Neste domingo (20), ocorre o primeiro turno das eleições no Equador, país que vem ganhando destaque no noticiário nos últimos dias diante da onda de violência registrada, especialmente no cenário político. O resultado do pleito pode ter grande influência sobre o papel que as organizações criminosas exercem sobre a região atualmente.
"A movimentação dos candidatos e o perfil deles estão conectados com o papel que os cartéis continuarão a desempenhar no Equador", aponta a professora de Relações Internacionais da ESPM e especialista em América Latina Tamya Rebelo. "Essas eleições podem ser um divisor de águas no que diz respeito à influência que esses grupos atualmente exercem nas estruturas do Estado."
A esfera política do país foi marcada por uma sequência de atentados, sendo que um deles levou à morte do candidato à presidência Fernando Villavicencio em 9 de agosto. No dia seguinte, Estefany Puente, candidata à Assembleia Nacional, foi alvo de um atentado por disparos de arma de fogo, que resultaram em ferimentos leves no braço. Além disso, na última segunda-feira (14), Pedro Briones, um dirigente partidário local, também foi assassinado.
Ainda, nessa quinta (17), tiros foram ouvidos durante um evento do candidato Daniel Noboa na cidade de Durán, região oeste do país.
As últimas pesquisas de intenção de voto mostravam Villavicencio entre os quatro mais bem colocados para a disputa. Ele aparecia ao lado de Luisa González, Otto Sonnenholzner e Yaku Pérez.
Os ataques a figuras políticas ocorrem em um momento de questionamentos e insatisfações da população com a crescente insegurança que assola o país. De acordo com Rebelo uma das principais questões a se pensar quando se trata da onda de violência no Equador é o papel das redes de organizações criminosas e como elas vêm tentando expandir sua influência no tecido político, econômico e social.
A especialista aponta que o Equador sempre foi "um país relativamente estável na América Latina", mas que, devido à posição geográfica, boa infraestrutura e rota para transporte de cocaína, despertou interesses de criminosos locais e de outros países, incluindo México e Colômbia.
"Esses grupos criminosos têm se infiltrado na estrutura burocrática do governo, conseguindo em grande parte blindar medidas mais robustas que reduzam suas operações", afirma. "Essa situação se repete em outros países da América Latina e a chegada ao poder de políticos severos, com 'mão de ferro' para lidar com o problema do crime organizado, pode estar abrindo precedentes para que líderes de cartéis que usam a estrutura do Equador sintam a necessidade de agir de forma preventiva, dissipando medo como forma de evitar a chegada ao poder de uma autoridade com recursos e vontade política de colocar em prática ações mais duras."
Pesquisas de intenção de voto realizadas no país indicam que grande parte da população equatoriana está indecisa quanto a escolha de um candidato à presidência. Uma das principais preocupações do eleitorado, segundo a professora da ESPM, é, de fato, a violência, mas a instabilidade política na região causa certo desespero na população na escolha de um líder que conseguirá propor medidas relativamente viáveis para combater grupos que já estão infiltrados nas dimensões governamentais do país.
"A corrida presidencial já começou complexa, com um grupo de oito candidatos de origens e pautas diversas concorrendo à presidência. É importante frisar que esta era uma eleição peculiar, produto de uma crise política", diz ela, destacando que a corrida eleitoral começou com a dissolução da Assembleia Nacional pelo atual presidente, Guillermo Lasso, "em meio a uma crise política, altos índices de violência e crescente influência do narcotráfico no tecido público e social".
Expectativa para as eleições
Considerando o contexto de violência registrado no Equador nas últimas semanas, a especialista estipula dois cenários possíveis para o pleito deste domingo. Um deles é que os atentados podem gerar um clima de medo e tensão, fazendo com que a população não engaje como o esperado nas eleições. Por outro lado, os episódios também podem "alimentar um sentimento de revolta e urgência na população", que é passível de eleger um candidato com um perfil mais "linha-dura".
O resultado do pleito também é de grande expectativa em relação aos próximos passos da atuação dessas organizações criminosas no país. Caso necessário, o segundo turno acontece em 15 de outubro.
Regiane Nitsch Bressan, professora adjunta de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) afirma que a instabilidade política é tão grande atualmente que, a depender do saldo da votação, a tensão pode crescer ainda mais.
"É difícil dizer que vão acontecer mais crimes, mas, dependendo do político que ganhar, caso ele não consiga conter esses grupos, eles vão continuar atuando pelo crime e pelo seu crescimento", afirma. "Os assassinatos não apenas influenciam no resultado das eleições, mas ocasionam uma tensão política no país e isso desestabiliza a própria democracia, o próprio pleito eleitoral."
Para além da violência, o próximo presidente tem uma lista de desafios a cumprir ao assumir o mandato no país, como a crise econômica, a desigualdade social e a informalidade, que faz com que as pessoas atuem cada vez mais no narcotráfico.
"O Equador vai enfrentar uma crise econômica, mas também tem que apostar em um Estado forte, que consiga conter esse tipo de violência e que implemente políticas de intolerância contra esses grupos", destaca Bressan, que também é professora da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN). "O país precisa de muitas políticas conjuntas, com apoio regional, porque ele não vai conseguir sozinho."