O ex-presidente Donald Trump foi acusado de abandono do dever, negligência e inação nesta quinta-feira, na oitava audiência da Comissão da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos que investiga a invasão ao Capitólio por seus apoiadores, em 6 de janeiro do ano passado.
“[Trump] abriu um caminho para a anarquia e corrupção [durante a invasão do Capitólio americano no ano passado]”, acusou Bennie Thompson, democrata do Mississippi e presidente da comissão.
De acordo com a comissão, Trump tinha o poder de desmobilizar a multidão, que agia em seu nome, mas se recusou a fazê-lo, mesmo depois que a sede do poder Legislativo foi tomada por seus apoiadores. O ex-presidente lavou as mãos e apenas assistiu aos tumultos durante três horas e sete minutos, disseram. Só depois que centenas de policiais marcharam para o local para ajudar as forças de segurança do Capitólio e começaram a reverter a situação, deixando claro que o cerco falharia, é que Trump teria se manifestado.
Quando o Capitólio estava cercado, em vez de chamar a polícia ou a Força Nacional para obter uma resposta imediata, Donald Trump começou a ligar para senadores republicanos, em uma última tentativa de forçá-los a encampar sua versão da eleição presidencial, disse a deputada Elaine Luria, democrata da Virgínia.
A comissão mostrou trechos do discurso que Tump fez em frente à Casa Branca minutos antes de seus apoiadores marcharem até o Capitólio, incentivados pelo ex-presidente; e do discurso de pouco mais de três minutos e meio que o ex-presidente fez na noite daquele dia, relutando em responsabilizar os invasores, que ele chamou de “patriotas”, e se recusando em dizer que a eleição havia acabado.
A sessão foi originalmente planejada para ser a última, mas pode haver mais, de acordos com fontes ouvidas pelo New Yor Times. Bennie Thompson presidiu a hoje remotamente, após testar positivo para Covid-19 nesta semana.
"Lenha na fogueira"
Antes da audiência, Sarah Matthews, uma ex-assessora de imprensa da Casa Branca que renunciou após a invasão ao Capitólio, disse à comissão que um tuíte de Trump atacando o vice-presidente Mike Pence enquanto o tumulto estava em andamento era como “jogar lenha na fogueira”.
O mesmo tuíte foi citado anteriormente por Matthew Pottinger, ex-vice-conselheiro de segurança nacional de Trump e o mais alto funcionário da Casa Branca a renunciar em 6 de janeiro de 2021, como motivação para que deixasse a Casa Branca.
Processo não está garantido
Até aqui, os deputados mostraram como a falsa narrativa de uma fraude nas eleições de 2020 serviu de combustível para os atos de violência. Agora, com o aparente fim das audiências, a comissão vai preparar um relatório sobre os meses de investigações e depoimentos, a ser apresentado em setembro. Contudo, apesar das evidências apresentadas, não há qualquer garantia de que o ex-presidente será processado.
A começar pelo fato de a comissão não ter o poder de acusar criminalmente Trump — essa tarefa cabe ao Departamento de Justiça, que pode, ou não, aceitar as evidências produzidas pelos deputados, e incorporá-las em eventual processo.
Até o momento, o secretário de Justiça evitou comentar as audiências, e prefere se referir aos mais de 800 processos abertos contra pessoas que participaram da invasão. Especialistas afirmam que alguns dos potenciais crimes cometidos por Trump, conspiração sediciosa e obstrução de um procedimento do Congresso, são difíceis de provar, porque dependem de provas incontestáveis de que o acusado tinha a intenção de cometê-los.
Há ainda o fator político: um processo contra um ex-presidente, ainda mais em um país dividido, pode inflamar ainda mais os EUA, e até abrir um precedente para que processos semelhantes, mas por motivos menos graves, ocorram no futuro.
O próprio Trump pode questionar as provas apresentadas ao afirmar que a comissão não foi “justa”, uma vez que ele não teria tido o direito de se defender publicamente — em junho, em uma carta de 12 páginas, afirmou que a comissão foi constituída ilegalmente, e voltou a afirmar que houve fraude nas eleições de 2020.
“Se não houver responsabilidade para 6 de janeiro, para cada parte deste esquema, temo que não superaremos a ameaça contínua à nossa democracia”, defendeu Bennie Thompson na abertura da sessão desta quinta-feira. “Deve haver consequências duras para os responsáveis.”
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