O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte
Reprodução/Wikipedia
O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte

Todas as eleições presidenciais são importantes, mas algumas importam mais do que outras. Este é o caso do pleito das Filipinas nesta segunda-feira (9). Seis anos após eleger Rodrigo Duterte, cuja principal plataforma política consistiu no extermínio extrajudicial de suspeitos de venda e uso de drogas, o país parece prestes a, por ampla margem, consagrar nas urnas Ferdinand Marcos Jr., filho do ditador que, de 1965 a 1986, conduziu com mão de ferro o país do Sudeste Asiático. A filha do atual presidente, Sara Duterte-Carpio, é favorita para ser eleita vice-presidente, em votação separada.

A provável eleição da dupla de aliados vai impor mais tensões à já combalida democracia filipina. Desde 2016, dezenas de milhares de pessoas foram assassinadas por agentes do Estado e forças paraestatais, e o governo prendeu políticos de oposição, perseguiu a imprensa e tentou mudar a Constituição. Para muitos, um novo mandato de líderes deve debilitar ainda mais as instituições, e pode significar um aumento deletério dos abusos.

" Duterte muitas vezes agiu de forma autocrática durante seu mandato. A eleição de Marcos Jr., que tem algumas tendências antidemocráticas, pode soar a sentença de morte para a democracia filipina", afirmou ao GLOBO Joshua Kurlantzick, especialista em Sudeste Asiático do Conselho de Relações Exteriores (CFR), um think tank americano. "Ele pode continuar a reprimir a mídia e os políticos da oposição e contribuir para uma cultura geral de impunidade."

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Marcos Jr., de 64 anos e apelidado de Bongbong, liderou todas as pesquisas durante a campanha por uma confortável margem de cerca de 30 pontos percentuais para o segundo lugar. Fragmentada em 10 candidaturas, a oposição tem sua única esperança na atual vice-presidente e única mulher concorrente, Leni Robredo, de centro-esquerda. Nas últimas semanas, seus apoiadores, vestidos de rosa, passaram a fazer campanha de casa em casa, em uma tentativa de ganhar votos, e a candidatura ganhou um pouco de fôlego.

Ainda assim, na pesquisa mais recente divulgada pelo instituto Pulse Asia, Marcos Jr. tem 56% das intenções de voto, contra 23% de Robredo. O ícone mundial do boxe Manny Pacquiao, hoje senador, está em terceiro, com 7% das intenções,  e o prefeito da capital Manila, Francisco Domagoso, tem 4% de apoio. 

Morto em 1989, o pai do candidato favorito comandou atrocidades contra camponeses, manifestantes estudantis, militantes de esquerda, rebeldes comunistas, jornalistas e outros opositores. Segundo a Anistia Internacional, há documentações sobre 70 mil presos políticos, 34 mil torturados e 3.240 assassinatos políticos durante a ditadura. Além destes, até 10 mil muçulmanos Moro foram mortos em massacres pelo Exército, pela polícia e pelo grupo paramilitar pró-governo cristão Ilaga.

Enquanto violava todo tipo de direito humano, Marcos pai — que governou por mais da metade do tempo sob lei marcial, e contou com apoio do governo americano, que o considerava um aliado contra o comunismo — pilhava as contas filipinas. Uma comissão de investigação criada após o fim da ditadura considera o saqueio da família Marcos e de seus comparsas tão grande que é difícil calcular a soma dos bilhões. A conta mais recente está entre US$ 5 e US$ 10 bilhões, não corrigidos.

Na semana passada, Marcos Jr. disse que considera o seu pai “um gênio político”. Sua família passou décadas tentando reabilitar a própria imagem, estratégia que finalmente teve êxito com o advento das mídias sociais, em um país onde mais de 99% da população de 110 milhões está conectada à internet. Segundo o Grupo de Pesquisa sobre o Regime Marcos, ligado à Universidade das Filipinas, a nostalgia da ditadura ganhou força há mais de 10 anos, e se baseia em um “dilúvio de narrativas baseadas em mentiras pró-Marcos que colonizaram as mídias sociais”. 

A mensagem principal consiste em exaltar uma suposta estabilidade e prosperidade do período ditatorial, ignorando as violações aos direitos humanos, a corrupção e o endividamento do país. Durante a campanha, tornou-se comum um desafio na rede social TikTok no qual jovens gravavam seus parentes idosos reagindo à execução da Marcha para uma Nova Sociedade, hino associado à lei marcial. Ao ouvirem a canção militar, os idosos cantavam, balançavam a cabeça e marchavam, enquanto os jovens riam ao fundo. Em outros vídeos, fotos e vídeos de Marcos e de sua mulher, Imelda, se intercalam com emojis de corações, enquanto tocam músicas pop

Segundo Richard Heydarian, professor de geopolítica na Universidade Politécnica das Filipinas, Marcos Jr. representa uma forma de “populismo nostálgico”:

"O TikTok permite que candidatos como Marcos Jr. atraiam diretamente a geração mais jovem por meio de vídeos cuidadosamente selecionados, que colocam o espetáculo acima da substância", disse.

Marcos Jr. quase não abordou políticas públicas durante a campanha, e se recusou a participar de debates e conceder entrevistas. O candidato não apresentou uma plataforma, em vez disso propagando uma mensagem vaga sobre “unidade”. Um porta-voz da campanha afirmou nesta semana:

"Bongbong Marcos será o presidente dos filipinos, independentemente de sua cor política, raça ou credo."

Embora Duterte não tenha oficializado o apoio a Marcos Jr., o partido do atual presidente o fez. Já o candidato indicou que protegerá Duterte de uma acusação do Tribunal Penal Internacional (TPI) pela guerra extrajudicial às drogas — que, segundo ONGs, deixou mais de 20 mil vítimas, incluindo pessoas assassinadas pelo próprio presidente, segundo ele mesmo —, e sinalizou que possivelmente continuará com os assassinatos. Além dos Dutertes, Marcos Jr. também se aliou a outras duas poderosas famílias políticas filipinas, os Arroyos e os Estradas.

"Com uma Presidência de Marcos Jr. e essa aliança, essas famílias poderiam dominar tanto o Executivo quanto o Legislativo, zombando da democracia", afirmou Joshua Kurlantzick, do CFR.

No lugar do autoritarismo escancarado do pai, Marcos provavelmente usará a influência de sua família para consolidar o poder por meio de nomeações para cargos públicos no Judiciário e em outros órgãos-chave, substituindo potenciais mecanismos de controle do poder.

Sua opositora Robredo, enquanto isso, fez uma campanha com promessas de respeito à democracia e de combate à corrupção, com mensagem direcionada aos mais pobres e marginalizados. Ela prometeu que, se eleita, adotará políticas de promoção da saúde e educação, ao mesmo tempo em que fortalecerá as instituições e a supervisão democrática e aumentará a concorrência no mercado. Robredo também se comprometeu a melhorar o bem-estar social, como benefícios de desemprego e apoio familiar, e não se esquivou durante a campanha de abordar fantasmas do passado:

"Devemos nos lembrar da verdade constantemente, em todas as oportunidades. Do que, sob o regime de Marcos, os filipinos sofreram: que o regime roubou, torturou e matou", afirmou em um comício no início da campanha."Nos enterraram em dívidas, e nos obrigaram a pagar por isso até as próximas gerações."

A única esperança da candidata está em um impulso de última hora. Nas últimas semanas, vários governadores, deputados e líderes da sociedade civil declararam apoio a Robredo, e é possível que os institutos de pesquisa não tenham detectado um aumento do apoio. Alguns analistas, no entanto, são céticos quanto a essa possibilidade:

"Raramente as eleições são decididas por cálculos racionais, pela avaliação da vida pública de um candidato", disse à Reuters o professor político aposentado Tecario Rivera. "Há muita emoção envolvida, e é por isso que as narrativas com as quais você se sente mais confortável normalmente são decisivas."


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