Antonia Urrejola com Gabriel Boric na posse do presidente chileno, em março. Na Nicarágua, diz ela, prioridade é libertação dos presos políticos
Reprodução 17/04/2022
Antonia Urrejola com Gabriel Boric na posse do presidente chileno, em março. Na Nicarágua, diz ela, prioridade é libertação dos presos políticos

Ele se locomove num carro da linha econômica da Tesla, optou por ficar hospedado num hotel quatro estrelas mais afastado do Centro de Convenções de Los Angeles, onde acontece a IX Cúpula das Américas que começou oficialmente nesta quarta-feira, viajou com uma delegação muito inferior à de outros chefes de Estado, e por onde passa recebe pedidos para tirar selfies.

O jovem presidente do Chile, Gabriel Boric, de 36 anos, é o chefe de Estado mais popular do encontro promovido pelo governo Joe Biden e aproveita seu momento de destaque internacional para fazer cobranças a governos não tão amigos, começando pelo Brasil de Jair Bolsonaro.

Em meio a uma agenda carregada de encontros com empresários de alto nível americanos e latino-americanos, autoridades locais e membros da comunidade chilena nos Estados Unidos, Boric expressou sua irritação pelo fato de o governo brasileiro ainda não ter concedido o agrément a quem foi escolhido por ele para ser embaixador do Chile no Brasil, seu amigo Sebastián Depolo.

"Apresentamos o agrément e esperamos resposta por parte da Chancelaria brasileira, é o que corresponde. Se conversarmos (com representantes do governo Bolsonaro), será um dos temas a serem tratados", disse Boric, a meios de comunicação de seu país. 

O chefe de Estado chileno disse, ainda, que suas diferenças de princípios com Bolsonaro “são evidentes”, mas afirmou respeitar a soberania do povo brasileiro.
"Se tivermos a oportunidade de conversar em termos de Estado, não duvidarei de fazê-lo", frisou.

O esfriamento das relações bilaterais tem vários motivos. Declarações de Boric a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram mal recebidas em Brasília; o presidente brasileiro, que na eleição chilena de 2021 apoiou o candidato de extrema direita José Antonio Kast, não foi à posse de Boric; a chanceler chilena, Antonia Urrejola, ainda não se comunicou com seu colega de pasta, Carlos França e, finalmente, declarações feitas por Depolo, acadêmico e dirigente da esquerdista Frente Ampla, sobre Bolsonaro no passado não ajudam.

Em suas redes sociais, o homem escolhido para ser embaixador do Chile no Brasil afirmou, após a eleição de 2018, que “Bolsonaro é pior do que Trump” e que “vemos no Brasil o início do fascismo”.

Por parte do Brasil, não existe pressa em dar sinal verde ao pedido do Chile. A resposta poderia demorar semanas, meses ou só acontecer depois da eleição presidencial brasileira. Existe mal-estar pelo vazamento do nome escolhido por Boric — algo que contraria a tradição diplomática — e por atitudes do presidente do Chile e seu Gabinete.

Promessa da esquerda

Antes de chegar a Los Angeles, o chefe de Estado chileno passou pelo Canadá, onde foi recebido pelo primeiro-ministro Justin Trudeau como a grande promessa de uma nova esquerda latino-americana. Em suas declarações, Boric, de fato, tem tentado se descolar dos regimes do venezuelano Nicolás Maduro e do nicaraguense Daniel Ortega.

"Boric é um presidente que sustenta que a crise se enfrenta com mais democracia e que a democracia consiste na capacidade de realizar mudanças respeitando todos, os interesses de todos. É um presidente social-democrata, mas com uma definição nova, fresca. Se contrapõe a Maduro, Ortega", definiu uma alta fonte do governo chileno.

Boric disse, literalmente, não ser “um Maduro” e explicou sua afirmação dizendo ser "uma esquerda que pretende fazer mudanças sem suprimir liberdades". Mas o presidente do Chile, assim como o argentino Alberto Fernández, questiona a decisão do governo americano de excluir Venezuela, Nicarágua e Cuba da cúpula.

"É mais útil discutir cara a cara do que essa lógica de exclusão… Respeito a livre determinação dos povos, mas os direitos humanos são avanços civilizatórios, quando se violam, na Venezuela, Israel, Chile ou Colômbia, dói meu coração e prefiro dizer isso pessoalmente. Excluir um grupo de países sem consultar o resto me parece um erro", enfatizou Boric, prometendo “dizer isso de maneira firme, soberana e com orgulho latino-americano” durante o encontro de presidentes.

Assim como alfinetou o presidente Bolsonaro, o chefe de Estado chileno mandou um recado de apoio ao candidato esquerdista colombiano Gustavo Petro, que disputará o segundo turno da eleição presidencial em seu país no próximo dia 19 de junho. Boric evitou fazer declarações explícitas, mas disse que “todos sabem onde está nosso coração”.

O presidente do Chile circula descontraído e de bom humor por Los Angeles. Na última terça-feira, participou de um encontro com chilenos que vivem nos EUA, entre eles intelectuais e atores como Fernanda Urrejola, da série Narcos México.

O evento aconteceu no hotel onde Boric está hospedado, o Biltmore, onde no mesmo dia foi organizada uma festa inspirada na série Bridgerton, à qual os convidados compareceram com roupas de gala do século XIX. Quando algumas das mulheres fantasiadas de damas da antiga corte britânica perceberam que o presidente do Chile estava no mesmo local, houve um momento de frisson e, claro, pedidos de selfie.

Boric, que se comporta como um presidente de 36 anos, gosta de conversar com todos, tirar fotos e desafiar protocolos. No avião, onde viajou com mais de 20 jornalistas, aproximou-se para conversar com a imprensa debruçado sobre os assentos, num gesto que quem participou da improvisada entrevista definiu como “o de um jovem político que, no fundo, nunca achou que seria presidente e que ainda não mudou comportamentos que sempre teve”.

Esse mesmo jovem conversou com CEOs de empresas como Amazon, Coca-Cola, Google, Microsoft, Pfizer, PepsiCo, Citibank, Back of Americas e Fedex, entre outras. Na conversa, confirmaram fontes da delegação chilena, o foco foi mostrar aos empresários que a agenda de transformações de Boric é transmitir que “o país oferece segurança jurídica e um marco institucional robusto, mesmo em temos de mudanças”.

Mas nada disso muda a situação de estremecimento entre Chile e Brasil. Os dois presidentes poderiam se esbarrar na cúpula, mas não há encontro bilateral previsto. Se houver reunião improvisada, uma coisa é certa: Boric vai cobrar a demora do governo brasileiro em aceitar seu novo embaixador. E a reposta do Brasil não deve ser positiva.

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