Apesar da tensão, China e Taiwan têm relação econômica próxima

Chineses são os maiores parceiros comerciais da ilha, principal produtora global dos semicondutores tão necessários para os objetivos tecnológicos de Pequim

Apesar da tensão, China e Taiwan têm relação econômica próxima
Foto: Presidência de Taiwan
Apesar da tensão, China e Taiwan têm relação econômica próxima

China deu início na quinta-feira às maiores manobras militares que já fez no Estreito de Taiwan, um corredor comercial vital, acendendo o alerta nas já debilitadas cadeias de fornecimento global. A animosidade exacerbada pela visita a Taipé da presidente da Câmara americana, Nancy Pelosi, esconde uma relação econômica entre Pequim e e a ilha que não só umbilical, mas também essencial para um planeta progressivamente mais tecnológico.

A China é a maior parceira comercial de Taipé, com as trocas bilaterais aumentando 26% no ano passado, para US$ 328,3 bilhões. Pequim também é a maior parceira do Brasil, mas a soma das importações e exportações sino-brasileiras em 2021 não chegou nem na metade das sino-taiwanesas, ficando ao redor de US$ 135,4 bilhões.

O superávit foi favorável à ilha autogovernada, mas que Pequim vê como uma província rebelde: as exportações superaram as importações em US$ 172 bilhões, segundo dados da alfândega chinesa. Parte significativa deste volume deve-se aos semicondutores, fundamentais para a produção de equipamentos de alta tecnologia, sejam celulares e geladeiras smart ou aviões de guerra.

Não foi à toa que o setor ficou imune à suspensão das importações de frutas cítricas, chá e biscoitos taiwaneses e ao veto à exportação de areia, importante para a construção civil taiwanesa. Em repúdio à viagem da deputada californiana, as medidas buscam pressionar a economia de Taipé, mas mirar os semicondutores equivaleria — ao menos por enquanto — a um tiro de Pequim no seu próprio pé.

Taiwan é responsável por cerca de 64% dos semicondutores produzidos globalmente, segundo um levantamento da empresa TrendForce. Sozinha, a empresa Taiwan Semiconductor Manufacturing (TSMC) responde por mais da metade do mercado global, fatia que chega a 92% quando se fala exclusivamente dos semicondutores mais sofisticados, de acordo com um levantamento do Boston Consulting.

Não é surpreendente que o setor corresponda a cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) da ilha, reconhecida como país soberano por apenas 14 nações, entre elas o Vaticano. Atualmente, 40% das exportações taiwanesas são semicondutores, essenciais também para os planos do governo de Xi Jinping.

A China é responsável por 60% da demanda planetária do produto, mas nove de cada dez chips que precisa são importados ou feitos por empresas estrangeiras em seu território. Entre elas, a TSMC, cujo site lista uma fábrica em Xangai e outra em Nanquim, que produzem equipamentos com tecnologia mais antiga.

Nos semicondutores de ponta, a dependência que os chineses têm dos taiwaneses é quase total. E também uma preocupação antiga para Pequim e sua ambição de ultrapassar os EUA como a maior economia do planeta e assumir a dianteira isolada da corrida tecnológica na chamada Quarta Revolução Industrial.

O governo chinês investe bilhões na estatal Semiconductor Manufacturing International Corporation (Smic) para aumentar sua autonomia, parte do programa “Made in China 2025”, que começou em 2015. Os esforços têm sido bem sucedidos: no mês passado, veio à tona que a companhia provavelmente avançou sua tecnologia de produção em duas gerações.

Não está claro qual é seu volume de produção e pode levar anos até que haja viabilidade comercial, mas significa que Pequim vem tendo sucesso apesar das sanções dos EUA destinadas a contê-la. Dezenove das 20 produtoras de chips que mais cresceram no último ano estavam na China, segundo um levantamento de junho da Bloomberg.

As tensões recentes também são positivas para as contas da Smic, cujas ações subiram 3,3% nesta quinta em Hong Kong, após uma alta de 4,1% na quarta. Outra empresa, a Hua Hong, avançou 5%. É um sinal da crença do mercado de que Pequim aumentará ainda mais seus investimentos no setor.

Trata-se de uma disputa tecnológica aberta entre as duas potências, não muito diferente dos testes nucleares ou mísseis guiados de precisão durante a Guerra Fria. Isso explica porque Pelosi visitou a sede da TSMC durante sua estadia em Taipé.

A empresa, que já tem uma fábrica nos EUA e constrói outra, é pressionada há anos por Washington para que cesse suas vendas para empresas chinesas como a Huawei. É contra esta mesma gigante das telecomunicações que os americanos travam uma cruzada planetária no que diz respeito à instalação de infraestrutura para redes 5G.

Há uma semana, os americanos aprovaram também um projeto de lei para injetar US$ 280 bilhões em pesquisa, desenvolvimento e produção de semicondutores no país. Há, contudo, uma condição: as empresas beneficiadas devem se comprometer a não aumentar sua produção de chips altamente tecnológicos na China.

A produção de semicondutores taiwaneses é escoada justamente pelo Estreito de Taiwan, uma das rotas comerciais mais movimentadas do planeta. Por lá, passaram quase metade dos navios porta-contêineres do planeta nos sete primeiros meses do ano, de acordo com um levantamento da Bloomberg. É uma região importante para o comércio de equipamentos eletrônicos e gás natural — a commodity mais em voga no planeta desde que a invasão russa na Ucrânia eclodiu em 24 de fevereiro.

Os temores de que as manobras militares chinesas privassem Taiwan do seu espaço aéreo e marítimo não foram confirmados, segundo monitoramentos por satélite, mas demonstram que Pequim tem a capacidade de fazê-lo no futuro. Afetariam drasticamente também os fluxos comerciais japoneses e sul-coreanos, disse à agência AFP Nick Marro, analista da Economist Intelligence Unit.

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