Andar pelas ruas de Mariupol tomaram sentido diferente para a ativista Mila Sirychenko. O cenário encontrado na cidade em 20 de fevereiro de 2022, quando deixou o país, era de uma cidade intacta, preocupada com a possível invasão, mas cheia de luz e alegria entre os moradores.
A ansiedade tomava conta dela pela primeira viagem internacional da sua vida. Ela e seus pais se preparavam para ir à Espanha, como presente de aniversário de casamento deles. Quatro dias depois, uma sensação estranha tomou conta da ativista. Era o início do pesadelo, que já dura um ano.
“Acordei com uma sensação ruim, por volta das 5 da manhã - quase nunca acontece comigo - e vi a notícia terrível. Tentei falar com minha irmã em Kiev e minha avó em Mariupol e não conseguimos”, lembra.
Ela conta que o sentimento de impotência aflorou após ver que os espanhóis viviam suas vidas normalmente, enquanto os ucranianos sofriam os primeiros bombardeios. Porém, ela mantinha a esperança de que o conflito não durasse muito tempo.
“Não entendíamos a escala no momento e pensávamos que tudo estaria resolvido em uma semana ou mais”, afirma Mila.
“Foi muito, muito estranho e frustrante sair para ver uma cidade ensolarada cheia de turistas e todos agindo normalmente”, completa.
Ao ver o rastro de destruição, ela e a família optaram por morar em Viena, capital da Áustria. Durante o ano, a casa onde moravam foi bombardeada, enquanto as informações sobre sua família ficaram desencontradas.
“Este ano foi muito difícil, pois pude visitar minha família na Ucrânia apenas em dezembro, o entendimento de que minha cidade natal, Mariupol, está destruída e eu não tenho mais minha casa e nem para onde voltar. Foi difícil de aceitar e ainda é”, afirma.
“Minha família conseguiu sobreviver mesmo com meu tio estando primeiro em Azovstal e depois mantido em cativeiro pelos russos por 4 meses, mas agora ele está de volta à Ucrânia. Também minha avó passou por tempos difíceis em Mariupol e agora também mora perto de Kiev”, completou.
O medo da bota do soldado russo
Conversei com a jornalista Kristina Zeleniuk em março do ano passado. Na época, ela relatou o pânico após a torre de TV em Kiev ser derrubada por um míssil russo.
Um ano depois, o pânico continua e os traumas com a continuação da guerra são perceptíveis durante a conversa. Em diversos momentos, ela abaixa a cabeça ao lembrar da situação dos ucranianos.
"Foi um ano muito difícil para mim e difícil para todos os ucranianos. Quando os primeiros mísseis russos nos atingiram em fevereiro-março, eu quase desisti de tudo. Provavelmente, o ponto de virada para todos nós [ucranianos] foi quando vimos as atrocidades do exército russo. As tragédias estavam em todos os lugares onde estava a bota de um soldado russo", disse
Dias após a nossa conversa, ela deixou a Ucrânia em um programa especial para jornalistas. Ela voltou a Kiev em setembro, quando encontrou o cenário ainda mais caótico no país.
Em outubro, a Rússia iniciou uma ofensiva mais agressiva contra os ucranianos. Resultado: mortes, medo e sangue onde havia marcas da bota de soldados russos.
"No início de outubro, a Rússia iniciou sua campanha de destruição de nossa infraestrutura crítica com seus mísseis. Ficou tudo destruído. Em novembro-dezembro, após outro ataque de mísseis russos, ficamos vários dias sem eletricidade e aquecimento. Estava muito frio. Várias noites dormi com dois suéteres e um chapéu, porque fazia menos 9 ou algo assim lá fora. Mas isso só nos fortaleceu", conta.
Nem na virada de ano os ucranianos tiveram sossego. Kristina e a família precisaram passar o feriado escondidos para se protegerem da ofensiva russa.
"Passamos a véspera de Ano Novo no porão, porque à 0h15 a Rússia lançou outro ataque com mísseis contra a Ucrânia", lembra.
Um dos últimos ataques programados por Vladimir Putin foi no 21 de fevereiro, horas após seu discurso em que ameaçou usar armas nucleares na guerra. O lançamento de mísseis foi registrado em um ponto de ônibus em Kherson, cidade em que a Ucrânia ainda busca a recuperação. Saldo de 5 mortos e outros 16 feridos.
"Para ser sincera, estamos acostumados com ameças. Quero acreditar que ele está blefando. Até 24 de fevereiro de 2022 eu dizia que um ataque nuclear no mundo era impossível. Hoje não sei de mais nada", afirma Kristina.
"Em Kherson, por exemplo, mesmo durante o dia o centro da cidade fica vazio. É muito perigoso as pessoas andarem ou até mesmo irem ao supermercado porque a qualquer momento a Rússia pode abrir fogo de artilharia contra a cidade. Kharkiv está agora sob constantes ataques de mísseis russos. Mas cada um de nós está fazendo a sua parte, o que nos aproxima da vitória, porque se desistirmos, a Ucrânia não estará mais no mapa mundial", ressalta.
Ela comemora a resistência da Ucrânia no conflito e as ajudas dos países ocidentais com tanques, dinheiro e armamentos. Porém, a jornalista faz uma ressalva em relação ao Brasil, que se recusa a tomar partido no conflito.
"Kiev, que a Rússia queria tomar em três dias, está de pé. A Ucrânia está de pé e continua a lutar. Esta é a principal conquista para mim este ano. O problema está na atitude revanchista dos russos. E se engolirem a Ucrânia, não vão parar e seguir em frente", alerta.
"Estamos prontos para continuar a lutar. Mas não podemos fazê-lo sem o apoio de todo o mundo. E países como o Brasil, que declaram oficialmente a neutralidade em relação à brutal guerra da Rússia contra a Ucrânia. Realmente depende muito de você. É por isso que os ucranianos agradecerão qualquer apoio do povo brasileiro nesta guerra. Porque o mal não pode vencer. O Brasil tem uma sociedade civil vibrante e poderosa. Você sabe por sua própria história como é finalmente se tornar um estado democrático independente. Portanto, ajude a Ucrânia a salvar nosso país e sua independência", completa.
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