Argentina: o peronismo é um movimento de esquerda ou de direita?

O resultado do primeiro turno da eleição Argentina revelou intensa polarização entre o eleitorado peronista e o anti-peronismo

Foto: Arquivo Público da Argentina
Juan Domingo Perón e Eva Duarte Perón cumprimentando trabalhadores de Buenos Aires


No último domingo (22), os argentinos foram às urnas para eleger seus parlamentares e o novo presidente da República, que assumirá o país em meio a uma crise econômica profunda, marcada por uma inflação fortíssima e elevada dívida externa. 

O resultado levou ao segundo turno o  atual ministro da economia, Sergio Massa - membro de uma corrente política herdeira do peronismo - e o ex-jogador de futebol  Javier Milei, um deputado anti-peronista de extrema direita. 

Diante do cenário socioeconômico e eleitoral do país vizinho, que lembra em muitos aspectos a eleição brasileira de 2018, muitos brasileiros podem se perguntar quem foi Perón, se é o peronismo é de esquerda ou direita, e por que razão um movimento surgido na década de 1940 segue vivo e competitivo na política Argentina.  

Esquerda ou direita? A resposta é: “depende”

Definir o peronismo como um movimento de esquerda ou direita, contudo, é uma tarefa difícil, pois desde o final do período dos governos peronistas, outros políticos chegaram à presidência e ao Congresso da Argentina encampando a bandeira política do peronismo, entre eles o atual presidente, Alberto Fernández; Carlos Menem; Nestor e Cristina Kirchner (cujos governos são conhecidos como “Kirchnerismo)”. 

“Na Ciência Política da Argentina não se estudam bases ideológicas de esquerda e direita, mas sim as bases de peronismo e anti-peronismo, que vem desde 1945”, disse Paola Zuban, cientista política, mestre em Comunicação Política, co-fundadora, sócia e diretora de pesquisa na consultoria Zuban Córdoba y Asociados.


Ela explica que o Peronismo é considerado um movimento por apresentar, ao longo da História, períodos de viés mais conservador, alternados com épocas de atuação política mais progressista. 

“Tradicionalmente é um movimento de base trabalhadora, então o eleitorado estava nos setores de trabalhadores e nos mais vulneráveis da sociedade. Houve momentos de neoliberalismo, como no governo de Menem. Nos últimos tempos, o peronismo que tínhamos na presidência de Nestor Kirchner, Alberto Fernandéz e Cristina Kirchner, é um partido mais de centro-esquerda”, disse Paola. 

Contudo, o passar do tempo fez com que esse movimento político mudasse muito, alternando-se entre momentos (e políticos) mais à esquerda ou mais à direita.

“O Peronismo é muito orgânico, ele depende do líder que estiver governando. Em geral, quando o líder está definindo o rumo, todo o partido se reúne em torno desse líder”, explicou Paola.

Essa lógica, no entanto, foi um pouco modificada devido à existência de mais vozes dissonantes do atual presidente, Alberto Fernández, dentro de seu próprio partido. 

Trazendo a questão para o atual contexto eleitoral, ela explica que Sergio Massa é um candidato que começou sua carreira num partido liberal (ele pertencia à UCN, partido que desapareceu e tinha recorte liberal), e hoje se identifica como peronista, “mas é de uma ala mais pragmática do peronismo”. 

Quem foi Perón?

Foto: Wikimedia Commons
A vitória de Perón ocorreu com cerca de 260 mil votos a mais que seu principal concorrente, José Tamborini, da Unión Cívica Radical Del Pueblo


Juan Domingo Perón nasceu em Lobos, município da província de Buenos Aires, era militar e foi presidente da Argentina em duas ocasiões: de 1946 a 1955; e de 1973 a 1974 (ano de sua morte). 

Ele ganhou popularidade a partir de 1943, quando um golpe militar levou ao poder o Grupo de Oficiais Unidos (GOU), composto por militares católicos e ultraconservadores.

Durante esse período de autoritarismo e perseguição política contra movimentos populares, comunistas e sindicatos, Perón assumiu a Secretaria do Trabalho e Provisão para se aproximar dos movimentos sindicais e massas operárias. 

Afirmando que trabalhadores desorganizados seriam “alvos fáceis” para o comunismo, ele se tornou popular por conceder direitos previdenciários e trabalhistas.

Essa atitude alçou Perón ao posto de vice-presidente com um discurso nacionalista, anticapitalista e voltado à promoção de justiça social, mas também assustou as elites políticas e empresariais da Argentina.

O temor dos mais ricos criou conspirações que levaram Perón à prisão por nove dias em outubro de 1945, um ano antes de sua primeira vitória numa eleição para Presidente da República, derrotando José Tamborini com quase 53% dos votos. 

O governo peronista adotou uma política populista e autoritária, num ambiente econômico favorável devido às reservas cambiais cheias. Diante de uma crise na agricultura, os investimentos na indústria foram reforçados e trouxeram um crescimento considerável.

Esse fator, aliado à política de distribuição de renda, permitiram um aumento do consumo das famílias. Contudo, o crescimento do consumo interno trouxe consigo um problema: inflação. 

Em 1951, Perón foi reeleito com larga vantagem e começou o mandato em 1952 em meio a problemas econômicos agravados por uma seca, ocasionando um déficit comercial que esgotou as reservas do país. 

O autoritarismo marcou o segundo mandato de Perón, que perdeu poder após a morte de sua esposa e companheira de chapa, Eva Perón, elevando a radicalização da oposição. Isso levou à realização de um atentado a bomba durante um discurso do presidente na Plaza de Mayo em 1953. 

Após perder o apoio da Igreja Católica e do Exército, Perón ficou cada vez mais isolado, acarretando novos atentados e um levante militar que forçou Perón a renunciar ao seu mandato se exilar em 1955. 

Perón se casou na Espanha e retornou à Argentina em 1973, no período de redemocratização da Argentina, e voltou a se eleger em 23 de setembro de 1973 e permaneceu no poder até sua morte em 1º de julho de 1974.

Isabel Perón, vice-presidente e esposa de Perón, não era popular entre os argentinos e assumiu o mandato, mas acabou deposta por um golpe militar em 1976.