Blogueiro vira símbolo do descontentamento na Rússia

Aleksei Navalny convocou milhares de russos para manifestações contra supostas irregularidades nas eleições parlamentares

Durante uma reunião para organizar os protestos contra o governo da Rússia na semana passada, uma jovem ativista ambiental disse à multidão: "Eu gostaria de agradecer Aleksei Navalny. Foi ele quem nos uniu com a ideia: todos contra o Partido dos Trapaceiros e Ladrões".

A jovem usou a expressão que Navalny, bloqueiro mais famoso do país, criou para se referir ao partido Rússia Unida, do premiê Vladimir Putin. Preso e agora longe da internet, Navalny, 35 anos, ficou famoso na limitada blogosfera russa. Depois das eleições parlamentares de domingo, ele usou seu Twitter e seu blog para chamar "nacionalistas, liberais, esquerdistas, verdes, vegetarianos, marcianos" para protestar contra irregularidades na votação.

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Foto: NYT
Aleksei Navalny posa para foto perto de seu escritório no centro de Moscou (17/01)

A medida do carisma de Navalny ficou clara depois dos protestos da noite de quinta-feira, que reuniram cerca de cinco mil manifestantes, tornando-se a maior manifestação anti-Kremlin dos últimos anos. Ele foi preso sob a acusação de enfrentar a polícia e condenado a 15 dias de prisão.

Naquela noite as temperaturas caíram para abaixo de zero, mas os discípulos de Navalny mantiveram vigília do lado de fora do local onde ele estava detido, com os olhos presos ao Twitter. Alguém tinha espalhado um boato de que ele estava morto, e até mesmo seus advogados não tinham certeza do seu paradeiro, aumentando a sensação de que Navalny - que tem sido relutante em se apresentar como um líder político - foi o centro de tudo o que estava acontecendo.

"Ele é o único homem que tem o poder de pegar todos os cidadãos comuns e levá-los para a rua", disse Anton Nikolayev, 35, que passou boa parte da terça-feira rondando tribunais para ver Navalny. "Ele é uma figura que poderia vencer Putin caso pudesse concorrer."

Esta afirmação pode parecer absurda. Putin, agora em seu 12º ano como líder supremo da Rússia, tem índices de aprovação acima de 60%, segundo o independente Centro Levada. Há duas semanas o Levada revelou que 60% dos russos não estariam sequer dispostos a considerar qualquer figura da oposição como candidato presidencial. Apenas 1% indicou Navalny, cuja exposição acontece através do Twitter e de seus blogs, o Navalny.ru e o Rospil.info.

Mas o resultado das eleições parlamentares de domingo abalou os pressupostos políticos, em grande parte porque as autoridades pareceram incapazes de recuperar o controle do discurso público.

Durante uma década, a agenda política da Rússia foi determinada no interior do Kremlin, onde os estrategistas selecionavam e promulgavam temas para discussão pública, disse Konstantin Remchukov, editor do jornal Nezavisimaya Gazeta.

"E agora, poucos dias depois das eleições, a agenda política está sendo determinada por outras pessoas", como o líder da oposição, Boris Y. Nemtsov e Navalny, disse ele. "Isso é chocante e totalmente imprevisível."

Navalny tem aparência nórdica, senso de humor cáustico e nenhuma organização política. Há cinco anos ele deixou o partido liberal Yabloko, frustrado com brigas internas entre os liberais e o isolamento da opinião pública russa. Os liberais, por sua vez, têm profundas reservas quanto a ele, porque defende pontos de vista nacionalistas. Ele já apareceu como orador ao lado de neonazistas e skinheads e chegou a estrelar um vídeo no qual compara os militantes do Cáucaso a baratas. Enquanto as baratas podem ser mortas com um chinelo, diz ele, no caso dos seres humanos "recomendo uma pistola."

Mas o que atrai as pessoas para Navalny não é a ideologia, mas, sim, o desafio confiante que ele faz ao sistema. Advogado imobiliário por formação, ele usa dados - em seus sites, documenta o roubo em empresas estatais - e um desprezo implacável contra o governo. "Partido de Trapaceiros e Ladrões" se tornou um jargão com uma velocidade de tirar o fôlego e danificou a marca política do Partido Rússia Unida.

Ele projeta uma serena confiança de que os eventos estão convergindo – lenta, mas seguramente - contra o Kremlin.

"A revolução é inevitável", disse ele à edição russa da revista Esquire, em entrevista publicada este mês. "Simplesmente porque a maioria das pessoas entende que o sistema está errado."

Ele foi menos definitivo sobre o futuro que imagina para o país, dizendo apenas que espera que seja algo que "se assemelhe a um enorme, irracional e metafísico Canadá."

Na quarta-feira, o ex-prefeito de Moscou Yuri M. Luzhkov disse que consideraria participar de um protesto se Navalny o convidasse. Poucas horas depois, uma referência extremamente profana de Navalny ao presidente Dmitri Medvedev foi republicada em seu Twitter, o que levou sua assessoria de imprensa a divulgar um comunicado explicando que a mensagem tinha sido publicada por um membro da sua equipe de suporte técnico, "durante uma operação de rotina para alterar sua senha".

Na quinta-feira, o Rússia Unida publicou um ataque a Navalny, descrevendo sua militância como uma "autopromoção tipicamente suja". A empresa de consultoria Medialogia documentou um súbito salto no número de menções a Navalny na mídia russa, de várias centenas por dia para a cerca de 3 mil. Na sexta-feira entrou no ar um site que o promove como candidato nas eleições presidenciais de março. Até os céticos admitem: Navalny conseguiu unir uma multidão que não existia anteriormente.

"Eles nunca haviam se reunido em qualquer lugar antes", escreveu Grigory Tumanov, repórter do Gazeta.ru. "Eles apenas leram o Twitter e ficou claro que seria preciso fazer alguma coisa, se unir em torno de alguém, porque a situação estava intolerável. Que seja Navalny, com todos os seus prós e contras."

Na audiência de apelação, na quarta-feira, Navalny parecia cansado. Seus partidários haviam encontrado um vídeo amador mostrando que ele não tinha resistido à prisão e que os oficiais que testemunharam contra ele não eram os mesmos que o prenderam, mas o juiz se recusou a analisar a questão. Uma fotografia tirada do lado de fora do centro de detenção onde ele está sendo detido o mostra agarrando a grade de sua janela e olhando com um olhar feroz, fixo.

Lá fora, seus discípulos esperavam por sua libertação.

"Olhe, há pessoas aqui de pé que não foram recrutadas por ninguém", disse Viktor Masyagin, 28, diante de um tribunal no início da semana. "Ninguém nos trouxe aqui de ônibus, ninguém nos pagou nada, mas aqui estamos de qualquer maneira. Isso deve significar algo", disse ele.

Por Ellen Barry

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