiras poderiam fazer o que bem quisessem para conter o mal.

Falavam o mesmo sobre as armas químicas de Saddam Hussein, que nunca foram encontradas – mas cujas buscas custaram a vida de civis e deslocamento populacional de quem nada tinha com a história.

Sem contar a destruição da infraestrutura local para que os salvadores do hemisfério norte ficassem suas bandeiras sob o lema da ajuda humanitária e da reconstrução.

Um caminho triplo para encher o bolso dos agressores de dinheiro. Primeiro, com bombas. Depois, com empreiteiras meticulosamente escaladas para erguer um país inteiro. Por último, com acesso aos recursos naturais da nação desmembrada e incapaz de gerir o próprio petróleo – ou minérios, ou seja lá o que for.

Claudio Castro enfileirou corpos para mostrar ao mundo que precisa de “ajuda” externa. Seu único lamento foi pelas quatro baixas policiais e a suposta solidão, desmentida pelo Ministério da Justiça com números, de que atua sozinho contra o que ele tamém classifica como "narcoterroristas".

É uma tese furada, mas que ganhou força e musculatura no Congresso, onde uma CPI do Crime Organizado é agora instalada para debater soluções simples para problemas complexos. Os senadores Flávio e Sergio Moro (União-SP) e outros peso-pesados do bolsonarismo estão na tropa de choque da comissão.

Eles sequer disfarçam que a ordem é desgastar o governo Lula, acusado de não saber como lidar com criminosos (como se alguém dali soubesse).

A CPI pode se tornar uma grande peça de propaganda a um ano das eleições.

Não fosse isso, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) não teria sentido o cheiro da oportunidade e escalado o secretário da Segurança, Guilherme Derrite, para ajudar no trabalho dos parlamentares e amarrar com elasticidade teórica a conversa de que o Brasil é hoje refém de narcoterroristas e precisa de uma solução militar – o sonho manifestado pela turma da extrema direita até em cartazes de protestos que descambaram no 8 de janeiro e quase forçaram Lula a decretar a Garantia de Lei e Ordem para deixar o país nas mãos dos militares.

Da última vez que isso aconteceu eles levaram 21 anos para sair do poder. Usaram como instrumento de perpetuação as mesmas armas que juravam ver nas mãos dos inimigos. Tudo para combater o comunismo – hoje reeditado.

Os tanques podem vir com o selo que for. Pode ter até a bandeira dos Estados Unidos. Pode destruir o cartão postal do Rio de Janeiro. Ninguém ali está preocupado com a população. Nem a que é de fato vítima do crime organizado. Nem a que vai morrer se começar a chover bombas salvadoras por aqui.

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG

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