Enquanto a Ucrânia vive o seu primeiro ano de guerra contra Rússia , o Brasil mantém seu status de imparcialidade no conflito, que já deixou 42,2 mil mortos. Desde o ano passado, o governo tenta segurar a pressão de países parceiros para tomar as dores da Ucrânia, mas há a preocupação com o impacto nas relações com russos e chineses.
A saída de Jair Bolsonaro (PL) e a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto acentuou as pressões sobre uma parcialidade do Brasil. Em um encontro na Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu um posicionamento do Brasil, enquanto a Alemanha cobrou o envio de munições para tanques à Ucrânia.
Em diversas reuniões, Lula defendeu a criação de um grupo para negociar um acordo entre os países. Embora a ideia tenha forte adesão, os países europeus acreditam que a medida não funcionará, principalmente depois das ameaças nucleares feitas pelo presidente russo, Vladimir Putin.
A indefinição do Brasil está incomodando fortemente os Estados Unidos. A subsecretária de Assuntos Políticos do Departamento de Estado americano, Victoria Nuland, fez severas críticas a Lula e pediu para que os brasileiros se colocassem no lugar dos ucranianos.
“Se [o Brasil] tivesse um grande vizinho pegando pedaços de seu território e o invadindo com militares, esperaria e ansiaria pelo apoio da comunidade democrática para resistir e repelir isso?”, disse Nuland.
Mas a tentativa do Brasil em manter sua imparcialidade tem motivos: tradição, acordos comerciais e, principalmente, pressão política.
Tradicionalmente, o Brasil não se coloca a favor de um ou outro em guerras. Na Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas cedeu à forte pressão dos Estado Unidos e intercedeu pelos Aliados apenas em 16 de setembro de 1944. Já na Guerra Fria, o país tendeu para os Estados Unidos, mas vislumbrou realizar acordos com os russos.
Passaram-se anos até que o Brasil assinasse acordos comerciais com a Rússia. Durante seu primeiro governo, inclusive, Lula e Putin tinham boa relação, o que gerou visita de cortesia do brasileiro ao comandante russo.
Com isso, o Brasil passou a comprar gás e petróleo da Rússia e assinou acordos comerciais com a China, principal aliada dos russos, que se tornou a maior importadora de produtos brasileiros.
“No ano passado, houve ali uma pressão interna dos grupos exportadores, especialmente do agronegócio, que ressaltaram a dependência do Brasil dos russos. Eles afirmaram que o Brasil seria desbalizado caso tomasse partido”, explica Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM.
“Outro fator importante foi a admiração que o Bolsonaro tinha com relação ao Putin. Para o ex-presidente, o russo é visto como um exemplo de líder”, completa a professora.
Se acordos comerciais e a tradição são fatores que pesam, a pressão política é a principal responsável pela imparcialidade do Brasil. Lula acabou de retomar seu governo e tem objetivo de recuperar a imagem do país no cenário internacional e a última coisa que o petista quer é se indispor com países parceiros.
“Há dois pontos que precisamos citar. Tem a questão ideológica, já que o PT vê a esquerda da mesma forma que a Guerra Fria, mas há um quesito pragmático. O Brasil tomar partido pode colocar fim em laços comerciais entre os principais parceiros do país: Estados Unidos e China. Então, há essa preocupação com a possível tomada de decisão dessa guerra”, afirma Leandro Consentino, professor de Relações Internacionais do Insper.
“A pressão política também interfere nessa decisão. Lula não pode se indispor politicamente no Brasil e qualquer quebra comercial que prejudique a economia, isso irá acontecer”, completa.
Influência dos BRICS
Claro que o fator econômico não poderia faltar entre os motivos que faz o Brasil manter sua imparcialidade. A Rússia é aliada do país nos BRICS, bloco econômico formado por países emergentes.
O Brasil quer segurar acordos comerciais e evitar qualquer racha no grupo. Além do governo brasileiro, Índia e África do Sul também devem manter a imparcialidade sobre a guerra na Ucrânia.
“No caso do governo Lula, eu acho que mantém a questão econômica. Um ponto importante a se olhar é a aliança dos BRICS. O governo brasileiro entende que o Brasil precisa estar numa aliança forte, é a partir daí que o país pode obter interesses nessa nova configuração internacional”, explica Denilde.
“Na visão do Brasil, as chances de segurança econômicas estão maiores com o bloco dos emergentes do que com os Estados Unidos”, completa.
Outro fator que impede uma parcialidade do Brasil é a tentativa de emplacar a ex-presidente Dilma Rousseff no banco dos BRICS. O nome dela é bem quisto pelo comando da instituição e pelos países que fazem parte do bloco.
Uma tentativa de Lula em colocar as “barbas de molho”, pode colocar o objetivo a perder e sofrer sanções econômicas dos russos.
Futuro da guerra
O Brasil enviou um documento às Nações Unidas solicitando a criação de um grupo de negociações de paz entre os dois países. Especialistas acreditam que, se aprovado, será um “golaço” marcado pelo governo brasileiro.
Entretanto, tudo dependerá das vontades de ceder e aceitar os pedidos um do outro. A Rússia quer a região de Donbass, enquanto a Ucrânia quer manter a sua soberania e não perder mais territórios após a anexação da Crimeia pelos russos.
“Acredito que pode dar certo [o grupo], mas vai depender de diversos fatores. Temos que lembrar, também, que a Europa vai aumentar a pressão sobre o Brasil tomar algum partido nessa guerra. Estamos instáveis sobre o futuro do conflito”, explica Denilde.
“Não vejo com tanto otimismo a criação do grupo sem a colaboração dos protagonistas ocultos nessa disputa, China ou Estados Unidos. O Brasil tem papel importante nas relações internacionais e tenta alavancar o poder de negociação junto à França. Se não der certo o grupo, o Brasil terá que tomar partido para um lado e precisará ver o que menos impactará seus laços comerciais e políticos”, completa Consentino.
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